The Brutalist (2024)

de Matilde Garrido

E se um nome carregasse em si a complexidade do ato criativo? Em The Brutalist (O Brutalista), o protagonista chama-se László Tóth (Adrien Brody) — uma escolha que não é mero acaso. Se o nome soa familiar, é porque László Tóth foi o geólogo australiano-húngaro que, em 1972, deixou o mundo em choque ao vandalizar a Pietà de Michelangelo, com 15 marteladas. Esta escolha, de Brady Corbet, parece, à primeira vista, um gesto carregado de ironia. Mas, à medida que a narrativa se desenrola, a escolha revela-se mais profunda que uma simples brincadeira: o nome não é apenas uma alusão, é um prenúncio. Corbet parece propor que todo o grande ato de criação traz consigo um potencial de destruição. 

The Brutalist adota um ritmo deliberadamente pausado, dividido em duas partes com um conveniente e simpático intervalo de 15 minutos (com direito a um solo de piano cronometrado). Esta decisão não apenas ajuda a digerir a densa e extensa narrativa, mas também a marcar uma clara distinção entre os dois atos, que retratam fases díspares da vida do protagonista, ao longo de 30 anos.

Na primeira parte, que cobre a primeira década da narrativa, acompanhamos László, um arquiteto judeu-húngaro e sobrevivente do Holocausto, que imigra para a Pensilvânia, como forma de reconstruir a sua vida e carreira. László foi forçado a deixar a sua esposa Erzsébet (Felicity Jones), e a sua sobrinha (Raffey Cassidy) na Europa, com a esperança de alcançar estabilidade na América e, assim, poder reunir-se com elas no futuro. Depois de enfrentar a pobreza e a indignidade, o arquiteto conhece o abastado empresário Van Buren (Guy Pearce), que o contrata para projetar um ambicioso centro comunitário e com o potencial de enriquecer László.

Se a primeira parte é marcada pelo entusiasmo do american dream nas mãos de um imigrante artista — ainda que mantenha em segredo o seu lado autodestrutivo, alimentado pela toxicodependência —, a segunda explora as tensões profundas entre as ambições de László e o peso do passado que tentou deixar para trás. À medida que a narrativa avança, surgem novos desafios que colocam em xeque a vida que idealizou, revelando o abismo entre o homem que deseja ser e a visão arraigada que todos parecem ter do arquiteto, cristalizada por estereótipos.

Filmado em VistaVision 70 mm, The Brutalist tira partido deste formato para criar uma profundidade visual fascinante, que amplifica a vastidão das paisagens e a imponência das construções. Combinando a influência da Bauhaus — visível de forma mais explícita nos créditos — e da arquitetura brutalista, o filme constrói uma estética que simboliza perfeitamente a dicotomia entre criação e destruição na busca pela grandeza, invocando o legado de The Fountainhead (Vontade Indómita, 1949). As suas imponentes e inóspitas estruturas contrastam com os momentos mais delicados e reflexivos da narrativa, afirmando-se enquanto um reflexo visual das lutas internas do protagonista e da complexidade da sua jornada.

As personagens bem escritas, alicerçadas às atuações credíveis, resultam num retrato de figuras humanas e complexas, que nos envolvem pela profundidade e pelo impacto inevitável das suas falhas — talvez seja por isso que tantas pessoas pensem que The Brutalist é uma obra biográfica. Brody destaca-se numa performance poderosa e já cogitada para o Oscar, capaz de capturar as camadas contraditórias de László, tornando-o tanto admirável quanto falível. Jones, faz uma leitura nobre e emotiva, enfrentando a dificuldade de dar vida a uma personagem que muitas vezes funciona como a voz da razão frustrada, sempre em segundo plano. Pearce, por sua vez, encarna Van Buren com uma intensidade perturbadora e carismática, que mistura poder e vulnerabilidade, roubando a atenção em todos os planos em que aparece. 

As atuações de Brody e Pearce formam uma coreografia marcada pelos contrastes. O seu relacionamento vai além de uma simples dinâmica entre imigrante judeu e aristocrata americano: é uma guerra de opostos. A famosa frase de Van Buren, “I find you intellectually stimulating“, revela-se mais do que um simples elogio a László; estamos perante um jogo de poder camuflado de admiração. Esse elogio, repetido de forma quase mecânica, faz-nos questionar gradualmente se as bases que sustentam esta relação são tão sólidas quanto o betão que suporta a imponente construção que os une.

The Brutalist é um conto americano sobre a imigração e a busca pela grandeza, protagonizado por um artista num mundo implacável. Mais do que uma reflexão sobre a arte, o filme procura explorar os efeitos da ambição humana, abordando as tensões entre a criação e a destruição; entre o sucesso profissional e o sacrifício pessoal. Com uma narrativa visualmente impressionante, ao fim de 215 minutos, o espectador sente ter acompanhado o desenvolvimento de uma vida inteira, marcada pelas ambições massivas e pelos seus altos preços a pagar.

4.5/5
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