Sightseers (2012)

de João Iria

A rotina é a principal suspeita quando a flamejante paixão entra em estado comatoso, todavia existem indivíduos numa vida estática que procuram na sua cara-metade uma jornada com transporte incluído, encontrando uma satisfação repousada na sua própria imobilidade. Uma relação à beira da morte, restringida por inércia; uma ligação marcada pelo interesse próprio. A solução é simples. Matar um desconhecido ligeiramente inoportuno. Permitam-me continuar nesta introdução bizarra, caro tribunal, asseguro que existe um propósito nestas palavras. Assumo que na perspetiva de um serial killer, a libertação sensorial que ocorre num assassinato proporciona uma euforia única, similar ao acto de apaixonar. A confusão do júri confirmam um lugar reservado na prisão para a minha pessoa.

Influenciados pelas condições emocionais e físicas do momento ou mesmo por uma posição na sociedade, como o seu estatuto, a humanidade é movida pelo desejo de satisfação, precipitadamente equivocada como amor. Perante essa natureza instável, como compreender a verdadeira origem destas emoções? É paixão ou necessidade? Uma mulher, Tina (Alice Lowe), que vive com a sua mãe emocionalmente abusiva e distante, cujo apego dirige-se principalmente ao seu animal de estimação ignorando maioritariamente a sua filha, naturalmente aproxima-se de um individuo que responde com uma atenção inexistente na sua vida. Para Chris (Steve Oram), um homem pseudo intelectual, incapaz de atravessar as suas ambições ou paixões artísticas, cativo das suas inseguranças disfarçadas de ego presunçoso, pousado no mesmo espaço permanentemente sem avançar ou recuar, encontrar alguém que parece admirar e respeitar essa impulsão inevitavelmente cria uma estranha necessidade na sua presença. O desejo pelo que não temos nas nossas vidas, podemos intitular esse de amor?

Nada disso importa para as personagens de Sightseers, que simplesmente pretendem viajar com a sua caravana numa odisseia erótica pelo “mundo” de Chris: atrações que incluem um parque de caravanas, o museu do lápis, um de carris, entre outros lugares manchados por ocasionais assassinatos, cometidos por Chris, de sujeitos moderadamente irritantes. “He’s not a person. He’s a Daily Mail reader!”. Sangue que desperta um lado obscuro de Tina, entusiasmada por libertar-se das suas frustrações em desconhecidos. As típicas férias pelo panorama britânico, psicologicamente e metaforicamente falando, como a dupla de protagonistas – também argumentistas – descrevem esta história. É uma espécie de loucura britânica, que ambos referem, na aceitação de uma vida aborrecida que surge à nascença e na preocupação concentrada apenas no seu conforto/ego que evoca um profundo desinteresse pela saúde alheia, refletida nas suas personagens capazes de atropelar um ser humano com a justificação deste atirar lixo para o chão.

Este argumento, acompanhado pela realização de Ben Wheatley que desenvolve um ambiente perversamente macabro e low-res, contribuindo para uma aura de realismo absurdo, destaca Sightseers como uma comédia negra divertidamente medonha repleta de gargalhadas pútridas. As estranhas sensibilidades do cineasta combinam naturalmente com o gallows humor de Alice Lowe e Steve Oram, proporcionando uma grandiosidade peculiar a uma narrativa pequena. Existe um equilíbrio essencial entre a comédia espirituosa e o terror sinistro que culmina numa conclusão absolutamente hilariante e chocante, cuja imagem final eleva completamente este filme para território genial, compensando os seus elementos medianos. Como as escolhas de canções para a banda sonora que sobressaem como divertidas mas demasiado óbvias, incluídas apenas para atribuir energia irónica à história. Ainda assim, a música dos créditos é digna de aplausos.

A química tocante e cómica entre os protagonistas impede o desprezo e desdém por estas personagens de dominar a audiência. Personagens que encaram relações como uma oportunidade para receber o que querem ou precisam, seja um orgasmo, um animal de estimação, atenção ou uma pequena matança. Um serial killer não consegue funcionar sem uma vítima, senhor Juiz. Um aspeto natural do seu argumento surpreendentemente complexo. Chris e Tina são turistas nas suas próprias vidas, observando o decorrer destas, e os seus ocasionais flashes de beleza exterior, todavia incapazes de causar impacto, de tomar decisões importantes, de avançar para o futuro que desejam. Turistas nas suas vidas, nas suas relações e literalmente. A única forma de sucesso que estes protagonistas experienciam está nos seus assassinatos aleatórios que criam uma impulsão de carga erótica na sua ligação amorosa. Compreensível que dois indivíduos estáticos na sua existência rendam-se ao seu egoísmo e ao prazer sádico de tomar posse das suas vidas ao retirar as de desconhecidos.

Inevitavelmente, o seu mundo abnormal previne estabilidade – que sociedade é esta onde nem dois serial killers conseguem manter uma relação estável? – sucessivamente os seus métodos opostos, os motivos individualistas e emocionalmente desequilibrados contrariam-se e revelam um destino trágico, isento de controlo ou o poder que anseiam dominar. Questões irrompem por Sightseers: Será que ambos desejam matar? Ou um sente-se influenciado para agradar o outro? Mesmo encontrando um par perfeito, similar, é possível sobreviver às pequenas diferenças drásticas? Como um casal que segue o próximo passo para uma habitação em conjunto, enfrentando um percalço nos discordantes métodos de rotina, seja uma desorganização, horários divergentes, pequenos detalhes que impactam intensamente. Amor? Necessidade? Como compreender? Como sobreviver?

Existem soluções nas reflexões introspetivas. Ao desvendar um ser que nos transforma; que causa uma evolução natural, sem esforço, que desperte uma sensação positiva na própria existência, no sossego, na companhia silenciosa; quando a presença dessa pessoa suscita uma felicidade pacífica. Repentinamente, a rotina pertence à arte do conforto e o carinho brilha nos olhos desta pessoa que, deitada ao nosso lado, nos compreende verdadeiramente. Assim a paixão vive eternamente. Paramos de ser turistas e passamos a ser a paisagem.

Ou então podem, como casal, matar aquela pessoa chata que não gostam. Simplesmente atirem-se em conjunto.

4/5
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