Sharper (2023)

de Antony Sousa

Quatro pessoas, quatro vidas que se entrelaçam e se estrangulam entre mentiras e ambição. Tom (Justice Smith) e Sandra (Briana Middleton) conhecem-se numa livraria e desenvolvem um romance saudável à primeira vista, até que as histórias mal contadas nesta relação nos introduzem às personagens de Max (Sebastian Stan) e Madeline (Julianne Moore), e embarcamos, assim, numa montanha-russa de ganância pura.

Nada do que parece é, nada do que é parece, e as voltas que o argumento de Brian Gatewood e Alessandro Tanaka nos tenta dar são tantas que se perde o efeito tontura; o efeito de dúvida, e o efeito surpresa no fundo. Benjamin Caron é quem realiza Sharper, e seis anos depois de ter realizado o último episódio da série Sherlock (2010-2017), procura, novamente, conduzir a audiência para um final inesperado, dividindo a trama em capítulos, oferecendo a cada um dos protagonistas o capítulo respectivo, e alimentando a tensão. No entanto, nunca precisamos de encarnar o génio da dedução de Baker Street para adivinharmos cada twist bem antes da sua revelação.

No capítulo de Tom criamos uma certa empatia por si e por Sandra, mas rapidamente o tom do filme muda, e não voltamos a sair da onda mais cínica que toma o enredo de assalto. Os restantes capítulos destacam personagens diferentes, mas basicamente enquadram-se todos na mesma ideia: não se pode confiar nas pessoas. Sebastian Stan e Julianne Moore interpretam os exemplos mais evidentes dessa ideia, e fazem-no na intensidade certa, com uma malícia controlada que nos faz rezar para que nunca nos cruzemos com pessoas assim. Ao mesmo tempo os atores mantêm um mistério em relação à origem destes comportamentos, que preserva as personagens como interessantes para a audiência. A ausência de resolução desse mistério paralelo é que porventura retira força aos acontecimentos. Acabamos por não ter contacto suficiente com Tom, nem Tom e Sandra como casal, para sofrermos as dores do jovem interpretado por Justice Smith. Sandra, eventualmente, é a esperança nesse sentido, sendo a personagem com uma maior transformação, mas é escasso para criar uma identificação entre a audiência com estes protagonistas.

As interpretações são seguras, sem cenas que tatuem as suas imagens na nossa memória; ainda assim sólidas. O ritmo é bastante coerente, não se sentindo peso nas quase duas horas de filme, mérito da edição e música, que acrescenta à história e não existe só como som de fundo. É perceptível a intenção de Sharper de provocar em nós a recreação do emoji de boca aberta de espanto de forma repetida, o que não é alcançado, porém também se sente a vontade de oferecer entretenimento e serpentear nas emoções, e isso creio ser conseguido.

Podemos caracterizar Sharper como um A Simple Favor (2018) com menos sentido de humor, o mesmo número de twists, menos impacto nesses momentos, e um elenco igualmente eficaz. Portanto não sobressai dentro do género, não servirá de referência, nem estará provavelmente nos top 10 do ano de quem assistir a mais de 22 ou 26 filmes, mas é coerente, não aborrece, e está disponível na Apple TV+.

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