Speak no Evil (2024)

de Pedro Ginja

É complicado repetir a magia de um bom filme. A maldição da sequela ser pior que o original é quase um dado adquirido e os exemplos em que a mesma é superior contam-se pelos dedos. No campo do terror poderíamos referir Dawn of the Dead (1978) ou Evil Dead II (1987) como bastante superiores aos filmes que lhe deram origem. Sequelas inferiores são bem mais fáceis de arranjar. Se entrarmos no campo dos remakes o panorama é ainda mais negro com inúmeros falhanços, fruto não apenas dos méritos artísticos de cada obra mas muito mais refém da revolta da legião de fãs que tantas vezes estas produções têm. Pensemos no mais recente remake de Oldboy (2013) que mesmo realizado pelo conceituado Spike Lee, não conseguiu replicar o que tornava a versão de Park Chan-wook tão especial. A pressão sobre esta versão seria sempre grande, considerando o estatuto que o original Speak no Evil, realizado por Christian Tafdrup em 2022, obteve, mas o tempo ainda não o permite ser conhecido para além de um restrito grupo de pessoas.

O remake de James Watkins mantém a mesma premissa e acompanha Louise (Mackenzie Davis), Ben (Scoot McNairy) e Agnes (Alix West Lefler), uma família de Londres, convidada por Paddy (James McAvoy), Ciara (Aisling Franciosi) e o filho Ant (Dan Hough) para visitarem a sua casa de campo, no interior rural britânico, após se terem conhecido numas férias em Itália. O que era suposto ser um fim-de-semana relaxado, cedo se transforma num crescendo de desconforto e tensão, enquanto o lado real de Paddy e Ciara se revela lentamente. Que segredos escondem Paddy e Ciara?

Os segredos que este Speak no Evil esconde ainda são alguns, por isso a percepção de quem nunca viu o original, sobre a qualidade desta nova versão, vai ser bastante diferente de quem já teve a sorte de o ver (apenas teve exibição em Portugal na edição de 2022 do MOTELX). É notório, logo desde o início, a intenção de criar uma aura de desconforto no espectador. Esta aura é em grande parte conseguida através dos pontos mais fortes do filme, o design de som e a banda sonora. O excelente uso de ambos permite-nos experienciar diferentes sensações sobre o que vemos, somente através da variação musical e nas distintas atmosferas que consegue criar com o uso inteligente do som para destacar pontos-chave da narrativa.

Parte integrante e fundamental destas distintas atmosferas recai também sobre os actores e aqui o destaque é inesperado, pois são os intérpretes mais jovens que nos captam mais a atenção. Tanto Alix West Lefler, no papel de Agnes, como Dan Hough, no papel de Ant, são fundamentais para intensificar o sentimento de desconforto. Dan Hough, na sua estreia em longas-metragens, é a estrela e o único que invoca o espírito do original. James McAvoy parece conjurar a fisicalidade de Split (2016) crescendo em tamanho, literalmente e emocionalmente, à medida que revela a monstruosidade oculta dentro de si. É o maestro da narrativa, conduzindo os restantes elementos segundo a sua vontade, mas já o vimos fazer mais e melhor. O estranho caso das restantes personagens é o de serem instáveis e desafiarem muitas vezes a razão. Não está em causa a competência ou qualidade das suas interpretações, mas sim a construção das suas interacções e reacções que pecam, por mais estranho que pareça, pela sua multidimensionalidade. Ajuda, e muito, na imprevisibilidade da narrativa, mas torna-as distantes do espectador e impossível de nos identificar com as mesmas. Este facto acaba por sentenciar o seu maior problema quando o filme se desvia da aparente cópia integral, preguiçoso mas uma opção viável, e escolhe abandonar a lógica criada para as suas personagens, dando-lhes um destino desprovido de qualquer sentido. Fá-lo de um modo competente em termos técnicos, é um facto, mas o sentimento de desilusão é difícil de conter para o espectador.

James Watkins escolhe a via da reverência com o uso de inúmeras referências visuais similares e na estrutura do argumento, que mantém a mesma progressão narrativa. A sensação de dejá-vu é inevitável mas, felizmente, Watkins ainda tem uma carta na manga que salva o filme de ser apenas uma cópia integral bem perto do final. Em vez do caminho frio, calculista, desconfortável e onde o comentário social de Tafdrup é claro na versão original, obtemos, na versão de Watkins, uma explosão de violência gratuita e um jogo do gato e do rato entre predadores e presas, onde a lógica é sacrificada em favor da intensidade e do espectáculo. Tal é o exagero que acaba inadvertidamente por se tornar cómico a espaços, um pecado capital quando o argumento procura a tensão e o desconforto constantemente.

Provavelmente se nunca tivesse visto a versão original, acrescentaria uma estrela à sua classificação.

2/5
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