Sleepwalk (2018)

de Rafael Félix

Filipe Melo compõe. Filipe Melo escreve. Filipe Melo toca. Filipe Melo realiza. E tenho a certeza de que Filipe Melo também deve fazer umas torradas do camandro, porque já foi laureado em tantas frentes que só falta mesmo os seus talentos na arte culinária virem ao de cima.

Premiado com o Prémio Sophia para Melhor Curta-Metragem, Sleepwalk baseia-se na Novela Gráfica do mesmo nome e autor do filme, levando-nos numa viagem através do Texas na companhia de Lloyd (Greg Lucey) que procura incessantemente uma fatia de tarte muito, muito específica.

Sleepwalk tem um ar tão Irmãos Coen na sua cor e nos seus cenários que a partir do primeiro frame é impossível não ficar envolvido no feitiço. Somamos a isto aquelas cordas que nos levam ao western, também compostas por Melo (mal seria se assim não fosse), e estamos com Lloyd naquele deserto de poeira e asfalto. Bastam dois minutos dos quinze que compõem a curta para se estabelecer a solidez e atenção ao detalhe atrás da câmara, e quando tanto de um filme depende da sua abertura, Sleepwalk não desperdiça um frame.

Aquilo que Melo precisa de contar, fá-lo com imagens, com semblantes e com sensações. O olhar resignado de Lloyd para a câmara num momento de Proust, um momento em que o paladar e o olfato se tornam tão visíveis como o banco do dinner onde o homem se senta, contam mais sobre injustiça, dor e nostalgia do que quaisquer palavras podiam sonhar em fazer. Melo transpõem os 5 sentidos para uma cena com uma tal simplicidade que todo o mundo que rodeia Lloyd passa a ser o nosso sem que sequer pestanejemos.

É um argumento que não se encontra minimamente preocupado em explicar o que quer que seja, apenas mostra o que tem de mostrar no seu próprio timing, confiante e audaz. Tudo flui sem grandes preocupações ou dramatismos, o que acaba por dar uma narrativa imprevisível, sentida e subtil o suficiente para nos deixar algo para levar para casa depois de sairmos daquele ambiente para onde fomos transportados nos 15 minutos em que percorremos o Sul dos Estados Unidos.

Filipe Melo tem vindo a provar ao longo dos anos que é um dos maiores talentos que o nosso país produziu nos últimos anos e é em Sleepwalk que encontramos muito daquilo que compõe a voz brilhante de um artista completo: direção de atores, atenção ao detalhe, subtileza, pertinência e, a ter de arriscar, um coração no sítio certo. Sleepwalk tem tudo isto, e tanto mais.

4.5/5
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