Sasquatch Sunset (2024)

de João Iria

Na vastidão selvagem da Califórnia do Norte, desvendamos uma família nómada de Sasquatches (Pés Grandes) simplesmente a viver as suas vidas. Sasquatch Sunset é uma comédia absurda dramática mas funciona como um documentário bizarro com a capacidade de afugentar o sotaque britânico de Sir David Attenborough juntamente com a sua dignidade profissional. Os irmãos Zellner, responsáveis por pequenos tesouros narrativos como Kumiko, the Treasure Hunter (2014) e Plastic Utopia (1997), expandem as pequenas filmagens exageradamente pixelizadas de abominações em caminhadas, para uma longa-metragem visualmente grandiosa sobre abominações em caminhadas. O seu fascínio por estas criaturas, constantemente captadas nas piores câmaras e popularizadas na década de ‘60, culmina numa estranha experiência cinemática que ninguém em Hollywood estava disposto a financiar, até Jesse Eisenberg salvar este argumento da obscuridade, apaixonado pela sua invulgar premissa e pelo entusiasmo desta dupla criativa. É compreensível. É um filme único. Esse é o seu principal apelo.

Surpreendentemente, Sasquatch Sunset compromete-se absolutamente à sua premissa, recusando-se a abandonar a sua concepção fundamental, o motivo pela sua existência. Ninguém nesta produção renuncia esta singular caminhada críptica. Enquanto diversas obras recentes, como Late Night with the Devil (2023) ou In a Violent Nature (2024), desistem imediatamente do seu conceito central por receio de perder o público, Sasquatch Sunset defeca, urina e vomita pelo ecrã com uma confiança indomável, sem receio dos danos colaterais asquerosos espalhados pelos espectadores, conscientes que aderir nesta jornada exige habitar a selva com estas bestas, dentro do seu mundo, da sua linguagem e do seu silêncio. Somente este aspecto é digno de urros respeitosos.

Eisenberg, acompanhado por Riley Keough, Christophe Zajac-Denek e Nathan Zeller, libertam-se do seu ego estrelado e demonstram-se dispostos a ser cobertos com quilos de pêlo e látex, até a sua reconhecível fisionomia desaparecer e restar apenas um nome no poster e o seu incrível talento. O elenco submeteu-se a uma “sasquatch school”, onde aprenderam a representar adequadamente uma vivência símia e rudimentar, usufruindo de técnicas mímicas para se expressarem fisicamente e sentimentalmente além das profundas camadas de maquilhagem nos seus rostos. Este processo foi absolutamente necessário pois é uma longa-metragem completamente desprovida de diálogos e os seus protagonistas comportam-se genuinamente como animais selvagens, entre grunhidos agressivos, curiosidade inocente e uma rotina dominada pelo instinto, durante a totalidade da narrativa. Não existem criaturas falantes, cães que jogam basquetebol, componentes mágicos dramáticos, narração expositiva, ou sequer seres humanos. Sasquatch Sunset é um retrato realista de uma família de Sasquatches. Essa é, simultaneamente, a sua piada e o seu valor emocional.

A caracterização extraordinária atribui credibilidade às excelentes atuações; cada membro desta família destaca-se individualmente na sua construção corporal e na sua personalidade: Zellner como um alpha envelhecido dominado por desejos sexuais e predadores, Eisenberg como um Sasquatch pacífico, entristecido quando um animal se afasta dele, Keough balança raiva com delicadeza e cansaço visível nos seus olhos, e Zajac-Denek como uma criança astuta. Sente-se uma autenticidade inédita neste género – quanto possível numa obra sobre “Pés Grandes” – que prioriza a essência do momento invés das expectativas típicas do público. Existem instantes hilariantes fincados no ridículo da situação como também prolongadas sequências serenas, vidradas no mero acto de observação.

O seu ritmo vagaroso, intensificado pela suave banda sonora, e a sua direção de fotografia graciosa sinalizam esta visão cinemática, uma intenção de manter o absurdo realista e retirar humor e drama desta combinação contraditória, de presenciar animais fantasiosos num ambiente prático. Curioso porque a popularidade do Big Foot sempre surgiu através desta vontade por descoberta; são criaturas que apelam ao desejo de encontrar uma figura mística dentro da nossa vida banal; cuja imagem emite uma promessa encantada e atribui significado individual. Algumas pessoas procuram nas estrelas, outras nas florestas. Os irmãos Zellner procuram no cinema. Neste contraste, revelam a maravilha da natureza comum, destruída pelo passo humano. A sua penosa mensagem implica que se existir verdadeiramente magia no nosso mundo, ficou extinta há demasiado tempo.

Sasquatch Sunset é uma comédia divertida e comovente sobre a natureza animal, o meio ambiente e a sua ruptura causada pela humanidade, apagando comunidades enquanto erguem estátuas em sua memória. Nesta conclusão, penso ser adequado citar Sir David Attenborough para resumir esta experiência audiovisual:

“It seems to me that the natural world is the greatest source of excitement; the greatest source of visual beauty; the greatest source of intellectual interest. It is the greatest source of so much in life that makes life worth living.”

Se nenhuma destas palavras convencer, fica a promessa de Jesse Eisenberg e Riley Keough, vestidos de animais peludos, a cagarem, literalmente, em tudo o que encontram. Cinema.

3.5/5
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