Scenes from a Marriage (1974)

de Matilde Garrido

“The difference between your grotesqueness and mine is that I won’t give in! I intend to face reality the way it is.”

Aos cinquenta e cinco anos, após dirigir cerca de trinta e quatro filmes que o consagraram como um dos maiores mestres do cinema mundial, Ingmar Bergman decidiu aventurar-se num novo formato, estreando a sua primeira minissérie: Scenes from a Marriage. Esta produção, dividida em seis partes, foi transmitida na televisão sueca em 1973 e, no ano seguinte, adaptada para uma versão cinemática, pela ampla aclamação recebida.

Scenes from a Marriage (Scener ur ett äktenskap) é Bergman na sua forma mais autêntica, abordando temas universais, frequentemente explorados nas soap operas. A narrativa acompanha, durante dez anos, a trajetória de um casal aparentemente feliz, Marianne (interpretada por Liv Ullmann) e Johan (interpretado por Erland Josephson), que navegam pelas águas do quotidiano com uma serenidade que beira a apatia. Contudo, essa felicidade não passa de uma fachada que esconde um relacionamento submerso em problemas, segredos e desafios. Através de diálogos intensos e atuações impecáveis, especialmente de Ullmann e Josephson, o filme oferece uma representação realista e envolvente das alegrias e dores que permeiam a vida conjugal.

Embora não seja a primeira vez que Bergman explora temas pessoais nas suas obras, o guião de Scenes from a Marriage possui uma forte vertente autobiográfica. O cineasta inspirou-se não apenas nas suas próprias experiências amorosas – incluindo os seus múltiplos casamentos e relacionamento com Ullmann -, mas também no casamento dos seus pais, conferindo à obra um poder emocional ainda mais intenso. Assim, desde o começo do filme, paira uma inquietante sensação de desconforto que sussurra ao espectador que o que está prestes a ver está longe de ser um típico melodrama, especialmente dos anos ’60-’70. Trata-se sim de uma estória complexa de fragmentação e adaptação – uma verdadeira montanha-russa emocional e intelectual. Ao longo deste filme, Bergman parece confessar algumas descobertas que o próprio fez durante a sua vida, como por exemplo, que alguns relacionamentos possuem, desde o início, a semente para o desastre, a qual, porém, é ignorada – a grande premissa desta obra.

Parte do prazer de assistir ao filme recai nas atuações de Ullmann e Josephson – dois atores da confiança do realizador – que trazem à vida um argumento que espelha esta teia emocional, fazendo com que cada palavra e cada silêncio ressoem profundamente. Assim, a solidez técnica, a atração e a química entre ambos conferem um forte realismo a esta jornada que tanto tem de emocionante como de angustiante. Por um lado, Ullmann tem uma notável habilidade de transitar entre diferentes estados emocionais e visuais – de reprimida a radiante; de idealizada a desmazelada -, mostrando uma grande profundidade na sua atuação. Interpreta uma esposa gentil, inteligente e compreensiva que, ao longo da narrativa, revela uma complexa jornada emocional entre os papéis tradicionais (enquanto mulher e esposa) e o desejo de redescobrir a sua identidade. Por outro lado, Josephson encarna o papel de marido arrogante e egocêntrico, que contrasta visual e psicologicamente com a personagem de Ullmann. Ainda que não excessivamente cruel, é um homem que sucumbe ao interesse próprio, não por pura maldade, mas como resultado da sua grande insatisfação para com a vida e da perceção difusa de si mesmo. As suas interpretações são assim conjugadas com as personagens tão bem escritas, dois verdadeiros antagonistas.

Com uma cinematografia minimalista, porém, penetrante, Bergman dá-nos um filme que é ao mesmo tempo desolador e catártico. Um perfeito exemplo disso é a direção de fotografia: ao longo do filme, a objetiva recua e adota uma abordagem contida, quase voyeurística, algo já observado no seu reportório, mais notavelmente em Persona (1966), lançado quase uma década antes. Isto resulta numa tendência para planos longos e enquadramentos estreitos, fazendo com que o espectador assuma uma proximidade intensa e, por vezes, desconfortável com as personagens.

Bergman questiona abertamente no que poderemos sustentar o nosso amor e, por isso, não é um filme fácil de assistir. Trata-se de uma exploração profunda sobre a ambiguidade das relações humanas, onde são reveladas, sem pudor, as contradições inerentes ao amor, onde o carinho se pode transformar em desprezo e a proximidade conduz à alienação. A sensação de desconforto que permeia cada cena não é apenas um reflexo da deterioração do casamento de Johan e Marianne, mas também um espelho das nossas próprias inseguranças e medos que projetamos nas relações humanas.

Scenes from a Marriage, um marco na filmografia de Bergman, expõe a impossibilidade de uma compreensão total e a complexidade das dinâmicas interpessoais, oferecendo uma visão profunda e inquietante sobre a verdade e as ilusões que trespassam as nossas vidas. Mesmo após cinquenta anos do seu lançamento e o seu inerente impacto na sociedade (em tempos foi incorretamente associado ao aumento dos divórcios na Suécia), o filme continua a ser um ponto de referência, pela sua intemporalidade, sendo revisitado e reinterpretado por novas gerações, tanto no cinema, como no teatro, como na televisão.

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