Tenet (2020)

de Rafael Félix
tenet

Com a sua estreia a ser adiada mais vezes que a transferência de Cavani para a zona de Lisboa, Tenet chega FINALMENTE às salas portuguesas. Desde que as primeiras imagens de Robert Pattinson e John David Washington de fatinho começaram a circular, a loucura instalou-se, o mundo parou e toda a gente marcou os calendários para 17 de Julho. E depois 31 de Julho. E depois 12 de Agosto. Mas já cá está. E o que temos? Um filme que não surpreende, pelo menos para quem conhece Christopher Nolan. Mas já lá vamos.

O nosso protagonista (John David Washington) vê se envolvido numa guerra de espionagem contra adversários sobre os quais nada sabe além de uma palavra: TENET. No centro de tudo isto há uma tecnologia de inversão de tempo que pode ser a chave para desvendar segredos que poderão pôr em causa a humanidade. 

Quando disse que Tenet não surpreende, não estava a exagerar.  Porque tem tudo o que Nolan tem de bom e de mau em 150 minutos. 

Portanto, o que se pode esperar acima de tudo de um filme do realizador de obras gigantescas como Inception ou Interstellar? Espetáculo. Muito espetáculo. As grandes peças de ação são filmadas com espaço, distância e muita muita criatividade. A tal gimmick da inversão temporal dá aso a cenas que não se podem comparar a absolutamente nada, que não seja a si mesmas, num trabalho incrível de fotografia, realização e música, em que é possível sentir cada murro, cada explosão e cada movimento anti-natural que força constantemente o nosso cérebro a pensar de uma forma que é tudo menos linear. 

Além disto uma constante nestes filmes, é a qualidade dos atores. John David Washington é a absoluta definição de cool e é o seu carisma e presença incrivelmente física que consegue carregar Tenet nos seus momentos mais frágeis, aos quais já vou chegar se não se fartarem de mim até lá. Além deste, Elizabeth Debicki é de certa forma o coração do filme e a atriz, como sempre, é uma presença imensa e enche o ecrã em cada cena, cada olhar e cada expressão. Mas sou suspeito, sou fã absoluto, lamento a falta de parcialidade. Bastante menos bem está Kenneth Branaugh, que não é, nem nunca deveria ser, a primeira escolha para ser um supervilão russo, muito menos um tão pobre como este. Já Pattinson, parece tão mal-aproveitado como um bife da vazia num festim vegan. E isto sim é trágico.

Agora vejamos. Se nos filmes de Nolan podemos esperar excelentes atuações, fotografia que faz querer lamber o ecrã como a de Hoyte Van Hoytema, e invenção visual para dar e vender, o que podemos esperar também?

Exposição. Exposição essa, que mesmo para os padrões de Nolan, em Tenet torna-se quase um drinking game sempre que aparece uma personagem do nada para vir explicar ao nosso protagonista o que está a acontecer e onde tem de ir. Antes dos 40 minutos estão em coma alcoólico. Há uma completa overdose de informação no início do filme, até misturada com alguma má montagem numa cena muito particular, mas já clássica de Michael Caine a fazer a sua cameo  de “Homem-Exposição”, em que a história parece que está a 200km/h no Ferrari do Mister JJ enquanto nós tentamos acompanhar no Seat Ibiza de 1999 do Rui Vitória. 

E sente-se que o facto de estamos constantemente a correr atrás do prejuízo, a tentar fazer sentido de todas as nuances da história que estão completamente emaranhadas num guião que parece não saber muito bem como desenvolver as suas personagens, deixam-nos um pouco apáticos quando todas aquelas grandes cenas de visuais incríveis passam na tela. Porque os nossos olhos estão lá, mas a cabeça está à procura de perceber as motivações para tudo isto estar a acontecer, e o nosso coração está desesperadamente à procura de se agarrar a qualquer emoção verdadeira proveniente do ecrã, mas apenas a espaços consegue encontrar faíscas disso em Debicki, e mesmo assim não ao ponto que se pedia para uma história desta escala. Ainda assim, lembrando-nos de algumas fragilidades que Nolan tem mostrado em escrever personagens femininas, desta vez fez um trabalho melhor que o habitual. 

Mesmo a música, que costuma ser um dos pontos mais fortes nos filmes do realizador, desta vez da responsabilidade de Ludwig Göransson, visto que Hans Zimmer preferiu ir trabalhar em Dune, embora tenha imensa criatividade e dê aquele feel de clássico de espionagem, por vezes parece demasiadamente presente, ou até mal misturada em algumas cenas ao ponto de se sobrepor às personagens, o que, pronto, não é ideal.

Nunca parece que Tenet tenha algo a dizer de particularmente novo ou interessante, porque as as ideias de destino e livre-arbítrio e tal já andam por aí presentes, e já foram batidas antes em outros filmes do realizador. A ideia que fica é que tentou-se arranjar uma história para justificar a existência do conceito, e não ao contrário, e quando assim é, arriscamo-nos a ter resultados como este. 

Parece que não gostei nada do filme. Não é o caso. Mas é um filme frustrante, de várias maneiras. Tenet tropeça na sua própria ambição e assim que ouvi as palavras “don’t try to understand it, feel it” já sabia no que ia dar. Num filme de David Lynch isto pode funcionar. Num filme de Christopher Nolan, que quer ser um filme de espionagem com um twist, torna-se apenas um espetáculo sem grande força emocional para parear com a grandeza das suas ideias, às quais, no fim, acabou por sucumbir.  

3/5
1 comentário
1

Related News

1 comentário

Oppenheimer (2023) - Fio Condutor 19 de Julho, 2023 - 17:33

[…] desde há muitos anos, a batalha constante de Nolan: o equilibro entre conceito e personagem. Se Tenet (2020) foi o exemplo mais grotesco de uma ideia boa que se esqueceu de ter personagens pelo meio, […]

Deixa Um Comentário