A ideia de que o consumo desenfreado do ser humano irá resultar num desequilíbrio climático não só é real como está cada vez mais perceptível no nosso quotidiano. Antigamente, o cenário desse problema agravado era representado em produções audiovisuais dentro do género pós-apocalíptico como no franchise de Mad Max (1979-1985), mas, agora, pode ser ambientado para um ou dois anos à nossa frente sem perder nada do factor de verossimilhança. E é essa a questão que o realizador italiano Paolo Virzì aborda no seu novo filme: Siccità. A longa-metragem teve uma estreia prestigiada no Festival de Veneza em 2022, sendo condecorado com os prémios Francesco Pasinetti, atribuído pelos Jornalistas Cinematográficos Italianos, e a Soundtrack Stars Award de Melhor Banda Sonora.
A história é situada num futuro não muito distante, em Roma, que está a sofrer uma seca grave devido à falta de chuva em Itália que decorre há mais de 3 anos. A água encontra-se escassa e o seu consumo controlado pelo governo, que falha ao ser rigoroso apenas nos setores mais desfavorecidos da cidade. Além disso, a crise no saneamento básico resulta numa nova epidemia, uma doença transmitida por um tipo específico de mosquito. Esse contexto serve como pano de fundo para que o público seja apresentado a várias personagens de diferentes classes sociais e situações familiares, que mostram como os cidadãos lidam com esta tragédia de formas diferentes. O elenco conta com nomes de peso no cinema italiano, como Monica Bellucci, Silvio Orlando e Valerio Mastandrea.
O objetivo de Paolo Virzì é mostrar as diferentes faces do ser humano dentro de uma situação tão crítica quanto a apresentada no filme. Existem personagens narcisistas e elitistas, que se preocupam apenas com status e popularidade que, em conjunto, trazem reflexões sobre sermos o verdadeiro motivo destas tragédias acontecerem. E ainda pior: mesmo em tempos críticos, continuamos com as mesmas atitudes que destroem o planeta. Outros subenredos colocam o foco em dramas familiares e os encontros e desencontros que acontecem no meio da seca e da pandemia nesta Roma fictícia. As atuações são competentes, mas o elenco é muito grande, dificultando o destaque para determinado ator ou atriz.
O que mais atrai a atenção é a fotografia de Siccità, que usa um filtro amarelado para mostrar a situação de Roma durante a seca. Tal efeito sempre foi usado preconceituosamente em muitas produções para representar regiões consideradas “subdesenvolvidas”, como a América Latina e o continente Africano. É reconfortante ver o mesmo artifício ser usado para mostrar uma famosa cidade europeia. Os movimentos rápidos de câmara são bem executados e deixam o ritmo da história mais dinâmico, mostrando o desespero e loucura das pessoas que sofrem com a seca.
Não será o melhor filme de Virzì, já que o mesmo tem produções muito mais interessantes no seu currículo. Embora se defina como uma comédia, não existem momentos divertidos na história. São histórias trágicas e situações que nos emocionam. É comum transformar eventos tão devastadores em algo engraçado por causa das reações absurdas que o ser humano pode ter perante a adversidade, mas aqui, esse aspecto não está suficientemente bem desenvolvido. Com grandes doses de crítica social, apresenta-se como um drama bom, muito bom… mas não uma comédia.
O resultado final é positivo. Siccità é um interessante exercício de observação e imaginação sobre o comportamento do ser humano. Como em muitos filmes, onde existem múltiplos enredos e personagens centrais, é difícil todas as histórias serem boas e dignas de atenção, mas a longa-metragem consegue manter um bom equilíbrio entre o absurdismo e a realidade assustadora que poderemos viver num futuro muito próximo.