Distância ou aproximação? Este binómio está presente desde sempre no que concerne ao debate sobre a terapia psicológica e psiquiátrica. Muitos acreditam que a aproximação do psicólogo ou do psiquiatra ao paciente irá anular o distanciamento intrínseco ao profissionalismo para que este se substancialize. Não obstante, a criação de um vínculo sem que este comprometa a deontologia dos profissionais de saúde não será primordial para que a vulnerabilidade encontre espaço entre ambos e permita a cura do paciente? O documentário Stutz é exímio em corroborar a ideia de que a criação de um elo entre o terapeuta e o utente é vital para que o tratamento psicológico seja frutífero (ou fique o mais próximo possível de o ser).
Jonah Hill, ator, produtor, argumentista e realizador americano, decidiu fazer um filme acerca do seu psiquiatra, Phil Stutz, com o intuito de mostrar ao maior número de pessoas as ideias e, especialmente, as ferramentas que criou, ou seja, exercícios psicológicos de caráter introspetivo e pragmático que podemos adotar no nosso quotidiano de modo a superar experiências desagradáveis nas nossas vidas, como, por exemplo, o método do Radical Acceptance (que visa trabalhar nesse sentido), entre muitos outros.
Phil Stutz transmite os seus conhecimentos psiquiátricos ao longo do filme com uma serenidade inegável através de uma linguagem simples e direta cujo expoente máximo [de simplicidade] é-nos relevado pelas ferramentas que são conotadoras eminentes da sua sabedoria sobre a natureza humana. Aliás, a sua praticabilidade inerente torna-as singulares, mas, paradoxalmente (pela singularidade) e subsequentemente (pela praticabilidade) familiares para nós (espectadores). O psiquiatra revela-se, assim, plácido, perspicaz e assertivo, o que é visível, a título de exemplo, nos conselhos que dá a Jonah quando ele expõe as suas inseguranças e experiências traumáticas passadas. Além disso, possui um humor peculiar (também observável no ator, mas mais forçado) que dota o filme de intimidade e acentua a ligação que existe entre os dois. Por outro lado, Jonah demonstra-se mais reticente e pouco assertivo, enquanto a sua natureza mais emocional e insegura ainda lhe tolda a fala, o que dissipa um pouco a cadência da narrativa. No entanto, isso diminui à medida que o documentário avança.
A dinâmica que existe entre ambos e a sua evolução ao longo do filme é o que nos prende ao ecrã, pois é através desta que conseguimos obter uma descrição pormenorizada dos métodos de Stutz à medida que cada um partilha os seus traumas, quer dizer, é a partilha recíproca que permite adentrar totalmente nos exercícios ‘’stutzianos’’: não seria possível aceder-lhes sem a conversa intensa e dedicada a que assistimos entre o psiquiatra e o utente ao escrutinarem e descortinarem as suas mágoas de infância, as percepções atuais que têm de si mesmos, as vivências familiares e o que estas despoletaram em cada um.
Em suma, Stutz ao deslocar o foco do filme para a relação interpessoal (invés das ferramentas, o que pode aparentar num primeiro olhar) corrobora a tese de que, no domínio da terapia, a neutralidade total do profissional leva a um desfasamento com o seu paciente, dado que ele não irá conseguir sintonizar-se com as suas partilhas de modo a ter um papel relevante na equação, isto é, ajudar efetivamente.