Roadrunner: A Film About Anthony Bourdain (2021)

de Rafael Félix

“This does not have a happy ending”. São as palavras que abrem Roadrunner: A Film About Anthony Bourdain o documentário que tenta de alguma forma explicar, ou pelo menos dar sentido, à história de vida – e morte – do chef, escritor, viajante e eterno romântico, Anthony Bourdain, dois anos depois do seu desaparecimento, após ser encontrado morto no seu quarto de Hotel em França. 

O novo filme de Morgan Neville, um realizador com um pedigree documental já comprovado em Best of Enemies (2015) ou Won’t You Be My Neighbor (2018), é um filme de contradições, não tão diferente da sua personagem central, o que o torna uma peça difícil de descodificar. Por um lado, é um talking head com um desfile de caras conhecidas do mundo de Bourdain como Eric Ripert, David Chang, Josh Homme ou a segunda esposa Ottavia Busia, e que celebra a vida e a atitude perante a mesma do autor de Kitchen Confidential de uma forma tão sentida que talvez fizesse este rebolar no caixão – como o próprio filme o admite no início. Por outro lado, mostra o lado de Bourdain que no fim o levou ao seu destino final, um lado isolado, socialmente complexado e com um coração grande demais apenas para si mesmo, como é descrito pelos que lhe eram mais próximos.

Devido a este formato documental, a questão mais fraturante quanto a Roadrunner é se este é o filme que realmente emana o espírito de Bourdain ou, no mínimo, aquele que se tornou a sua persona ao longo dos anos, ou se é um filme que falha completamente na representação do seu objeto de estudo e se torna em algo demasiado sentimental e possivelmente medíocre, um dos ódios de estimação do homem. 

Para esta pergunta fico sem uma resposta. É inegável que o filme se perde a tentar explorar a morte e as razões que a ela levaram, embrulhando-se demasiado no pior período da sua vida colocando em segundo plano aquilo que havia feito na primeira metade das duas horas, que era dar a conhecer um pouco da singularidade romântica que provinha de um homem que fez da sua vida um apanágio de vícios, uns piores outros melhores, mas todos eles tratados com a simplicidade e relativismo que sempre diferenciaram o homem de todos os restantes chefs e viajantes que vêm a ocupar o espaço televisivo nas últimas duas décadas.

No entanto, Roadrunner pode ser lido de uma outra forma se formos um pouco mais generosos e acreditarmos que Morgan Neville e restante equipa têm o coração no sítio certo. Anthony Bourdain isolou-se no fim. O “porquê” é uma resposta demasiado complexa, mas seria provavelmente uma mistura de solidão e sentimento de fracasso a nível paternal e afetivo, que demonstraram ser o seu maior inimigo na sua procura incessante por alguma coisa que o recordasse que ele gostava de estar vivo, até deixar de o estar. O filme é assim, uma espécie de prova que realmente Tony, por muito que ele sentisse o contrário, era profundamente amado, por amigos, por família, por colaboradores e por milhões de fãs que a sua aura tocou durante quase 30 anos, todos estes claramente a viver com um pequeno vazio nas suas vidas deixado naquele 8 de Junho de 2019.

Ainda que com uma atitude algo boémia e rock n’roll através da sua música e escolhas de montagem aqui e ali, e um olhar meio que agridoce sobre a sua personagem central, Roadrunner talvez não seja o filme de celebração que representaria Anthony Bourdain, mas de certa forma também não parece que estivesse a tentar ser. No fundo é um misto de história de vida e uma sentida carta de amor das pessoas que lhes eram mais próximas o que, olhando para a carreira que o escritor teve e o seu espírito gracioso, delicado e cortês, seja uma abordagem estranhamente apropriada e que qualquer pessoa que tenha visto No Reservations (2005-2012) ou Parts Unkown (2013-2018) ou desfolhado Kitchen Confidential (livro de 2000) poderá genuinamente apreciar. Com saudade, provavelmente.

3/5
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