———– Esta crítica contém spoilers da 1ª Temporada ————
“The work is mysterious and important.”
Severance (2022 – ), série criada por Dan Erickson e protagonizada Adam Scott (Mark Scout), Britt Lower (Helena Eagen/Helly R.), Zach Cherry (Dylan George) e John Turturro (Irving Baliff), captou a atenção dos espectadores no seu lançamento ao demonstrar uma realidade distópica na qual as pessoas têm a possibilidade de “dividir” o seu cérebro em duas metades: a da vida profissional (innies) e a da vida pessoal (outies).
O final da 1ª temporada revelou-nos várias coisas que são fios condutores importantes para esta temporada seguinte: a mulher de Mark Scout, Gemma (Dichen Lachman) afinal está viva e Mark apercebe-se que Mrs. Cobel/Mrs. Selvig (Patricia Arquette), a sua chefe na empresa Lumon, está bastante envolvida na vida do seu outie; Helly R. é na realidade Helena Eagen, um membro importante da família que fundou a empresa e que se submeteu à experiência de ser severed com o objetivo de mostrar o bom serviço que a empresa presta aos seus empregadores; Irving descobre que o seu outie anda a pintar o mesmo cenário vezes sem conta – um corredor escuro com um elevador que tem uma seta vermelha a apontar para baixo.
Assim temos as primeiras premissas para esta segunda temporada: se a Gemma está viva, então porque é que Lumon a está a esconder nas suas instalações? O que é que vai mudar agora que Helly R. sabe a verdade acerca da sua outie? Será que estas quatro personagens vão ser despedidas agora que descobriram alguns dos “segredos” da instituição para a qual trabalham? O que mais é que a Lumon está a ocultar? Qual é realmente o objetivo da empresa? As respostas vão sendo dadas ao longo dos 10 episódios, com a fotografia e direção de arte que caracteriza a série, sempre impecável, e a montagem que se torna ainda mais ambiciosa e permite-nos entrar verdadeiramente no espírito de cada episódio.
Mark Scout começa a tomar rédea da sua vida quando se apercebe que a sua mulher pode estar viva, mas enquanto isso acontece, Mark S. está completamente envolvido nas suas amizades dentro de Lumon e da sua equipa, incluindo no romance que vai florescendo com Helly R.. Assim, surge um dos vários dilemas da temporada: se salvar a Gemma é sinónimo de apagar a existência dos innies, incluíndo Mark S., será uma escolha justa ou simplesmente egoísta?
Quando as séries decidem continuar o rumo e seguir por mais temporadas, há sempre o risco das temporadas seguintes não serem tão boas como a primeira, que retém esse cheiro a livro novo, essa sensação de novidade. Aquilo que destaca Severance, no entanto, é que consegue manter e aumentar essa sensação de novidade. Nesta temporada explora-se muito a dualidade e moralidade de existirem duas realidades ou duas pessoas dentro da mesma pessoa. Partilham o mesmo corpo, sim, mas têm experiências, backgrounds e escolhas diferentes.
O rumo que a série tomou nesta segunda temporada fez-me ganhar uma apreciação ainda maior pelo trabalho que têm feito. O final dá-nos uma espécie de chapada de luva branca ao fazer-nos questionar se realmente estamos a torcer pela personagem certa? Será que a vida do outie é mais valiosa que a do innie, já que foi o outie que tomou a decisão de se tornar severed? Lembrou-me da perceção que se tinha dos replicantes no filme Blade Runner (1982) de Ridley Scott, do facto de serem só réplicas humanóides, mas revelarem-se com tanta ou mais alma e emoções que os humanos. Os innies dão-nos a ideia de poderem ser facilmente descartados, como um meio para um fim, para desvendar os mistérios que Lumon tem na manga. Mas quando começam a ganhar outra perspetiva da vida e a tomar decisões próprias e emotivas, apercebemo-nos que se calhar não é justo tratá-los só como um meio para atingir o fim. Chegamos a um ponto de não retorno e damos por nós a não saber quem apoiar e a sentirmo-nos mal por querermos que o outie de Mark tenha o seu final feliz.
Adam Scott, ao comentar sobre a evolução das personagens nesta temporada, mencionou que enquanto na primeira temporada estes innies eram uma espécie de crianças: a viver o dia a dia com um olhar mais inocente, sem questionar o que se passava e a simplesmente aceitar o que os responsáveis lhes diziam; nesta segunda temporada, já agem mais como adolescentes. Arriscam e exigem respostas para as coisas misteriosas que insistem em acontecer, envolvem-se em brigas e têm paixonetas, querem mais da vida do que estar sentados em computadores a refinar números.
Não posso deixar de mencionar as prestações incríveis de Patricia Arquette (Harmony Cobel) que nesta temporada tem um episódio todo à volta da sua personagem, no qual conseguimos compreender melhor as origens da Lumon, como é que iniciou o seu percurso na empresa e qual o seu verdadeiro papel no meio da narrativa. Tramell Tillman, que interpreta Seth Milchick, rouba o holofote em vários momentos da temporada pois tem a capacidade insana de ser extremamente cómico ao mesmo tempo que é intimidante.
A próxima temporada já foi anunciada e Ben Stiller (um dos argumentistas e produtores da série) promete que não vai demorar outros 3 anos a sair, mas se for preciso esse tempo para chegar ao nível fenomenal a que esta 2ª temporada chegou, venham eles!