Saint Frances (2020)

de Rafael Félix
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Mais para o início do ano escrevi sobre Never Rarely Sometimes Always (2020), o filme magnifico de Eliza Rittman sobre uma jovem a lidar e terminar uma gravidez indesejada com toda a pressão social e emocional que a acarreta na especificidade da realidade americana. Se é verdade que as temáticas se cruzam com as de Saint Frances, também é verdade que os filmes embora funcionem no mesmo espectro, também se encontram em lados opostos do mesmo. 

Após uma interrupção voluntária da gravidez, Bridget, vai ter de lidar com o peso emocional que vem com um ato dessa dimensão enquanto fica responsável por Frances, uma menina de 6 anos, filha de um casal lésbico, também ele a enfrentar os seus próprios demónios, com Maya a sofrer de depressão pós-parto enquanto a sua companheira se dilui numa total ausência.

A dificuldade em falar de Saint Frances talvez se deva ao facto das suas maravilhas se encontrarem em pequenos momentos. Em pequenas frases soltas e mal pensadas. Numa câmara tímida a espreitar pela frecha de uma porta como que se partilhasse o embaraço da personagem no interior do quarto ao ser confrontada com a solidão que a maternidade pode carregar. Ou simplesmente o olhar longínquo para um abraço que é de igual forma uma despedida e um início. Mas é também nestas particularidades que o guião de Kelly O’Sullivan se liberta dos embaraços e dos tabus sociais inerentes a situações tão vulgares como a menstruação, o sexo ou a contraceção, não com aquele tom barato de chico-espertice comum destes dramedies, mas com uma vulgaridade genuína e despreocupada – até demais – de uma jovem de 34 anos a quem a vida adulta não trouxe a maior das clarividências. 

Se há algo que o primeiro filme de Alex Thompson mostra é que independentemente da idade, dos teus traumas ou do teu estatuto social, não saber lidar com todas as dificuldades que o destino nos coloca, não é algo que vergonhoso. É apenas solitário, porque nós assim o tornamos, seja a depressão de uma maternidade solitária ou o enfrentar o facto que não se está preparado para isso. Saint Frances lida com a solidão e o isolamento emocional de uma forma em partes iguais direta e subtil, com uma inabalável convicção que quem está do outro lado da tela, embora podendo não ter experienciado o que ali se passa, consegue sentir exatamente o que as personagens estão a sentir. É um filme que carrega a sua força nos seus intérpretes, todos eles sem exceção, absolutamente brilhantes, mas acima de tudo de O’Sullivan, que tem um misto de expressões e linguagem corporal que materializam a resignação e repressão emocional, quase como se tratasse de uma inabilidade comunicacional resultado de nem sequer saber o que deve sentir. Tudo isto dificilmente podia ser mais explícito do que quando a um certo ponto, Bridget, num tom completamente estupefacto diz “so you don’t think I’m a monster?”

Não saber o que sentir é normal. Não saber o que fazer é normal. Não sentir o que é suposto é normal. A solidão de tudo isto é também ela normal. É essa compreensão que preenche um filme que à primeira vista pode parecer simples, mas um olhar atento e um coração aberto levam bem longe. Lida com todos os tabus ligados ao aborto, ao sexo ou simplesmente à falta de rumo na idade adulta com um olhar descomplexado, confiante, mas também, mais uma vez, compreensivo. Acho que todos precisamos desde tipo de compreensão. Acho que todos nós precisamos de um bocadinho de Saint Frances.

4.5/5
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