Rosemary’s Baby (1968)

de Matilde Garrido

“Pain, begone, I will have no more of thee!”

Em 1968, Roman Polanski, que já se tinha afirmado no panorama do cinema europeu, estreou-se em Hollywood com a sua primeira longa-metragem baseada no best seller de Ira Levin, Rosemary’s Baby (A Semente do Diabo). O seu consequente sucesso lançou uma tendência para filmes centrados em gravidezes satânicas, bebés demoníacos, crianças malévolas, que se viria a prolongar até à década de 1970, sendo os seus exemplos mais notáveis The Exorcist (1973) e The Omen (1976).

Mia Farrow, na altura conhecida pelo seu papel na novela Peyton Place (1964-1969) e pela sua relação com Frank Sinatra (a quem entregou os papéis de divórcio durante as filmagens), interpreta Rosemary Woodhouse, uma jovem católica que, junto com o seu marido (John Cassavetes), um ator em ascensão, se muda para um apartamento sinistro em Bramford. Rodeados por vizinhos misteriosos, o casal começa a experienciar uma série de acontecimentos estranhos, especialmente após a protagonista ficar grávida. Esta atmosfera inquietante intensifica-se nos meses seguintes, levando Rosemary a questionar a verdadeira natureza da sua gravidez, bem como as intenções das pessoas que a rodeiam.

Rosemary’s Baby estabeleceu um novo padrão de realismo dentro do género de horror, ancorado em medos e preocupações universais associados à vida urbana, à religião, ao corpo feminino e à perda de controlo. Assim, o terror do filme assenta não apenas no facto de acreditarmos no que estamos a ver, mas também que o mesmo nos pode acontecer, uma vez que a sua estória se desenrola num universo que nos é muito próximo. Esta abordagem permite assim uma imersão completa no ponto de vista de Rosemary, adicionalmente pela narrativa se desenvolver segundo a sua perspetiva, nunca nos sendo permitido ver para além disso. Deste modo, partilhamos as suas dúvidas e suspeitas, e vivenciamos as mesmas confusões e paranóias: como Rosemary, estamos a juntar pistas e somos mantidos no escuro até ao fim.

Farrow é igualmente um elemento-chave para o sucesso do filme, entregando uma atuação crua e impactante, com a intensidade certa para transmitir as mudanças que a sua personagem enfrenta. Desta forma, a atriz consegue captar magistralmente a complexidade emocional de Rosemary, transitando de uma jovem vulnerável e com um comportamento submisso – e muitas vezes infantil – para uma mulher que vive diariamente paranóica e assombrada pela dúvida. Em contraste, as restantes personagens não recebem o mesmo nível de desenvolvimento, o que, por um lado, acaba por enfatizar a luta interior que Rosemary defronta, mas, simultaneamente, limita a profundidade das interações que a protagonista tem com os restantes elementos.

A atmosfera opressiva e claustrofóbica é construída de forma habilidosa, com uma cinematografia dominada por close-ups, enquadramentos apertados e pelo recurso à técnica mise-en-scène, elementos essenciais no desenvolvimento do terror psicológico do filme, uma vez que evocam uma sensação de proximidade quase excessiva, capaz de transportar o público para Nova Iorque nos anos ’60. Esta crescente tensão, transmitida não por meio de jumpscares e outras formas de sustos explícitos, mas sim através de jogos psicológicos e pistas subtis que nos são dadas, leva-nos a questionar se os receios de Rosemary são fundamentados ou se são meramente o resultado da sua cabeça atormentada e perto do colapso.

Os diálogos, igualmente simbólicos e repletos de significados ocultos, são acompanhados pela música minimalista e inquietante de Krzysztof Komeda, que completa perfeitamente esta atmosfera perturbadora, onde nada é o que parece e na qual o horror reside nas subtilezas. Não obstante, todos estes aspetos que convergem na criação de um filme envolvente e memorável, o mesmo peca, especialmente nos primeiros atos, pelo seu ritmo lento, o que por vezes culmina na previsibilidade da narrativa.

Ainda assim, Rosemary’s Baby permanece um marco dentro do género de terror, pela sua abordagem inovadora assente no terror psicológico, mas também pela forma como nos desafia a encarar medos associados à vulnerabilidade humana, especialmente quando confrontada com forças que fogem do nosso controlo e compreensão. E sim, o desfecho pode fazer pairar uma certa insatisfação entre os espectadores, mas como o próprio realizador afirma: “A satisfação é o mais desagradável dos sentimentos”.

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