Saltburn (2023)

de Mercês Castelo-Branco

I could just eat you.

Emerald Fennell estreou-se no mundo das longas-metragens com Promising Young Woman (2020), e a sua receção foi algo controversa, dado que o filme aborda temas polémicos como a violação e assédio sexual, mas trouxe-lhe um prémio para melhor argumento nos Óscares de 2021 e um reconhecimento enquanto realizadora e argumentista. O filme que se seguiu a este, elevou a fasquia.

Estamos a falar de Saltburn (2023) que causou furor e controvérsia pelas suas cenas mais explícitas, que a realizadora assume sem qualquer vergonha. Saltburn relata a relação entre dois colegas de Oxford: Felix Catton, protagonizado por Jacob Elordi (mais conhecido pelo seu papel na série Euphoria [2019 – ] de Sam Levinson), e Oliver Quick, protagonizado por Barry Keoghan, que se destaca pela sua capacidade de representar personagens ambíguas.

O enredo intensifica-se quando Felix convida Oliver, um jovem com um historial complicado, a passar o verão na mansão de família na região de Saltburn. A partir desse momento, tornamo-nos numa espécie de mosca ao ter acesso à vida desta família bastante abastada e ao entrarmos castelo em que vivem. Presenciamos os seus hábitos, as opiniões e preconceitos que têm sobre as coisas mais banais da sociedade e torna-se claro desde cedo que a realizadora pretende fazer uma crítica ao estilo Eat the Rich, ao ridicularizar os seus estilos de vida exuberantes, atitude pretensiosa e falso altruísmo para com aqueles que precisam de ajuda. Este aspeto é evidenciado logo de início com a personagem de Pamela, protagonizada por Carey Mulligan, que reside em Saltburn. O facto da família permitir a sua estadia prolongada é considerado um ato extremamente atencioso e considerativo por parte de Elspeth, mãe de Felix (protagonizada por Rosamund Pike) e do seu marido Sir James (Richard E. Grant). Contudo, rapidamente a “poor dear Pamela” desaparece da mansão, dando a entender que se calhar a sua presença não era assim tão desejada.

Tanto neste filme como em Promising Young Woman, Emerald Fennell tem presente na narrativa o elemento e necessidade de vingança por pessoas cujos comportamentos prejudiciais são desculpabilizados e normalizados pela sociedade, unicamente pelos privilégios que estes possuem. Em Promising Young Woman, temos o caso dos homens se escaparem facilmente a casos de assédio e violência sexual para com as mulheres, em Saltburn acaba por ser uma vingança misturada ou até mesmo derivada da paixão. Existe uma certa tensão sexual entre Oliver e Felix durante todo o filme, e é esse um dos fatores que faz o espectador ficar preso ao ecrã. Será esse desejo e atração por Felix na realidade uma ambição de Oliver de ser como ele? A dúvida mantém-se entre desejo e obsessão, mas na realidade a própria linha entre as duas é bastante ténue e a genialidade da narrativa e progressão do filme parte dessa mesma questão.

Nos seus filmes, Fennell vilaniza as suas personagens o que acaba por nos deixar indecisos sobre o lado que devemos tomar. Por vezes, as personagens que nos parecem menos inofensivas tornam-se nas mais eticamente ambíguas. Com Saltburnaumenta o nível de ambiguidade e Fennell arrisca em vários sentidos, nomeadamente com as cenas sexualmente explícitas menos convencionais, que poderão chocar aqueles que são facilmente impressionados, mas cuja presença no filme se torna de certa forma essencial para manter não só o espectador intrigado, como para alavancar todo mistério que parece pairar durante o filme.

Em termos técnicos, destaca-se as escolhas na fotografia de Linus Sandgren. O aspect ratio utilizado é de 4:3 (assemelhado à forma de um quadrado), um enquadramento que por si só já é mais fechado e tanto pode causar essa sensação claustrofóbica de estarmos presos naquela mansão, como pode também ser bastante vouyerístico, dado que enfatiza a ideia de estarmos a espreitar a vida de alguém por uma frecha ou fechadura. O filme utiliza também muito os reflexos, tanto em espelhos como na água, o que ajuda a ilustrar a multiplicidade e dualidade de toda a situação, como das personagens em si. A própria escolha de cores mais saturadas para evocar tanto uma nostalgia de verão, como de um tempo que na realidade parece fazer parte de uma ilusão, acaba por remeter a audiência para um estado quase onírico.

É sentido, no entanto, um excesso de demonstração por parte da realizadora que, provavelmente, com o entusiasmo acaba por contar demasiado. Seria interessante compreender como funcionaria o filme e quais seriam as teorias do público, caso o seu fim não fosse explicado tão detalhadamente. Aqui, a técnica do “show, don’t tell” teria possivelmente tornado os últimos 20 minutos menos redundantes.

Não deixa, todavia, de ser uma obra cinematográfica que vale a pena ser experienciada, principalmente para os fãs do trabalho de Emerald Fennell e da trope Eat The Rich.

3.5/5
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