September 5 (2024)

de Matilde Garrido

A 5 de setembro de 1972, a história da televisão e do terrorismo cruzaram-se irreversivelmente. A ABC, pioneira na grande transmissão global dos Jogos Olímpicos, viu a sua missão transformar-se diante dos seus olhos: o que numa primeira instância era uma celebração do desporto rapidamente se transformou num espetáculo de horror, acompanhado, em tempo real, por centenas de milhões de espectadores. Pela primeira vez, a violência não era apenas noticiada – era acompanhada e absorvida ao vivo, sem quaisquer filtros, inaugurando uma nova era na forma como os media molda e amplifica a perceção do terror e, consequentemente, mudando a forma como consumimos estas narrativas até aos dias de hoje.

Para a Alemanha, os Jogos Olímpicos, desta vez acolhidos em Munique, eram mais do que um evento desportivo: era a sua primeira vez como país acolhedor desde a infame edição de 1936 em Berlim, mobilizada para fins propagandísticos. Agora, a República Federal Alemã queria patentear-se enquanto uma nação democrática, moderna e reconciliada. Mas essa necessidade de redenção trouxe consigo um dilema fatal: em nome de um ambiente acolhedor e que se afastasse do seu passado autoritário, foi adotada uma segurança discreta e sem a presença ostensiva de forças militares. O que era uma medida carregada de boas intenções (ainda que bastante cosmética), foi vista como uma vulnerabilidade pelo grupo terrorista Black September, uma organização radical palestiniana que invadiu a Vila Olímpica e fez reféns 11 atletas israelitas, exigindo a libertação de prisioneiros palestinianos, detidos em Israel e na Alemanha.

O cineasta Tim Fehlbaum escolhe um prisma interessante para relatar os acontecimentos de Munique: em vez de seguir os reféns, os terroristas ou as forças de segurança alemãs, foca-se nos responsáveis pela sua transmissão televisiva – os jornalistas. A narrativa desenrola-se maioritariamente dentro da sala de produção da ABC, um espaço claustrofóbico, onde o realizador orquestra a tensão, explorando a dualidade entre o dever profissional de informar e o peso moral de transformar a tragédia num espetáculo televisivo. As personagens de September 5 (O Atentado de 5 de Setembro) são maioritariamente baseadas em figuras reais, como o jovem produtor Geoffrey Mason (John Magaro), o presidente da ABC Sports, Roone Arledge (Peter Sarsgaard) e o respetivo chefe de operações, Marvin Bader (Ben Chaplin). Já Marianne (Leonie Benesch), a única mulher da equipa, é uma personagem fictícia, mas que se revela crucial para a dinâmica da história.

As atuações no conjunto são bem construídas, com Magaro a personificar de forma convincente o dilema de um jovem que se vê envolvido numa situação à escala global, e Sarsgaard e Chaplin a capturarem a pressão pragmática e moral que enfrentam, alicerçada aos seus altos cargos na ABC. Contudo, é Benesch que verdadeiramente marca presença. A sua atuação é subtil, mas poderosa, revelando uma mulher que, embora marginalizada num ambiente masculino, não cede à pressão, mantendo uma postura forte e integrando-se de forma profunda na narrativa. Benesch, que já havia chamado à atenção em Das Lehrerzimmer (The Teachers’ Lounge/A Sala de Professores, 2023), de İlker Çatak, entrega uma interpretação capaz de atribuir novas nuances a este cenário, enquanto mulher e alemã.

Ao partir deste exemplo prático, September 5 sublinha como as notícias em direto podem ser uma espada de dois gumes, questionando se, ao transmitir o terror e o sofrimento, os órgãos de comunicação social não estariam, de alguma forma, a alimentar o próprio evento, em nome do seu dever profissional. Trata-se de uma reflexão ética subtil, mas que atinge de forma direta, sem apelos excessivos ou conclusões fáceis. Ainda que o filme não mergulhe de cabeça na questão, o dilema central é claro: o que acontece quando a cobertura de uma crise se torna uma extensão do próprio evento?

Ainda que esta data não seja um tema novo no cinema – Munich (Munique, 2005), de Steven Spielberg, e o documentário One Day in September (Munique, 1972: Um Dia em Setembro, 2000) de Kevin Macdonald, ambos aclamados pela Academia – o mais recente filme do suíço Fehlbaum é tecnicamente sólido. A edição, que alterna com precisão entre o caos frenético e momentos de silêncio absoluto da sala de produção da ABC, espelha o turbilhão interno das personagens, colocando-nos na incómoda posição de observadores de uma tragédia para a qual sabemos o seu inevitável desfecho. Fehlbaum utiliza o visual não apenas como um meio de contar a história, mas como um reflexo direto dos dilemas psicológicos destes jornalistas, obrigados a tomar muitas vezes decisões primeiro e só depois a pensar nas suas consequências.

No entanto, September 5 parece refugiar-se na alegada imparcialidade da profissão jornalística, utilizando-a como um escudo para evitar uma análise mais profunda das questões geopolíticas e sociais que permeiam o conflito. Embora o filme explore o contexto pós-Segunda Guerra Mundial, a hesitação torna-se palpável quando se aproxima do complexo conflito israelo-palestino. Ao optar por não contextualizar adequadamente o sequestro, as suas raízes e o ambiente político envolvente, o filme adota uma abordagem apolítica que ignora o facto de que, ao esquivar-se de um posicionamento claro, acaba, na prática, por assumir uma posição, mesmo que inconscientemente. Em tempos de polarização e com as tensões no Médio Oriente ainda a influenciar o cenário global, essa escolha revela-se uma oportunidade perdida para uma narrativa mais desafiadora e autêntica; resigna-se a uma escolha segura que procura agradar, mas através da superficialidade.

“Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura” poderia ser a máxima de September 5. O filme almeja contar uma história de grandes proporções, mas na sua tentativa de permanecer apolítico, acaba por se tornar prisioneiro da sua própria neutralidade. Ao adotar uma abordagem que, em última instância evita compromissos, perde a chance de explorar as múltiplas camadas do conflito, culminando numa narrativa que se mantém segura quando deveria ser incisiva.

3/5
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