The Endless (2018)

de Sara Ló

E se cada momento da nossa vida, cada evento, cada decisão, se repetisse eternamente sem haver a mínima hipótese de mudança? Mais concretamente, se a tua vida fosse um loop infinito, exactamente como foi até agora e como é no presente, estarias satisfeito com as tuas escolhas e o teu modo de viver, sem qualquer tipo de arrependimento? 

Este conceito filosófico explorado por Nietzsche, denominado por “eterno retorno”, que, simplificando, explora a ideia de tempo, de recorrências cíclicas e do sentido da existência, é a base para The Endless, filme indie de ficção científica dos realizadores Justin Benson e Aaron Moorhead, dupla especializada em meta-terror que previamente realizou Resolution (2012) e Spring (2014). Aqui, além da realização, assumiram também o argumento, as filmagens, a edição e a interpretação dos papéis principais – partilhando o nome com as suas personagens -, num filme que compensa o baixo orçamento com uma riqueza de ideias inteligentes e originais.

Justin e Aaron são dois irmãos que vivem uma vida dita “normal”, aborrecida e sem qualquer tipo de marco especial, exceptuando o facto de terem pertencido, em crianças, a um culto a OVNIs e seres extra-terrestres. Após terem ficado órfãos, 10 anos antes dos acontecimentos do filme, Justin toma a decisão de agarrar no seu irmão mais novo e fugir da “comunidade” de Camp Arcadia. No presente, Aaron vê um vídeo gravado por uma ainda follower do culto, Annie (Callie Hernandez), e numa reflexão sobre o quão decepcionante está a ser o rumo da sua vida, em comparação com aquilo que a incerteza da sua memória de criança lhe impõe, chega à conclusão que sente falta daquele local e quer revisitar o espaço onde cresceu e que outrora chamou de lar. Apesar de alguma resistência de Justin, os dois partem nessa viagem juntos e são recebidos por uma comunidade calorosa e convidativa que os recebe de braços abertos, fazendo-os questionar o porquê de alguma vez terem escapado dali, se nada agora os faz sentir que há algo de errado. Será que os seus “eus” mais jovens interpretaram mal as experiências que decorreram no passado?

Primeiro que tudo, The Endless é um filme sobre relações, neste caso sobre o carinho áspero e capaz de se desgastar com o tempo entre dois irmãos. Mas também é exímio a brincar com as percepções de realidade, espaço e tempo, roçando os contornos de um terror inimaginável, que deixa os detalhes para a imaginação do espectador. Não há monstros nem fantasmas em The Endless per se, simplesmente a fachada amigável desaparece. O apelo de uma vida comunitária isolada e com as suas próprias regras – comida saudável, felicidade, liberdade – é rapidamente substituído por dúvidas sobre aquele estilo de vida, com indícios de que algo mau está a acontecer, e os cineastas conseguem-no transmitir através da criação de uma atmosfera perturbadora como dias que se transformam repentinamente em noite, bandos de pássaros que voam em formações circulares, múltiplas luas no céu e encontros com estranhos que parecem presos em diferentes ciclos temporais.

Apesar de pegarem num conceito complexo, talvez demasiado abstrato para converter em terror, o seu significado é, também ele, propositadamente ambíguo. Revisitar o passado pode ser uma armadilha, uma armadilha já vista inúmeras vezes em filme, mas Benson e Moorhead fazem com que funcione, graças a uma realização segura, à ambiência que parece ter sido retirada de um pesadelo, à escolha de paisagens misteriosas e ao acting natural. A utilização de espelhos e de motivos visuais circulares e o próprio enredo desenhado em círculos com momentos repetidos, acabam por enfatizar como aquilo que é comum pode às vezes parecer aterrorizante ou o contrário, levantando questões tão variadas e provocadoras como eternidade, paradoxos, destino e livre-arbítrio, confrontando as suas personagens com variações dos mesmos desafios infinitamente.

The Endless é contido e engenhoso, seja na composição dos planos ao enquadrar as personagens estrategicamente, movendo a câmara para revelar ou para ocultar informações, seja na edição notável que lentamente aumenta a tensão, seja nos efeitos sonoros irregulares, nas texturas musicais de Jimmy LaValle e nos samples arrastados da música “House of the Rising Sun”. Contudo, nem todos os momentos do filme funcionam e existem percalços no caminho. Há uma exposição da narrativa através de diálogos desnecessários e exagerados durante o primeiro acto e o CGI é por vezes duvidoso, o que é facilmente justificável pelo micro-orçamento. O importante é que o filme cria uma excelente sensação de inquietação e uma atmosfera de outro mundo *wink wink*. É um filme coerente, tanto emocional como fisicamente, com um clímax bastante satisfatório. Em última análise, é aquilo que é apenas sugerido e o que está implícito que coloca esta história como altamente funcional.

The Endless materializa com sucesso uma boa ideia, através de um elenco competente, um guião inteligente e talento e confiança na realização. O resultado é um drama envolvente que mistura ficção científica com terror cósmico, e é sem qualquer dúvida um filme impressionante, original e mentalmente estimulante.

4/5
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