Teenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem (2023)

de Pedro Ginja

Há muito tempo que a animação made in USA se encontrava num período longo de estagnação criativa. Não está em questão a qualidade do cinema de animação produzida no país, do qual existem inúmeros exemplos de qualidade, principalmente dos estúdios Pixar, mas parecia estar ancorado num aperfeiçoamento técnico cada vez maior das técnicas de animação ou da continuação de sagas que já tinham dado dividendos, ao invés de um maior risco na criação artística. Existem muitos outros estúdios, como a Disney ou a Dreamworks, que continuaram a sua constante produção de êxitos comerciais, para um mercado que foi cada vez ficando mais saturado, mas isso não foi sinal de mudança de paradigma.

A revolução digital 3D computorizada, imposta pela Pixar, tinha apenas seguidores. Em vez de despoletar inovação criou ainda mais discípulos como a Sony Picture Animation, a BlueSky Studios, a llumination Entertainment e muitos outros estúdios menores, todos à procura da sua galinha dos ovos de ouro. A inovação e originalidade, para os fãs da animação, parecia estar ligada a estúdios pequenos ou fora dos EUA que continuaram sempre a produzir obras-primas circunscritas a pequenos nichos de mercado e sem apelar a uma grande audiência. Tudo mudou com Spider Man: Into the SpiderVerse (2018) que despoletou o renascimento da animação fruto do seu êxito comercial mas mais do que isso, da originalidade e do primor artístico. E quem o criou? Um dos estúdios formados após o boom da animação americana – a Sony Picture Animation. Cinco anos depois, as notícias são ainda melhores com o mercado da animação cada vez mais um mercado adulto e onde os que arriscam parecem colher mais dividendos e as produções internacionais têm mais apelo mediático em detrimento dos que jogam pelo seguro, que continuam a colecionar fracassos de crítica ou desilusões comerciais.

É neste ambiente de renovação e risco que surge Teenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem fruto do amor de fãs da saga desde a infância, Seth Rogen e Evan Goldberg ao qual se juntou Jeff Rowe, o brilhante realizador de The Mitchells vs The Machines (2021), uma gema da animação que passou despercebida no catálogo da Netflix. Esta é a história de origem das Tartarugas Ninja, desde a sua mutação, fruto do contacto com uma lama tóxica, até aos seus tempos de adolescente, em que procuram um equilíbrio entre a segurança do “ninho familiar” e a entrada no mundo adulto, hostil à sua natureza mutante. Para conseguir a aceitação, decidem salvar a cidade de Nova Iorque de um império criminal nunca antes visto, custe o que custar.

O seu principal trunfo é apostar na energia adolescente presente na animação, na conceptualização das personagens, nos caos, na irreverência e numa constante atmosfera de tentativa/erro dos nossos heróis, tão característico desta fase da evolução humana, e algo com o qual cada espectador se consegue identificar. Existe um charme ainda mais difícil de resistir quando as referências à série original (1987-1996), criada por Kevin Eastman, Peter Laird e David Wise, são em grande número e carregadas de nostalgia de tempos mais simples. Como é apanágio dos tempos actuais as referências multiplicam-se, sejam elas na escolha de músicas clássicas de hiphop dos anos 80′ e 90′ ou em alguns clássicos relativos ao fenómeno do blaxploitation, em alta na década de 70′. Aproveita ainda para se apoiar nos mestres do cinema adolescente como John Hughes, de maneira mais explícita, mas também em Cameron Crowe ou mesmo George Lucas, para reforçar ainda mais este sentimento de pertença de cada espectador.

A maior vitória é o casting de verdadeiros adolescentes para o elenco de vozes de Donatello (Micah Abbey), Michaelangelo (Shamon Brown Jr.), Leonardo (Nicolas Cantu) e Raphael (Brady Noon). Sente-se a camaradagem, a intimidade, as constantes provocações e o amor fraternal entre irmãos, dando ao espectador a sua principal âncora emocional num argumento também ele assente nas principais preocupações de qualquer adolescente – o de encontrar o seu lugar no mundo e ser aceite pelo que é. Não é um argumento frenético ou complexo no desenvolvimento de várias narrativas, o que acaba por ser a decisão mais acertada no desenvolvimento da história. Impede o filme de cair nas habituais armadilhas comuns ao cinema feito em Hollywood, de repetição de fórmulas de sucesso, e cria um espaço que poderá não ser tão rentável em termos de bilheteira mas é fiel ao que tornava este universo tão único, expandindo ainda mais as possibilidades do meio da animação.

Completa o elenco com vozes secundárias carregadas de talento como John Cena, Maya Rudolph, Paul Rudd, Rose Byrne, Giancarlo Esposito, Jackie Chan, Ice Cube e o próprio Seth Rogen, aliando-se a completas surpresas como Post Malone e mesmo Mr. Beast – sim o famoso Youtuberque surgem com vozes irreconhecíveis, ao serviço da interpretação, revelando o seu compromisso com as personagens e com a criação artística. Referência final para a transformação da personagem de April O’Neil, interpretada por Ayo Edebiri, de adulta para adolescente, mais uma das muitas decisões felizes desta produção, e que reforça ainda mais a essência do universo das TMNT.

Os traços irregulares, as cores garridas e o design caótico e irreverente deste Teenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem são impossíveis de resistir tanto para os eternos fãs das Tartarugas Ninja como para os amantes da arte da animação. Imaginação, simplicidade e o sentimento de pertença regem este argumento de Rogen, Goldberg e Rowe, e confirmam a originalidade e o risco como o caminho a seguir no cinema de animação. Isto é razão para gritar a plenos pulmões “Cowabunga!“.

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