The Electric State (2025)

de João Iria

The Electric State é um filme com tantas ideias regurgitadas que podia ter sido escrito por uma vaca; um argumento que vomita as típicas tropes clássicas do género sem digerir propriamente o seu significado ou o seu raciocínio. Aliás, o único motivo para não designar oficialmente esta longa-metragem como um ecoponto de conceitos reciclados é porque, na realidade, é um mar de lixo povoado por acting vidrado, emoções plásticas e visuais construídos a papel fino, a poluir o ambiente cinemático. É um coma artístico que deixa os seus espectadores a dormir de olhos abertos, equivalente a uma morte cerebral.

Uma adaptação do romance gráfico de Simon Stålenhag, cujas ilustrações absolutamente magníficas e passagens fascinantes claramente perderam-se nesta tradução, com um orçamento de – supostamente – 320 milhões de dólares, The Electric State é o novo filme de Anthony e Joe Russo – a equipa responsável por sucessos estrondosos financeiros como Captain America: Civil War (2016) e Avengers: Endgame (2019), e pelo filme que a Netflix reproduziu automaticamente enquanto dormias, The Gray Man (2022) –, situado num mundo alternativo, em 1994, após uma guerra vitoriosa contra a inteligência artificial. Nesta inédita atmosfera, uma jovem órfã, Michelle (Millie Bobby Brown), aventura-se com um misterioso senciente robot da sua personagem favorita de infância, Cosmo, para encontrar o seu irmão, Christopher (Woody Norman), que pode ser a chave para salvar a humanidade deste apocalipse tecnológico. Durante a sua jornada até à zona de exclusão, onde as renegadas máquinas derrotadas habitam, são assistidos por um contrabandista, Keats (Chris Pratt), e o seu parceiro robot, Herman (Anthony Mackie), que atiram constantes piadas em suporte de vida enquanto batalham contra o CEO deste império científico, Ethan Skate (Stanley Tucci), e um caçador de máquinas interpretado por Giancarlo Esposito, um actor profundamente talentoso condenado a repetir a sua personagem de Breaking Bad (2008-2013). Walter White venceu.

O planeta está ameaçado todavia nenhum destes protagonistas parece empenhado em mudar o destino da humanidade (nem sequer é um elemento complementar da sua hero’s journey) – este é meramente um acessório narrativo e uma coincidência que aceitam na sua missão –, ou envolvidos nos seus respectivos cosmos, possivelmente devido à combinação de performances medíocres com um argumento enfadonho. Ao seu redor, indivíduos desaparecem mentalmente num universo virtual, dependentes da inovadora tecnologia, Neurocaster, que permite uma pessoa de desfrutar das suas férias bacanais em simultâneo com o seu emprego, mas este aspecto é simplesmente uma nota de rodapé no seu enredo que expressa uma mensagem incoerente e confusa, acusando a sociedade de submissão perante esta indústria enquanto valoriza a independência das máquinas e apela a uma coexistência entre criadores e a sua criação autónoma? É um filme mais interessado em dizer algo do que no que está a dizer. Neste nosso contexto actual dominado pela inteligência artificial, é um sermão irresponsável, desenvolvido com a presunção de realizadores demasiado dentro dos seu próprios ânus para conseguirem ver uma saída. Não é uma luz que avistam no fundo desse túnel, é uma sanita.

Todos os pequenos detalhes que presenteiam a ilusão de comentário social, como uma empresa a patrocinar eventos históricos, desvanecem na sua relevância como o Skype durante a quarentena. Ainda assim, admito que é um filme atestado de questões, por exemplo: “Porque estou a ver isto? O que aconteceu com a minha vida?”. Uma reação inevitável pois os realizadores nunca demonstram investimento no seu worldbuilding ou no estado psicológico e filosófico desta época, resultando numa obra sobre consumismo vápido que é, ironicamente, consumismo vápido apropriado para multitasking, para ser experienciado como os viciantes dispositivos virtuais utilizados pelos seres desta história. Lógico que os irmãos Russo simpatizam com os robots, inteligência artificial suscita entusiasmo quando não existe inteligência real.

Independentemente de qualidade, para mim, todo o cinema é arte. The Electric State parece ter sido produzido para refutar esta minha visão. No entanto, é essencial afirmar que esta equipa, honesta nas suas entrevistas, sempre admitiu que o seu principal objectivo é fornecer entretenimento, portanto, avaliando esta longa-metragem nestes termos: The Electric State é penosamente aborrecido, desinspirado, derivativo, com uma pobre caracterização e uma edição aleatória, como se os cortes estivessem programados automaticamente, uma banda sonora decente, quase eficaz o suficiente para mascarar a escassez de sentimento, um Chris Pratt com o charme de uma sopa congelada, uma performance inerte de Millie Bobby Brown que confirma que a actriz realmente não assiste filmes, e efeitos visuais credíveis e impressionantes – mas mesmo este ponto positivo é irrelevante para a sua qualidade pois o que importa realismo sem alma?

The Electric State acredita ser um blockbuster digno do seu orçamento, capaz de transformar o rumo do cinema, quando nem é merecedor de manter a nossa atenção. Nem como um pedaço de entretenimento funciona, nem para assistir no fundo durante as limpezas caseiras, apenas como um indício num caso de suicídio. O único momento de electricidade acontece na sua conclusão sequelbait, quando o nosso sofá é imediatamente substituído por uma cadeira eléctrica. É excremento. É o excremento dos irmãos Russo. No sentido que este é o resultado de tudo o que esta dupla consumiu no cinema. É uma poia flutuante no ecrã da Netflix, a entupir o financiamento de criadores verdadeiramente interessados no cinema, como uma forma de expressão artística. Ambos retiram e retiram dos clássicos e dos seus filmes favoritos, sem perceber o que distinguiu as suas escolhas. Exactamente como a inteligência artificial. No fim, este é o seu problema principal: os irmãos Russo não encaram o seu público como seres humanos, aliás parecem considerar os robots como mais cativantes do que a humanidade.

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