The Beatles: Get Back – Minissérie (2021)

de Pedro Ginja

O nome Beatles adquiriu um estatuto mítico por todo o mundo e é muitas vezes referida como a maior banda musical de todos os tempos. John Lennon, Paul McCartney e George Harrison juntaram-se em 1958 na cidade de Liverpool e começaram a tocar em clubes a partir 1960. Da banda inicial faziam também parte Stuart Sutcliffe e uma sucessão de bateristas integraram a banda até finalmente, em 1962, Ringo Starr ser o escolhido para ocupar o lugar. Estavam formado os Beatles e a sua ascensão, após a entrada de Ringo, foi meteórica, com o primeiro sucesso já no final de 1962, o hit Love Me Do.

Rapidamente a popularidade cresceu por terras de sua majestade e no início de 1964 começou a “invasão” nos E.U.A, e a sua primeira apresentação ao vivo no Ed Sullivan Show com 74 milhões de espectadores (metade da população do país na altura), marcando o início da “Beatlemania” e das vendas estratosféricas da banda. Em 1966, e fruto do cansaço de 3 anos na estrada, começa o período de estúdio da banda com espaço para a experimentação musical e até cinematográfica. Dele resultaram a música mais elogiada pela crítica com Sgt. Pepper´s Lonely Heart Club Band (1966), White Album (1968) e o último álbum gravado em estúdio Abbey Road (1969). Sim, não há nenhum engano. Apesar de ser o penúltimo álbum lançado pela banda foi o ultimo a ser gravado, mas as honras de ser o último lançamento dos Beatles caiem sobre Let it Be, gravado alguns meses antes de Abbey Road mas lançado apenas em 1970, juntamente com o documentário realizado por Michael Lindsay-Hogg. Isto marcou também o fim dos Beatles, o arranque de carreiras a solo e a disputa de direitos musicais entre os seus membros. 

Parecia uma história terminada até que, em 2017, Peter Jackson tem acesso a mais de 60 horas de rolos de filmagens e a 150 horas de gravação áudio. Um registo que cobre os 21 dias do processo criativo da banda na criação de 14 novas canções com o objetivo final de um concerto ao vivo dos Beatles, o primeiro em mais de dois anos. Inicialmente prevista como uma longa-metragem para cinema, a ideia foi alterada quando Jackson descobriu a riqueza perante os seus olhos. E durante cerca de 4 anos editou e restaurou as filmagens, criando uma série de três episódios totalizando quase 8 horas. Aproveitando a tecnologia usada para o seu anterior documentário sobre a Primeira Guerra Mundial, They Shall Not Grow Old (2018), consegue transportar-nos para o ano de 1969 e para a intimidade dos Beatles como se tivesse acontecido na semana passada.

Como o próprio Jackson admite, foi Michael Lindsay-Hogg o principal responsável por conseguir toda estas filmagens da forma mais natural possível. Apesar dos Beatles saberem que estão a ser filmados e gravados (o que influencia sempre como nos comportamos) ele garante, com a sua presença no meio deles, uma espécie de falsa segurança. Instala também microfones por todo o estúdio para captar os Beatles na sua intimidade e acima de tudo individualidade. Os Beatles sempre foram vistos como uma unidade e este documentário consegue mostrar o que os distingue, tornando-os humanos e por isso mais próximos de nós. Temos John a fazer playback enquanto Paul, altamente concentrado, canta Let it Be ao piano. No seguimento, George sugere acordes de baixo a John enquanto Ringo, bastante atento, olha para Paul. Por outro lado, durante o ensaio de outra música, John e Paul tão concentrados nos arranjos musicais, ordenam a George que pare de tocar, criando uma tensão que leva ao seu abandono do ensaio. As tensões surgem, lado a lado, com os momentos familiares, de relaxamento, brincadeira assim como referências aos novos projetos que, cada um, começa a abraçar a solo. Nada fica escondido e a sinceridade no seu tratamento por parte de Jackson é uma das razões para apreciar ainda mais este retrato único.

Em The Beatles: Get Back ficamos também a conhecer muitos do que trabalham com a banda. Glyn Johns, engenheiro de som, instrumental em garantir o bom funcionamento da gravação de som, apesar das péssimas condições do equipamento aquando da sua chegada. George Martin, o produtor musical, aqui em segundo plano e claramente irritado com a presença de Glyn Johns. Nomeado como o 5º Beatle pelos restantes elementos, Billy Preston, “salvou” este álbum aliviando a tensão e criando um som diferente para a banda nos teclados. Também de referir o sempre presente Mal Evans para orientar a banda e garantir a satisfação de todos os elementos. Finalmente, referência para Yoko Ono que surge como “sombra” de John Lennon sempre a poucos metros de distância, como uma extensão do mesmo. Injustamente considerada a principal responsável pela separação dos Beatles, este documentário põe “os pontos nos i’s”. Era um processo inevitável do crescimento individual e da satisfação das ambições pessoais de cada um dos elementos e nunca da vontade ou desejo maquiavélico de separar a banda por parte de um só indivíduo. São muitos os que colaboram neste processo, inclusive os próprios Beatles.

É notória a química entre os elementos da banda quando estão presentes no momento a criar música, absortos da realidade e dos conflitos internos e externos que a sua fama traz, como as conversas de bastidores de direitos musicais ou os próximos passos para a apresentação ao vivo. Quando esta surge, no final do terceiro episódio, no topo do estúdio Apple (onde gravam todo o álbum) em pleno terraço, é pouco planeada e sem grande preparação. Parece condenada ao falhanço mas acaba por ser o culminar feliz, ao vivo, daquilo que alguns membros tanto queriam. Esta é a ultima apresentação ao vivo dos Beatles e vê-la agora imortalizada, na sua totalidade, neste documentário é deveras emocional e empolgante. O final perfeito para uma gravação bem longe da perfeição, mostrando que há beleza no erro.

The Beatles: Get Back parece por vezes repetitivo e longo demais (as quase 8h sentem-se) mas ao mesmo tempo cada segundo parece essencial. A tarefa hercúlea de Peter Jackson de restauração das imagens com mais de 50 anos, supera todas as expectativas, e mostra a beleza do processo criativo dos Beatles. Com ele os deuses do panteão musical – The Beatles – descem finalmente à Terra e caminham como mortais entre nós. 

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1 comentário

António Lourenço 4 de Fevereiro, 2022 - 12:46

O segredo eterno do exito dos Beatles (para quem adora Musica Clássica, há décadas) é a MELODIA. A musica sem melodia, são sons aberrantes e sem resultados estéticos!

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