RUN (2021)

de João Iria

Amor incondicional nunca impediu momentos de ansiedade e atribulação mental ou física numa relação familiar. A expressão popular “Amor de Mãe” descreve uma conexão única e desejável de um carinho absoluto, superior a tudo com uma imutabilidade sem limites já Freud dizia o mesmo com outras intenções. O tecido frágil desta ligação é o tema principal de Run que explora esse sentimento teoricamente maravilhoso. Teoricamente.

Chloe Sherman (Kiera Allen) é uma adolescente inteligente, numa cadeira de rodas, educada em casa pela sua mãe, Diane (Sarah Paulson), prestes a iniciar uma vida social e independente na faculdade. Uma transição que cria tensão entre as duas devido aos problemas de saúde da jovem (arritmia, diabetes, hemocromatose e paralisia), originando uma suspeita de um segredo sombrio, escondido pela sua mãe.

Esta é a premissa do novo thriller de Aneesh Chaganty, realizador da fantástica surpresa Searching (2018), que se destaca quando contém o enredo entre quatro paredes, gerando aflição através da limitação de espaço e comunicação, e encontrando intensidade profunda na simples situação de “tentar sair de um quarto” e da ingenuidade da protagonista perante o mundo exterior. 

Quando a porta abre, essa criatividade e astúcia desaparecem gradualmente com o ambiente previamente estabelecido; tropeçando entre seriedade e campyness,  inconsistente na sua tonalidade emocional que inicialmente parece procurar conjugar o suspense de Hitchcock e no terceiro ato recai no flair dramático típico da filmografia tardia de Brian DePalma, sem a complexidade temática ou o deleite teatral crescente de ambos os criadores.

Sarah Paulson encapsula esta fenda narrativa na sua performance sem direção concisa. A loucura campy da sua interpretação recorda um dos motivos que tornou o acting de Jack Nicholson em The Shining (1980) e Kathy Bates em Misery (1990) numa das mais icónicas personagens do cinema e porque ambos funcionam de maneiras aterradoras. Desde o início que a insanidade reside no olhar destes dois atores e a sua libertação eventual realça e intensifica a interpretação visual e vocal sem transformar as figuras em indivíduos diferentes do estabelecido, ao contrário de Diane, que entra em território caricato, alterando os seus maneirismos e padrões de fala por completo, que parecem contradizer a atmosfera pretendida. 

A sua transfiguração assemelha-se a magnéticas atuações que entram no enredo com uma pele específica e revelam-se no final como uma personalidade divergente da inicial. Esta revelação não consegue florescer em Run pois Paulson domina a visão do realizador, com a compreensão que o tom do argumento foge para uma direção oposta do que o originalmente intencionado, ou necessário, e simplesmente diverte-se com uma prestação que não pode ser classificada como má ou medíocre, mas que pertence a um campo diferente de lógica emocional (culpem o stress!) que impede a atriz de se apoderar da história. 

Elementos e monólogos teriam sido vastamente arrepiantes ou assustadores se fossem entregues com similar intensidade à personagem que assistimos no primeiro ato. Uma única frase de tom vocal semelhante poderia criar duas reações completamente distintas de conforto e medo, em vez de se perder na sua dupla personalidade. Seguir a campyness narrativa teria funcionado completamente se Chaganty estivesse disposto a entreter-se com o absurdo, exemplificado na sua conclusão espirituosa, e procurado inspiração em obras como Mommie Dearest (1981) que demonstra a combinação bem sucedida do ridículo e tenebroso. 

O que resgata o enredo de si próprio é a jovem protagonista, Kiera Allen, uma atriz que usa cadeira de rodas desde 2014 e que se entrega completamente à sua personagem, enfrentando momentos genuinamente penosos fisicamente, com charme. Allen mantém a audiência investida dramaticamente na longa-metragem, impedindo esta de ser governada pelas suas direções picarescas e cativando emocionalmente o suficiente para motivar o espectador a ignorar as componentes incoerentes deste thriller.

Run é um crowd pleaser, destituído de condescendência, que mantém a história a correr, tensamente, com carisma e acessibilidade, focando-se no raciocínio dentro da página, sem refletir nos aspetos relevantes fora desta. Insere amor incondicional que sobressai como um disparo fatal de uma pistola de água; demasiado preocupado em fornecer entretenimento e agradar a um público geral para criar uma visão consistente, acabando por resumir o seu potencial por uma narrativa mais poderosa e memorável num momento final que evoca a frase: “Não estou zangado, apenas desapontado.”

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