Ron Dá Erro (2021)

de Pedro Ginja

O que define uma amizade? Como se quantifica? Que razões estão por detrás da pessoa que escolhemos para partilhar tempo? Como se sustêm ao longo do tempo? Porque desistimos de amigos? Porque mantemos amigos que nos fazem mal? A lista de questões e dúvidas poderia continuar por muitas mais linhas. É um problema complexo.

Ron Dá Erro (na sua versão original, Ron’s Gone Wrong) tenta responder a essa pergunta. O filme acompanha Barney (V.O. Jack Dylan Grazer) um típico miúdo de 11 anos com dificuldades em fazer novos amigos. É lançado um robot de última geração, chamado B-Bot, que fala, anda e está ligado à internet 24h por dia. Mas não é este o avanço tecnológico mais marcante: ele consegue criar amizade. Com um revolucionário “Algoritmo da Amizade” criado por Marc (V.O. Justice Smith), ele permite a conexão com pessoas que partilham os teus interesses, paixões e pontos em comum. Rapidamente se torna companhia de todos os miúdos na escola. Menos de Barney, claro. O pai, Graham (V.O. Ed Helms) passa por dificuldades e não consegue comprar a prenda tão desejada ao filho. Acaba por fazê-lo no mercado negro, e Ron (V.O. Zach Galifianakis) não é o robot que ele espera, mas aquele que ele precisa.

Num mundo atual em que o online é rei, este é um filme assustadoramente premonitório. Já esteve mais longe o tempo em que as nossas crianças terão o seu robot pessoal. Os avanços tecnológicos são inevitáveis. A vida das crianças é cada vez mais online. Já ninguém quer ser bombeiro, polícia, médico. Todas as crianças querem ser youtubers, fazer E-Sports, ser bloggers ou influencers. Tudo online. Offline não é cool e Barney está desesperado por fazer parte do mundo, pensando que Ron será a solução mágica. Mas Ron sofreu uma queda, está danificado irreversivelmente e não se liga ao mundo online. Mas o “Algoritmo da Amizade” está lá, e Ron improvisa. Ron é o herói do filme, uma espécie de Messias do offline, que mostra a Barney o que realmente interessa na vida.

Há um flashback no filme que é perfeito: a festa do 6º Aniversário de Barney. Os amigos inseparáveis que se afastam lentamente ao longo do tempo. Abre os olhos para a nossa própria infância: quantos amigos da nossa infância fazem parte da nossa vida hoje em dia? No tempo em que ter ou não ter wi-fi não fazia parte das nossas preocupações. O termo offline nem sequer existia. Quando estávamos o maior tempo possível fora de casa, com os amigos. De como evitar o raspanete da mãe por ter as calças todas sujas de lama. Do golo genial de calcanhar no campo de futebol atrás do parque de estacionamento. Os gritos e entusiasmo ainda estão comigo. Desse momento e de muitos outros. As memórias ficam. Das pessoas, dos lugares. De quando, em criança, éramos felizes e não sabíamos. Felicidade não fazia parte do nosso vocabulário. Vivíamos no momento e não no que o momento significa.

Ron Dá Erro relembra os pais que o que temos não é o que importa. Os filhos não precisam de coisas, precisam de pais, de estarem presentes. E mostra aos filhos que o online não é essencial. Que há vida para lá de ter seguidores, da fama efémera das redes sociais e dos “amigos” de ocasião. De não esquecer quem nos rodeia. Dos que estão perto. Diferentes maneiras de ver o mundo, diferentes paixões, não são razões para nos afastar mas para nos enriquecer. É um filme para pais sobre os filhos, e com eles. Maior elogio a um filme de animação não poderia haver.

Nem tudo é profundo. Tem as habituais referências de cultura pop, animais a fazer coisas malucas e pequenos easter eggs para os apreciadores de cinema. Há espaço também para quem quer apenas passar um bom bocado no cinema. E algumas coisas irritam, porque queremos a perfeição quando algo nos toca profundamente. Tem, o habitual, vilão de papelão. Uma espécie de Steve Jobs “mauzinho”, Andrew Morris (V.O. Rob Delaney). Tem de haver sempre alguém para odiarmos num filme de animação. Sem características abonatórias. “Mauzinho” como as cobras. O homem de negócios sem escrúpulos. Irrita-me este tipo de caracterização de personagens em filmes infantis. Parece um engano para a vida. De que as crianças não aguentam a ambiguidade. Falta também mais de Donka (V.O. Olivia Colman – ternurenta e engraçada em igual dose), avó de Barney. É uma personagem subaproveitada, que apesar do analfabetismo digital, possui uma sabedoria que vai além da idade. É o compasso moral da história e os poucos minutos que surge no ecrã sabem a pouco. Queríamos mais.

Finalmente, e isto é algo muito pessoal. Os “Big Moments” são necessários ao filme e diluem a sua mensagem. Eu vivo para os pequenos momentos, e faltou coragem em alguns deles. O momento mais emocional do filme desvanece-se rapidamente. Fugir da tristeza é a solução. Lembrou-me de imediato o filme Inside Out (2015) por ser exatamente o oposto na forma como aborda essa questão. Faltou mais sensibilidade para abraçar esta cena emotiva.

Feliz, no entanto, no final desta sessão. Como adulto, e apesar do tema moderno do impacto do online na vida das crianças, senti nostalgia. Da vontade de voltar a tempos mais simples, em que éramos felizes sem saber, e da beleza do offline. Nem a propósito, dois dias antes, aconteceu o outage das redes sociais. Durante 6 horas fomos livres. Assim como Barney quando Ron entrou na sua vida.

Como homenagem, e após ler esta crítica, poisem o telemóvel – wi-fi e dados off – e lembrem-se da festa do vosso 6º aniversário. Quem estava convosco? Quem ainda está? Quem se afastou? Quem desapareceu da vossa vida? Pensem em quem gostariam que voltasse. Digam “olá” por SMS. Sim, ainda funciona sem internet – obrigado outage-. O “Algoritmo da Amizade” não é algo imutável. Transforma-se dia a dia. Em cada gesto, sorriso, lágrima. Ou apenas com um “olá”.

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