The Colors Within está integrado na programação da 25ª edição da MONSTRA | Festival de Animação de Lisboa, na Secção de Competição de Longas. Foi exibido no dia 24 de Março às 21h30, no Cinema São Jorge.
Naoko Yamada é um nome que merece atenção e destaque no cinema de anime contemporâneo, excessivamente ignorado em comparação com os seus colegas criadores de estrondosos sucessos de bilheteiras mundiais. Apesar de penoso, devido à sua fantástica voz, é um facto compreensível pois o seu interesse está em contar pequenas histórias, distantes de eventos mágicos, criaturas medonhas ou inusitados polvos. Responsável pelo excelente A Silent Voice (2016), o subvalorizado Liz and the Blue Bird (2018), e a principal realizadora da icónica série K-On! (2009-2010), Yamada entrega agora uma longa-metragem harmoniosa acerca de uma jovem numa escola Católica, Totsuko Higurashi (Sayu Suzukawa), com a habilidade de ver as cores dos corações das pessoas, uma forma cinemática de sinestesia. A sua atração pela serena matiz da sua antiga colega, Kimi Sakunaga (Akari Takaishi) – sempre acompanhada com uma guitarra –, encoraja a estudante a entrar em contacto com esta adolescente fechada, no seu local de trabalho, inadvertidamente estabelecendo uma banda com Kimi e um desconhecido rapaz, Rui Kagehira (Taisei Kido), apaixonado por música.
Surpreendentemente livre de obstruções narrativas exageradas e de artifícios dramáticos – o seu ritmo sereno impede rajadas de lágrimas, um clímax berrante e confrontos teatrais –, The Colors Within, como o seu título sugere, está essencialmente cativado por conflitos interiores, ansiedades do futuro e os dilemas emocionais dos seus três protagonistas, usufruindo do seu conceito expressivo e animado para uma metáfora sobre perspectivas sentimentais, a forma como olhamos para os outros, o impacto que as pessoas têm na nossa alma e o poder da música como uma expressão artística capaz de pintar a nossa existência. Natural, pois a arte e as nossas conexões são o corante das nossas realidades. Todavia, Yamada recusa-se a limitar esta alegoria, representando também o amor de viver nos detalhes rotineiros, exibidos na animação transcendental – o primeiro acto é marcado por ínfimas impressões, pormenores mundanos e comuns como colegas de escola a cumprimentarem-se, jovens a subir escadas, sapatos a serem calçados, desconhecidos a conversarem e a passearem –, momentos que seriam insignificantes nos nossos dias, passagens imediatamente experienciadas e esquecidas e microssegundos omitidos da memória recebem vida nesta longa-metragem, ganham poder, sendo intensificados através de uma técnica absolutamente impressionante e do movimento traçado, são imagens poéticas que revelam as cores escondidas dos nossos olhares e afirmam a sonoridade do nosso mundo.
Uma escolha sensata, afinal The Colors Within é uma obra sobre música; o enredo é acerca de um grupo de adolescentes diferentes, ligados por aflições de culpa perante os seus familiares e Deus, a formarem uma banda musical. A sua divergência de personalidades está inerentemente ligada aos seus sons individuais, cada membro com um timbre único que, combinado com os restantes, cria uma melodia social fenomenal, mesmo a sua procura por inspiração é conectada à sua visão do universo: Rui encontra as suas composições na experimentação rítmica, Kimi nas palavras ofuscadas do seu coração e Totsuko influenciada pelo seu redor e vivências aleatórias, como uma simples aula de ciências. Esta é uma jornada de jovens com dificuldades em pronunciar as suas verdades, por receios pessoais, a desvendarem um método cadenciado de expressarem os sentimentos que não conseguem, culminando num concerto espectacular cuja vontade está em levantar do assento, dançar, aplaudir e cantar com o público inteiro em uníssono. É necessário apontar que as canções criadas para esta longa-metragem, cada uma transmitindo os receios, paixões e o trajecto das suas respectivas personagens, transformam o nosso Spotify on Repeat num refém, exigindo um encore constante. Além de Naoko Yamada, Kensuke Ushio é outro nome cada vez mais importante neste meio artístico – produzindo as bombásticas bandas sonoras de Devilman Crybaby (2016), Chainsaw Man (2022) e Dandadan (2024).
The Colors Within prolonga a balada grandíloqua além dos seus hinos afinados, infiltrando-se no design sonoro, especificamente na mistura de som, um elemento técnico frequentemente abandonado em séries de anime, possivelmente por motivos financeiros mas também porque os criadores decidem focar-se nos sons mais importantes. Para Naoko, todo o redor deste elenco, todo o seu mundo é sonoramente relevante, distinguindo os pequenos passos, o arrumar de um instrumento e a suavidade do vento na sua composição narrativa, seguindo, assim, a mensagem dramática estabelecida: conseguimos descobrir cores e encontrar música em todo o lado e em todas as pessoas, até onde não existia anteriormente.
Curioso pois Yamada elabora espaço suficiente nesta narrativa para inúmeras leituras artísticas nas suas entrelinhas, para cada espectador encontrar cores que mais ninguém avista, incluindo uma visão queer do filme – uma jovem protagonista, a estudar numa escola católica, fascinada pela sua antiga colega, referindo esta repetidamente como linda, é transportada pela sua imagem, determinada a encontrar a sua voz enquanto lida com o medo dos seus pecados e um impedimento religioso. Apesar de não ser um aspecto minimamente subtil, The Colors Within tange múltiplas perspectivas apenas para quem está disposto a abrir o seu coração a um caleidoscópio.
Ainda assim, nessas leituras, catolicismo não é exactamente um vilão na história, nem quando parece ser o caso. Aliás, noutro enredo implicaria uma explosão. Aqui funciona como uma vertente espiritual – uma igreja abandonada utilizada como estúdio –, a ideia de destino – um gato a guiar a protagonista para o seu desejo –, de sermos honestos com a nossa tristeza e felicidade, de combater pelo que conseguimos controlar mas aceitar o inexplicável. The Colors Within é introduzido com uma explicação científica, contudo, as questões nunca param. “Será que o Rui consegue ver o som?”, “Qual será a minha cor?” questiona Totsuko, entusiasmada com o mistério, consciente que mesmo perante respostas, surgem perguntas. Dúvidas sobre os nossos sentimentos, o nosso futuro e sobre as nossas ligações. Tons diferentes simplesmente constituem novas imagens. Que maravilha continuar a procurar. Neste sentido, The Colors Within não é apenas um filme repleto de cores belas, é um filme que consegue colorir a sua própria audiência.