Speak no Evil (2022)

de Pedro Ginja

Politicamente correcto é um termo cada vez mais em voga no mundo actual, avistado nas tremendas pressões sobre cada indivíduo relativamente à sua posição sobre qualquer assunto. Tudo é escrutinado ao pormenor, nomeadamente online, onde é rápido o julgamento e, ainda mais, a atribuição de culpas. Por essa razão é melhor não “levantar ondas” para ter mais um segundo de paz nesta vida que são 3 dias. Isto é ainda mais relevante em Portugal, país de brandos costumes, com uma história recente de submissão a um homem, Oliveira Salazar, e ao seu poder absoluto que ainda hoje se faz sentir nas novas gerações, educadas pelas anteriores para se conformarem com a sua sorte. Engane-se, no entanto, quem pense que este é um filme político; um de terror com o intuito de mostrar a crueldade da natureza humana ou uma sátira cómica dos limites do politicamente correcto, pois este filme encaixa todas estas ideias e mais algumas. Os subtextos são imensos e caberá a cada espectador encontrar os seus.

Esta é a história de um casal, Bjørn (Morten Burian) e Louise (Sidsel Siem Koch), e da sua filha, Agnes (Liva Forsberg); uma família em plenas férias de verão na Toscânia. Nas paisagens idílicas do sul de Itália, rapidamente se aproximam de Patrick (Fedja Van Huêt) e Karin (Karina Smulders), também eles em férias com o seu filho, Abel (Marius Damslev). A intimidade e amizade surgem naturalmente e após as férias recebem um convite de Patrick para uma visita à Holanda, na sua casa de campo. Apesar de apenas se conhecerem há pouco tempo decidem aceitar, mas o que aparentava ser um fim-de-semana de paz transforma-se num contínuo testar de limites e de descoberta de quem Patrick e Karin realmente são. Até quando conseguirão Bjørn e Louise aguentar e manter a compostura?

Desde o primeiro frame que tudo está meticulosamente planeado e estruturado para nos levar nesta viagem desconfortável. Após uma perfeita viagem de férias há uma transição brusca para uma existência, do dia-a-dia, aborrecida em que Bjørn anseia por mudança. Acaba por ser ele que convence a mulher a partir nessa viagem em direção à Holanda e “aos braços” de Patrick e Karin. Com tanta preparação e intenção, o argumento transparece logo um ambiente frio, onde algo rumina, e onde mesmo nos sorrisos e nas palavras certas durante os momentos certos existe uma atmosfera pesada. Tanto Bjørn como o espectador sentem que ir nesta viagem é uma má ideia, no entanto, quantas vezes decidimos fazer coisas com as quais não estávamos totalmente confortáveis para agradar a alguém ou “ir na onda”? Ser aceite e fazer parte do grupo é algo que está connosco desde a infância, e dizer o que realmente sentimos não é uma opção se queremos ser aceites.

O filme usa, inteligentemente, essa conformação para deixar a audiência na posição de Bjørn e Louise, constantemente bombardeados com momentos dos quais discordam mas aceitam. Mais do que os momentos de choque e violência (pontual mas muito cruel) é essa conclusão de que, possivelmente, todos nós estamos sujeitos a estas situações no dia-a-dia e partilhamos a mesma reação de aguentar, e continuar a aguentar até nada restar de nós próprios apenas para manter um trabalho, uma relação, a felicidade dos filhos, uma amizade ou, pior, apenas a tradição ou os bons costumes.

A tensão cresce “em lume brando” e é no olhar de Morten Burian que ela melhor se espelha, com a passagem do deslumbramento ao desconfortável, da irritação à raiva e depois ao medo. Mesmo nas emoções nada é constante, tudo se transforma de um momento para o outro e quando parece haver paz ou um momento tranquilo tudo parece escalar ainda com maior intensidade. E é nessa personificação do desconhecido e do diferente como “maligno” que entram Patrick e Karin, interpretados por Fedja van Huêt e Karina Smulders; o actor com um misto de raiva contida e charme e a actriz com um olhar glacial capaz de gelar o sangue. Sidsel Siem Koch, no papel de Louise, parece feliz no seu dia-a-dia mas acaba arrastada e dominada pela vontade dos outros, anulando as suas próprias crenças e ignorando os sinais do mal que vê, em beneficio dos breves momentos de paz, servindo como alegoria de uma sociedade virada para dentro e receosa de confrontar o “status quo” em prol do politicamente correcto.

Com um argumento frio e calculista dos irmãos Tafdrup e a realização plena e confiante de Christian Tafdrup, este poderá ser o “feel bad movie” do ano, relativamente ao desconforto que proporciona ao espectador, e servir de alerta para o que pode significar fechar os olhos ao mal no mundo em que vivemos.

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