Superintelligence (2020)

de João Iria
super-intelligence

“Saúdem o Algoritmo, pois ele sabe tudo!”. Deduzo que esta seja o discernimento dos estúdios que defrontam a evolução tecnológica como uma estratégia de marketing milionário, destituídos de compreensão nos seus próprios sucessos. As suas leituras básicas financeiras implicam na inovação de copiar e adicionar um rótulo diferente, exemplificado no sucesso do 3D após Avatar (2009), nos universos conectados e na batalha de streaming services entre a Netflix, Disney+, Apple Tv, HBO MAX, entre outros, numa novidade antiquada semelhante aos pacotes de cabo da televisão. Esta modernização aparenta progressividade, apesar de não ser.

No percurso do ano, estes serviços resgataram-nos do aborrecimento de confinamento, intensificando uma guerra que priorizou quantidade sobre a qualidade. Conforme os avanços da indústria, uma desumanização enraizou o processo de criatividade com projetos que recriam atores falecidos com CGI e o uso de Inteligência Artificial para financiar aventuras através de algoritmos que baseiam o fator de sucesso em linhas de código treinadas para identificar comportamentos e padrões online de forma a gerar uma ação correspondente. Super-Inteligência assemelha o produto final de um argumento desenvolvido por um computador com base em comédias genéricas inertes. 

Carol Peters (Melissa McCarthy) desistiu de um trabalho na Yahoo! e da sua relação com George (Bobby Cannavale) para aplicar-se ao progresso mundial. Actualmente encontra-se solteira e à procura de um novo emprego, longe do seu altruísmo, até ser escolhida por uma super-inteligência artificial (James Corden) como cobaia numa experiência para determinar o destino do planeta Terra. Devido às suas intenções de revigorar a sociedade, a conclusão natural desta narrativa é dedicar o seu tempo a recuperar o ex-namorado. 

Superintelligence foi distribuído exclusivamente no serviço streaming da HBO MAX nos Estados Unidos da América, devido à epidemia do Covid-19 (a única decisão inteligente nesta produção) uma escolha apropriada para um argumento insipido e ingenuamente prosaico, adequado como filme de fundo enquanto prosseguimos na rotina. Em Portugal, podemos assistir este prato de arroz branco sem sal nos cinemas. 

Melissa McCarthy substitui as obscenidades agressivas comuns nas suas performances pela banalidade frívola e insignificante de uma personagem enfadonha, perita em tecnologia que aspira a beneficiar a comunidade, contrariando as suas ações de perplexidade e medo perante qualquer objeto digital e a sua inutilidade para validar as suas palavras no auxilio da população. Esta incoerência permanece desde os créditos iniciais com filmagens de Seattle que podiam pertencer a qualquer rom-com aleatória, até aos agradecimentos finais. 

Uma inadvertência persiste na recente filmografia da comediante que interpreta caricaturas distanciadas das suas peripécias humorísticas. O talento da atriz esvanece lentamente nestas obras infrutuosas sem a orientação versada de um realizador que convoque eficientemente a sua energia potente. Charme é insuficiente para carregar um enredo pobre que falha na execução prática das suas poucas ideias espirituosas. 

Steve Mallory exterioriza moralidades superficiais na sua escrita ausente de introspeção e insciente do inexistente desenvolvimento emocional da sua protagonista, introduzida como ambicionada a remendar o mundo que termina num cenário bizarro que avizinha uma negociação de reféns. O engrandecimento humano sobressai como plastificado, num argumento tão reciclado que devia ter o seu próprio contentor. 

Comparações inevitáveis às criações superiores de Spike Jonze ou Edgar Wright irrompem esta longa-metragem que reforça os temas existencialistas de Her (2013) e The World’s End (2013) disperso da contemplação astuciosa ou do significado anexado nesses esplêndidos contos visuais. A exploração de concepções semelhantes em comédias despretensiosas sem o proporcional peso dramático demanda um suporte mínimo de gracejos imaginativos. 

O elenco secundário esforça-se para espremer o sumo de personalidades sem polpa, Bobby Cannavale desvia-se do typecasting rígido e diverte-se no conforto de um homem adorável, ainda que a química entre a dupla seja tão vazia quanto as palavras deste guião. James Corden acompanha McCarthy com uma criação artificial à procura de carácter e humor, a sua personagem ideal. O apresentador adiciona um desempenho sintético típico do The Late Late Show (2015). 

Ben Falcone direciona-se na sua posição ao copiar a carreira inicial de Judd Apatow e Adam McKay, isento da evolução procedente dos realizadores ou a compreensão técnica das suas respetivas filmografias. Análogo a um programa de computador que replica arte, privado da essencial perceção artística, com planos abertos para o elenco improvisar que desperdiçam locais e composição. Estas imagens semelhantes a espetáculos de Stand Up salientam uma encenação individual que no cinema requer uma construção proficiente de personagens e um enredo inteligível habilitando o improviso natural dos atores que compensam as fronteiras da tela. 

Duvido que o público compartilhe a minha crítica pois a alevidade acessível do ambiente no enredo é adequada para audiências gerais e uns instantes divertidos, principalmente nos agentes a proteger Carol, oferecem uma distração despreocupada. Acredito nas intenções positivas de Falcone e McCarthy e no genuíno investimento emocional que ambos inserem nesta produção. Associo os defeitos inventivos do casal ao conforto calculista cinemático que impede a prosperidade criativa desta equipa. 

No confronto de serviços streaming, os estúdios desistiram das audiências e procuram satisfazer algoritmos, financiando longas-metragens com intenção de preencher espaço nas categorias e aliciar nas recomendações. Rastreando preferências características para alimentar os espectadores com bolhas de filtros apartados de seleções desafiantes. Uma finalidade falível de consumo sem resistência acompanhado pela brilhante dedução que se gostas de laranjas vais gostar de cenouras. Uma história sobre a ligação desiquilibrada que surge da equivocação ambigua na Inteligência artificial para com a humanidade, relatada sem consciência da ironia que corrói este projecto inteiro, com um realizador e um método de destribuição que reproduz um paradigma similar. A mitigação do conteúdo desenrolado apazigua a audiência num conforto que encara aprimoração como uma mensagem para ouvir, repetir e esquecer imediatamente porque Super-Inteligência aparenta uma comédia, apesar de não ser.

1.5/5
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