Enquanto Joseph Kosinski faz um brilharete nas bilheteiras com Top Gun: Maverick (2022), a Netflix distribui, discretamente, outro filme seu, menos brilhante, e algo mais comedido. Spiderhead, encabeçado por Chris Hemsworth, Miles Teller e Jurnee Smollett, vai buscar inspiração a um conto de ficção distópico, escrito por George Saunders, originalmente publicado no The New Yorker, em 2010.
A fim de poder permanecer numa prisão de máximo conforto, modernidade e relativa liberdade, o recluso Jeff (Miles Teller) voluntaria-se para ser cobaia das experiências farmacêuticas de Steve Abnesti (Chris Hemsworth), cujas drogas alteram subitamente as emoções das pessoas. Quando a investigação começa a pisar os limites da ética, Jeff torna-se cada vez mais desconfiado e defensivo.
Por meio de peripécias, reviravoltas, e uma realização, na sua generalidade, altamente intencional e visionária, Spiderhead oferece dois primeiros atos cheios de tensão e mistério que prendem o espectador ao ecrã. A revelação dos segredos e das respostas às várias perguntas, que surgem desde a impactante cena de abertura, são suspensas e negadas durante uma boa porção do filme, divulgadas, engenhosamente, de forma gradual e incompleta, aumentando, assim, o suspense e a intriga de toda a narrativa.
À medida que a informação é revelada, também os visuais futuristas, e à primeira vista impecáveis e confortáveis, começam a ganhar uma camada desconcertante e fria que remete para os icónicos laboratórios de cientistas excêntricos, no género da ficção científica. Contrastando com este elemento, o romance que floresce entre Jeff e Lizzy (Jurnee Smollett) acrescenta uma camada emocional que se articula bem com a intriga e a torna mais terra-a-terra.
Apesar da narrativa se centrar mais em Jeff e na sua história, é Abnesti que rouba toda a atenção. Hemsworth foi a escolha perfeita para esta personagem, revelando uma das melhores performances da sua carreira até à data. A aparência e visual acima da média do ator, que ficou conhecido no zeitgeist por interpretar Thor nos filmes da Marvel, é o contraste perfeito com o sombrio interior desta personagem. O sorriso e a atitude amistosa de Hemsworth desarmam o espectador e criam uma falsa sensação de confiança. Não é todos os dias que o vilão se destaca como a personagem mais atraente do filme, mas Kosinski idealiza aqui um antagonista com uma obsessão latente pela perfeição, que se revela tanto na sua impecável aparência física, como na forma que aborda a sua investigação.
Com um build-up tão intenso e interessante, personagens que têm tanto de misterioso como de acessível, e com uma realização com alguma visão artística, tudo indicava que estaríamos perante um thriller psicológico de qualidade. Mas, e como é demasiado comum no cinema mainstream, Spiderhead derrapa na sua reta final.
As respostas e revelações sobre as personagens e situações acabam por não estar à altura dos atos anteriores. Durante a sua conclusão, Spiderhead transforma-se num filme de ação genérico e vazio que reduz as suas personagens a caixas cliché limitadoras, mil vezes antes vistas. As questões éticas e filosóficas levantadas no decorrer de toda a trama, ligadas à investigação científica de Abnesti, assim como à essência dos sentimentos humanos, são achatadas e demasiado simplificadas na sua resolução.
No fundo, Spiderhead é um filme desequilibrado, com imenso potencial que acaba por não se cumprir. Hemsworth brilha neste papel perverso, provando que está pronto para argumentos mais ousados, enquanto Kosinski mostra, tal como provou em Top Gun: Maverick (2022), que o seu talento em bruto beneficiará de alguma experiência e aprimoração.