Stars at Noon (2022)

de Pedro Ginja

Claire Denis é uma das mais conceituadas realizadoras mundiais a trabalhar na actualidade, sendo Beau Travail (1999) considerado por muitos a sua obra-prima e um dos mais bonitos filmes dos anos ’90, chegando à 7ª posição da lista dos melhores filmes de todos os tempos, em 2022, que a revista Sight & Sound promove de dez em dez anos. Esta posição resulta de uma subida de 71 posições quando comparada com a lista de 2012, revelando a mudança de paradigma na crítica cinematográfica e a redescoberta de um cinema outrora negligenciado. 

Após um longo hiato de 4 anos (High Life – 2018), Claire Denis regressa em grande em 2022 com dois novos filmes, Avec Amour et Acharnement, vencedor do urso de prata da última edição do Festival de Berlim e este Stars at Noon, que na edição de 2022 de Cannes ganhou o Grand Prix. Um ano de consagração para a realizadora.

Em Stars at Noon, Trish (Margaret Qualley) é uma jornalista americana impedida de abandonar Nicarágua, em plena crise de instabilidade política, devido à pandemia de COVID-19. Em crescente desespero, procura arranjar soluções para deixar o país, e a sua prisão involuntária, mas a situação revela-se mais complicada do que o esperado. Conhece Daniel (Joe Alwyn), por acaso, num lobby de hotel, uma relação tórrida inicia-se e o amor desponta. Será Daniel quem realmente diz que é? Sinónimo de salvação ou perdição para Trish?

Uma profunda desilusão é o sentimento dominante quando os créditos começam a surgir. Considerando o estatuto e a obra de Claire Denis, é normal “pedir o mundo”, mas obtemos apenas vislumbres do seu génio. O contexto sócio-político é tratado de modo muito simplista, com referências um regime militar autoritário e controlador (da justiça e imprensa) e que persegue Trish, devido a histórias publicadas nos EUA, mas não toma partidos, revela motivações ou sequer identifica o local, até bem depois de o filme já ter começado. Este local limita-se a ser um mero espectador de uma outra força, da qual sabemos a proveniência, mas que permanece oculta e sem a atenção que merecia. 

Estas falhas retiram profundidade ao argumento, tornam-no repetitivo e demasiado centrado em Trish, interpretada por Margaret Qualley. Conhecida por pequenos papéis como em The Nice Guys (2016) e Once Upon a Time in Holywood (2019), evoluindo para protagonista na série da Netflix Maid (2021) – confirma aqui ser uma promessa a ter em conta num futuro próximo. Margaret Qualley dá a Trish, uma mulher em crescente desespero, uma força sem limites perante o “apertar da malha” desta ameaça invisível e mesmo quando aparenta estar em controlo da situação, os seus olhos dizem muito mais, devido ao seu talento inegável. 

Os restantes actores parecem deambular adormecidos, como Joe Alwyn, no papel de Daniel, em que demonstra pequena amplitude dramática, e Danny Ramirez como um polícia anónimo e com semblante preso num sentimento de desconfiança – verdadeiramente unidimensional. Dizer que John C. Reilly, como editor da revista de Trish, tem o melhor papel secundário, em apenas breves segundos numa chamada zoom, não é propriamente um motivo de orgulho. Ben Safdie aparece perto do final, em piloto automático, mas não disfarça o absoluto deserto interpretativo do filme, fruto também de alguns diálogos mal construídos, a roçar o embaraçoso por vezes. A música composta pelos Tindersticks foi uma boa surpresa, nos momentos mais românticos da narrativa, mas parece desadequada quando se pede o dramatismo ou o escalar da tensão.

Os referidos vislumbres do génio de Claire Denis surgem na maestria em como revela o desejo, a intimidade e o desabrochar de uma relação amorosa intensa. Tão vigorosa que parece engolir a própria história, na maneira como a câmara “desliza” pelos corpos nus e expõe a verdade dos protagonistas. Os tons quentes reforçam o romantismo e a intensidade das cenas de sexo, levando o espectador à “incandescência”, com o inteligente uso do poder de sugestão de uma edição inspirada, misturando close ups e planos de pormenor tremidos, de câmara na mão, com planos estáticos à distância num constante jogo de prazer sensual e de um teasing implacável aos nossos sentidos. Resumindo tudo numa palavra: SEXY.

Claire Denis mantém o argumento à tona de água com a sua autenticidade e a constante busca em transmitir sentimentos para além das palavras. Quando as palavras tomam o comando da narrativa, é que tudo descamba num thriller desprovido de tensão e em que as ameaças invisíveis nunca se tornam o que prometem ser. A desilusão é notória no final, mas não retira a confirmação de um grande talento em Margaret Qualley e na certeza de termos lugar marcado para ver, ainda este ano, mais um filme de Denis. E só isso pode ser considerado uma bênção.

2.5/5
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