The Buckingham Murders (2024)

de Francisca Tinoco

Em The Buckingham Murders (Os Assassinatos de Buckingham), o realizador indiano Hansal Mehta (Shahid, 2013; Scoop, 2023) entrega um drama criminal sobre uma detetive anglo-indiana (Kareena Kapoor Khan) que, numa tentativa de fugir ao sofrimento causado pelo homicídio do seu filho, se muda para uma nova terra, High Wycombe, em Buckinghamshire, onde lhe é atribuído um caso com contornos parecidos, forçando-a a enfrentar e processar toda a dor e raiva que haviam tomado conta da sua vida desde então.

Três temas principais operam neste filme – o luto, que afeta não só a protagonista como o seu superior, o Detective Inspector Hardy (Ash Tandon), e a família da vítima; o mistério policial baseado na busca do culpado pela morte de Ishpreet, um rapaz indiano desaparecido; e as tensões religiosas entre hindus e muçulmanos, retiradas de eventos reais decorridos em Leicester em 2022. Dos três, apenas o primeiro é satisfatoriamente explorado em The Buckingham Murders, uma vez que o segundo, apesar de começar bem, se perde completamente no final, e o terceiro é simplesmente esquecido a meio do filme.

Ainda que de forma relativamente literal, vemos, ao longo do filme, a forma como o luto impacta o bom senso das personagens, levando-as tanto a extremos emocionais como à repressão e ao isolamento. É o principal e mais bem construído fio condutor de The Buckingham Murders, graças, também, à sua função enquanto coração pulsante do filme, influenciando praticamente todos os seus desenvolvimentos. Ainda que carregada de lugares-comuns e prejudicada por uma dramatização excessiva de certos momentos e decisões, esta faceta é o ponto alto do filme de Mehta.

O mesmo não se pode dizer do enredo policial. Este começa de forma fria, puramente investigativa e cerebral, à boa moda dos noirs europeus (não fosse o filme passado em Inglaterra, um dos principais reinos deste género). No entanto, no último ato, é completamente minado por reviravoltas que não servem outro propósito senão o da provocação do choque no espectador, mais à moda do cinema mainstream indiano. Depois de um desenvolvimento ritmado e bem construído, chegam minutos finais sobrelotados de revelações, cada uma mais rocambolesca que a anterior.

A insatisfação com o desfecho do mistério acaba por estar ligada à frustração causada pelo caráter incompleto do terceiro tema: os conflitos religiosos. Mehta salpica The Buckingham Murders com pózinhos da instabilidade que se sentiu em Leicester em 2022, tanto através de imagens de arquivo de noticiários britânicos como de cenas fictícias incluídas na narrativa do filme. O que fica por perceber é o objetivo desta tentativa de entrelaçamento da temática no filme, pois acaba por não servir a história, nem sequer a enriquecer, dado a falta de consistência das referências ao tópico, principalmente à medida que o filme caminha em direção à sua conclusão.

Apesar de todas estas limitações, a personagem de Kapoor Khan, a Detective Sergeant Jasmeet “Jass” Bhamra, é uma protagonista forte, por quem é fácil torcer e com quem é fácil empatizar, muito graças à atuação ponderada e subtil da aclamada atriz indiana. Sabemos, à partida, que é uma mãe solteira, enraivecida pela morte violenta do seu filho, mas vamos descobrindo, aos poucos, o seu talento inato para as funções que ocupa no seu trabalho, a sua capacidade acima da média de ler e decifrar as pessoas, e a sua intuição certeira. The Buckingham Murders (cujo argumento é da autoria de Aseem Arrora, Raghav Raj Kakker e Kashyap Kapoor – três homens), faz, também, um bom trabalho na representação das micro-agressões misóginas que afetam mulheres em posições de relativo poder num campo dominado pelo género oposto – do mais abrasivo Hardy ao mais justo Miller (Keith Allen), e incluindo os vários suspeitos, todos acabam por subestimar e subverter as capacidades de Jass a certa altura.

O leque de personagens do filme é vasto, e há uma tentativa válida de dar, a cada uma, a sua própria personalidade, luta, e conflito, tanto interno como externo. Cria-se assim, uma teia de relações interpessoais e profissionais muito própria de uma comunidade fechada tal como a que nos é aqui apresentada. Todos têm algum tipo de história partilhada, mais ou menos próxima, que influencia os seus movimentos e motivações, e confere a The Buckingham Murders um ambiente muito mais verossímil que aquilo que o seu enredo e a sua realização propõem.

Igualmente fascinante, principalmente para um espectador completamente exterior a este contexto, é a perspetiva anglo-indiana em que o filme se enquadra. Falamos de uma equipa criativa quase na sua totalidade indiana que cria, aqui, um filme passado num local inglês sobre uma comunidade que tem tanto de indiana como de inglesa, criando um ecossistema muito próprio para servir de cenário para o filme.O resultado é uma esquadra multicultural onde as diferentes identidades afetam os papéis que cada detetive assume nesta investigação, principalmente no seu envolvimento com as pessoas que devem investigar e questionar. Hardy, um homem anglo-indiano, nascido e criado no mesmo bairro que se vê assolado pela morte de Ishpreet, julga-se, por isso mesmo, a pessoa mais qualificada para liderar o caso, mas rapidamente se torna óbvio que é essa mesma proximidade que o desqualifica por completo. Da mesma forma, Jass, Miller, e outras figuras no filme, têm uma relação singular com aquela comunidade, atuando num espaço cinzento e indefinido que mistura modos de estar ingleses com tradições indianas, tanto hindus como sikhs, como muçulmanas.

Todos estes elementos e a forma como os mesmos se interceptam, tornam The Buckingham Murders um filme único que, todavia, peca pela falta de aperfeiçoamento do seu enredo e da sua realização, ambos indecisos entre adotar a identidade do noir britânico ou do filme policial de grande escala indiano, ficando-se, ao invés, por um meio-termo que em vez de constituir uma identidade ímpar, acaba por não ser nada. Ainda assim, vale a pena dar uma oportunidade a este drama policial pelas características tão específicas em que se enquadra e pela belíssima prestação de Kareena Kapoor Khan.

2.5/5
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