“Ser diferente é fixe” é de novo o mote da sequela de The Addams Family (2019). Estamos de volta ao universo spooky e gótico criado em 1938 por Charles Addams, eterno excêntrico com queda para o bizarro, que criou nos anos ’30 a inversão satírica da família americana ideal. Publicado primeiro como cartoon na revista The New Yorker e depois expandindo para muitos jornais nos anos seguintes, acabou por aumentar exponencialmente a sua popularidade nos anos ’60 com a série de TV da ABC e nos anos ’70 com a série de animação da NBC. O revivalismo dos anos ’90 trouxe os filmes de Hollywood com um elenco de luxo, sendo que o filme de 1991 tinha estrelas como Angelica Huston, Raul Julia, Christopher Loyd e Christina Ricci. Mesmo após a morte do seu criador, a Família Addams recusou-se a morrer e continuou a sua presença em videojogos, especiais de TV e na cultura pop. Finalmente em 2019 surgiu o filme de animação da Universal Pictures – mais um sucesso de bilheteira. Chegamos ao presente e a esta sequela. Discos pedidos? Nem por isso.
Com realização de Conrad Vernon (um dos realizadores de Shrek 2, de 2004) e Grec Tiernan (da série de animação Thomas e os seus Amigos), a premissa de The Addams Family 2 é simples: os pais, Gomez (V.O. Oscar Isaac/V.P. Renato Godinho) e Morticia (V.O. Charlize Theron/V.P. Filomena Cautela), começam a notar o afastamento dos filhos. Estão a crescer e os interesses começam a divergir. Os momentos familiares são evitados, especialmente por Wednesday (V.O. Chloë Grace Moretz/V.P. Laura Dutra), sempre a personagem principal. Numa tentativa desesperada de recuperar a harmonia familiar, Gomez tem a ideia de fazer uma roadtrip pelo interior americano, fechados numa autocaravana peculiar, o que não é a ideia mais feliz. Uma visita inesperada, antes da partida, torna esta viagem um ponto-chave no futuro da família Addams.
The Addams Family 2 começa bem, tenho de admitir. Já o filme anterior tinha iniciado com a apresentação de Morticia, numa forma de revelação da personagem. Desta vez a escolhida é Wednesday. Soa a familiar mas reconforta e é o primeiro sinal do que se aproxima: mais do mesmo. A segunda melhor parte do filme é a sequência dos créditos finais, que usa várias técnicas diferentes de animação para introduzir uma sequela da sequela que ainda ninguém pediu. Dentro de uma sequela que ninguém quis. Os níveis de inception rebentam a escala, mas o “mighty dollar still rules the world”.
Lurch e o Tio Fester (V.O. Nick Kroll), continuam a ser os scene stealers (aqueles que roubam cada cena em que entram). Lurch, para quem nunca viu o primeiro filme deste franchise, comunica por grunhos mas desta vez canta em falsete o eterno clássico “I Will Survive” para um bando de… (Deixo a surpresa para vocês). Uma cena demasiado cringe, mesmo para os meus padrões, apesar de ficar na memória ao contrário do resto do filme. Fester surpreende pela positiva, é o motor de toda a intriga desde o início e responsável pelo melhor momento da longa-metragem no seu clímax final. Ainda assim, a resolução sabe a pouco.
Para um filme que abraça a diferença, é irónico que esta sequela seja uma fotocópia do primeiro filme mas, desta vez, alargando os horizontes para o belíssimo interior americano. A viagem passa pelas icónicas Cataratas do Niágara, o mundialmente famoso Grande Canyon, o Vale da Morte (ponto mais baixo da América e local mais quente da Terra) e, pasme-se, Sausalito. É neste último local que se desenrola o confronto final do filme e, até à altura da escrita desta crítica, ainda não percebi a piada. Quem sabe, um dia.
Vejo, no entanto, a competência na sua execução. A animação das personagens, o talento no elenco de vozes (com destaque para Bette Midler no curto papel da avó Addams, na versão original) e a mensagem presente, que a diferença é uma vantagem e não um embaraço – já no filme dos anos ’90 se sentia essa mensagem, a beleza na diferença. É um trabalho de qualidade em termos técnicos mas é uma oportunidade perdida de fazer algo mais, acima de tudo de fazer algo distinto no mundo da animação. Como fã do universo da Família Addams é frustrante ver a falta de ambição e coragem em tentar algo… Diferente.
O segundo “D” do nome Addams significa isso mesmo: Diferente. Somos bombardeados com essa afirmação a cada esquina do filme. Por mais defeitos que o filme tenha, ninguém vai sair desiludido da sala de cinema. Miúdos, pai, mãe, avó, avô, primo, cão e gato, até para o periquito, há um pormenor para cada um: a música icónica da série original; o ambiente spooky de Charles Addams; o humor seco e gótico; as referências à cultura popular e ao cinema presentes. Está lá tudo, mas no fim fica pouco. Apenas uma sensação vazia de que vimos algo que rapidamente se desvanecerá na nossa memória. Pelo menos até daqui a dois anos com a prometida sequela. De preferência com o título “A Família Addams 3 – Ser diferente é fixe”. Eu ia ver esse filme. E vocês?