The Boogeyman (2023)

de Bruno Sant'Anna

Em 1978, Stephen King publicou o livro Night Shift, que reúne diversos contos que o próprio escreveu para revistas e jornais entre os anos de 1968 a 1977. Uma das histórias é The Boogeyman, em que um homem chamado Lester Billings relata para o seu psiquiatra, Dr. Harper, as misteriosas mortes dos seus três filhos e como elas estão relacionadas a uma entidade que se esconde dentro de armários: o Boogeyman, mais conhecido em português como o bicho-papão.

Esta é a base do filme, The Boogeyman, mas existe um problema: esse encontro entre as duas personagens dura menos de cinco minutos no ecrã. O resto da longa-metragem são liberdades poéticas que os argumentistas Scott Beck, Bryan Woods e Mark Heyman construíram em volta do material de King, que nada mais são do que um aglomerado de clichês mal desenvolvidos do género do terror. Somando isso às atuações muito pouco inspiradas do elenco e uma realização sem nenhum carisma de Rob Savage, o resultado é mais parecido com uma comédia involuntária do que uma obra assustadora.

No filme, acompanhamos o drama da família Harper, que perdeu a sua matriarca recentemente num acidente de viatura. Cada um dos membros está em processos diferentes de luto: Will (Chris Messina), o pai, está em negação e isolamento; Sadie (Sophie Thatcher), a filha mais velha, passa pela depressão; e Sawyer (Vivien Lyre Blair), a filha mais nova, está em aceitação. Como se não bastasse esta tragédia, um homem chamado Lester Billings (David Dastmalchian) tira a sua própria vida dentro da casa desta família após revelar numa consulta psiquiátrica com Will que os seus três filhos foram assassinados por uma entidade maligna: o Boogeyman. Agora esse monstro acopla à casa dos Harpers para se alimentar da sua dor e medo, cabendo à família se juntar para acabar com esta ameaça.

The Boogeyman tem ideais e intenções boas. É inspirado em filmes excelentes como The Babadook (2014) e Halloween (2018), no sentido em que existe um protagonismo feminino e o antagonista sobrenatural é um simbolismo sobre a superação de traumas, luto ou transtornos psicológicos. Porém, nesta longa-metragem, essas questões são reduzidas a estereótipos malfeitos e relações porcamente desenvolvidas entre as personagens. O argumento faz crer que a relação entre o pai e as filhas é afectuosa e compreensiva em geral, mas começam a surgir problemas completamente deslocados do que foi estabelecido pelo desenvolvimento desta personagem, apenas para criar conflitos gratuitos e movimento na história. Um exemplo é Will não falar sobre o que ele sente em relação à morte da esposa com Sadie e Sawyer, e, ao invés disso, ele empurra as raparigas para uma psiquiatra (com métodos eticamente muito questionáveis) sendo que ele também é um profissional desta área da saúde e entende que esse tipo de dinâmica é prejudicial para elas. Se essa atitude fosse apresentada com mais cuidado e elaboração, até seria credível, mas ela é simplesmente atirada para o espectador.

Realizar uma adaptação do conto de King em torno da personagem do Dr. Will Harper é extremamente arriscado, pois é necessário que a maior parte da história seja inventada. Nas mãos de argumentistas competentes, obviamente renderia algo interessante, mas, aqui, só conseguiram descartar tudo o que tornava o original assustador e ainda descaracterizam completamente a figura do Boogeyman. Não há cuidado na apresentação da entidade, mas sim uma hiper exposição. Ele aparece demasiadas vezes; aparece em tudo o que é lugar, de tudo o que é jeito. Durante metade do filme, o espectador não sente medo, mas sim, irritação. Aliás, a concepção visual do monstro é muito fraca e genérica, sendo uma mistura de Dementor dos filmes do Harry Potter com o Demogorgon da série Stranger Things (2016-) só que com efeitos especiais muito, mas muito maus. A cena final é de arrancar gargalhadas.

Essa é a única forma de entretenimento retirada desta obra: a comédia involuntária das situações absurdas e dos erros de continuidade de cenas apresentadas pelo argumento. Numa cena, a pequena Sawyer está sozinha no corredor da casa, em completa escuridão, e o vilão se encontra atrás dela pronto para atacar… corta para outra cena e ela fala com a irmã mais velha como se nada tivesse acontecido. E não é só uma vez que algo assim acontece.

A montagem não tem sentido; não existe uma identidade visual que complementa a história; os actores que interpretam a filha mais velha e o pai possuem carisma negativo; as narrativas paralelas são forçadas e aleatórias; há um excesso irritante de jumpscares que não agregam em nada para a história e o realizador não consegue colocar identidade e força nesta obra. É uma lástima perceber que Rob Savage não consegue organizar a sua criatividade quando ele possui muitos recursos à sua disposição. Ele contornou todas as adversidades no primeiro ano da pandemia de COVID-19 com o seu interessante Host (2020), mas em seguida veio o fraco Dashcam (2021) e, agora, este filme.

The Boogeyman é um filme abaixo da média. É divertido, mas é resultado das situações esdrúxulas do argumento. Não funciona como uma obra de terror. Quer ser levada a sério, mas é tudo tão fraco e descuidado cinematograficamente que o resultado é uma produção comercial completamente esquecível e, talvez, a pior do género neste ano.

1.5/5
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