A jovem Signe imagina, regularmente, a sua pessoa em situações de grandeza. Entrevistas para noticiários; ofertas milionárias de agências de moda; propostas para escrever livros sobre a sua vida. Em qualquer evento há sempre uma oportunidade para brilhar e mostrar o seu verdadeiro potencial. Só que existe um grande problema nestas fantasias: a própria Signe. A protagonista de Sick of Myself, do realizador norueguês Kristoffer Borgli, é um exemplo perfeito de uma pessoa horrível. Mitómana, narcisista, comportamento autodestrutivo e falta de sensibilidade social são alguns dos seus traços de personalidade. Ela não mede esforços para ser o centro das atenções, seja mentindo ao dizer que possui uma alergia mortal durante um jantar importante para o seu namorado até o ápice de ingerir drogas ilegais russas para provocar, propositadamente, uma doença grave e rara em si mesma, apenas para que todos à sua volta sintam pena dela.
Acompanhar a história de uma personagem tão detestável poderia ser um desafio para o espectador, porém, Borgli transforma essa jornada numa comédia irreverente e deliciosa. O argumento apresenta situações tão constrangedoras, criadas por Signe, que são capazes de nos fazer desviar o olhar do ecrã e, ao mesmo tempo, rir nervosamente. O humor cringe é semelhante à série The Office (2005-2013), excepto que com um Michael Scott e um Dwight Schrute amplificados, sem qualquer limite. E não existem pausas no ritmo do filme, apenas uma espiral de autodestruição e divertimento que vai se agravando cada vez mais e só encontra um suspiro de alívio quando os créditos finais aparecem.
Além do humor absurdista, existe algo extremamente profundo e sensível neste filme. Por mais que o comportamento errático de Signe seja o principal objeto de observação desta obra, nunca fica explícito os motivos dela ser assim e agir desta forma. O filme não apresenta um histórico de patologias diagnosticadas, embora se perceba traços de narcisismo agudo e até de sociopatia. Algumas passagens informam que ela possui um grande sentimento de rejeição, o que pode explicar um pouco o seu desejo insaciável de ser notada pelas pessoas. Tudo pode ajudar a compreender esta personagem sem uma explicação completa. A excelente interpretação de Kristine Kujath Thorp é a cereja do bolo da história, pois ela traz uma naturalidade única para uma personagem muito fácil de cair em estereótipos e até entrega momentos de empatia para com uma mulher tão inescrupulosa.
A produtora responsável por Sick of Myself é a mesma do majestosamente sensível The Worst Person in the World (2021), e há muitas semelhanças entre os dois filmes (fora o facto de serem obras norueguesas e a participação do actor Anders Danielsen Lie). Ambos os filmes são observações muito íntimas e diferentes sobre a juventude na era das redes sociais e da modernidade líquida, e tanto o seu argumento como a sua cinematografia demonstram estes temas. A câmera exibe um tipo de movimento rápido quando segue as suas personagens durante as suas interações sociais (de uma forma quase documental), e permanece estática nos momentos de solidão e emoções espontâneas. Os realizadores de ambos os filmes possuem grande preocupação em mostrar a superfície e as profundezas das protagonistas. O Id, o Ego e o Superego. O sol, a lua e o ascendente.
Não existem momentos aborrecidos em Sick of Myself. É diversão e constrangimento do inicio ao fim, aumentando gradativamente durante a história.
1 comentário
[…] apreciador das ideias de ambos e reveste os seus filmes de inúmeras referências de psicologia. Sick of Myself (2022) explorou a necessidade de atenção de uma rapariga de Oslo, mesmo pondo em risco a sua saúde […]