Riders of Justice (2020)

de Rúben Faria

Um refresco nórdico

É difícil convencer alguém, hoje em dia, a ver um novo filme de ação com a promessa de que traz algo de novo ao género, principalmente se for com uma premissa já um pouco batida como esta, com ideias vingativas, ação realista e um toque de humor. Mas deixem-me tentar.

Riders of Justice – com o imaculado titulo original “Retfærdighedens ryttere” que desafio qualquer leitor a tentar pronunciar – é, na verdade, um drama/thriller mais do que é um filme de ação, com um toque de comédia seca e um pouco negra que o ajuda a ganhar uma personalidade própria. Nesta história, Markus (Mads Mikkelsen) é um militar exímio que se vê forçado a retornar a casa após a sua mulher falecer num violento acidente de comboio ao qual a sua filha sobreviveu. Mergulhados em processo de luto, vêm-se deparados com a hipótese de que a tragédia pode não ter sido assim tão inocente, levando Markus e um grupo de geeks que querem ajudar, numa espiral perigosa.

Como referi, a premissa não é assim tão chamativa, pois parece entrar num grupo já muito cansativo de filmes de ação sobre vingança. A verdade é que este projeto tem de ser apreciado pela sua execução de tais ideias tão cliché. Na verdade, fá-lo com poucos clichés, sendo esses inerentes ao próprio género e às influências que retira dos magnatas do oeste. O que faz de Riders of Justice um filme minimamente fresco é a forma como aborda todos estes traços familiares com umas lentes novas e uma atitude diferente do costume, aproveitando para explorar alguns temas de forma mais profunda ou, pelo menos, mais cuidadosa.

Tudo se centra no protagonista, Markus, e na sua personalidade bem vinculada, difícil e violenta. A sua filha, Mathilde (Andrea Heick Gadeberg), também recebe muita atenção e importância na jornada temática do filme, conseguindo uma dinâmica interessante com o pai que se torna o alicerce emocional destas quase duas horas. Não é um argumento revolucionário, nem nada que se pareça, mas pelo menos digna-se a querer saber sobre as suas próprias personagens e coloca-as como prioridade número um. Deste modo, conseguimos explorar uma personagem difícil como Markus, que parece frio e completamente desligado de emoções, quase a um nível de psicopatia. Somos confrontados com o próprio, de perto, em várias ocasiões, onde vemos o que realmente se passa com este homem atormentado e a dificuldade que tem em gerir a sua vida além do trabalho. A esta receita, junta-se a presença forte de Mathilde, que é um absoluto oposto do pai e procura a empatia e a abertura emocional que não consegue encontrar nele. Esta dicotomia funciona bem para lidar com as repercussões psicológicas que a tragédia e a violência trazem consigo, tendo sempre a sensibilidade, no meio de brincar com o assunto, de dar importância à saúde mental de todos, sem exceção.

Aqui entra todo o elenco, que se provou uma equipa bastante engraçada e interessante para manter. Cada um dos génios que vem ajudar esta família tem as suas idiossincrasias, medos, motivos e esperanças, juntando-se todos muito bem e conseguindo uma dinâmica lógica que impulsiona o filme. Todos, individualmente, lidam com trauma, mas em conjunto e às suas estranhas maneiras, entreajudam-se para tentar encontrar algo que lhes faça seguir em frente. Desta forma, Riders of Justice consegue ainda nos levar a pensar sobre causa/efeito e sobre a necessidade de querer uma justificação ou um motivo para uma tragédia acontecer. Não tem medo de mostrar que quem sofre precisa, muitas vezes, de culpar alguém e o quanto isso consegue apaziguar a dor. É uma história que demonstra a frieza do acaso e da coincidência, contrastando com a natureza intrínseca do ser humano para encontrar significado em tudo, mesmo quando o mesmo é a própria futilidade.

Mads Mikkelsen é, já sem surpresa nenhuma, um deleito para se ver. Consegue trazer humanidade no olhar de um homem já tão maquinizado, bem como trazer essa frieza para a violência que a sua personagem tanto emana. Mostra-se uma violência muito humana e interior, mas já mecanizada por todo o treino e experiência militar. As próprias cenas de ação, que são poucas e mais sobre violência precisa do que ação com acrobacias, ditam isso mesmo sobre o protagonista. É dotado de uma postura e movimentos não convencionais, e a sua abordagem para com o alvo rivaliza a precisão e frieza dos maiores assassinos profissionais de Hollywood. Desta forma, a própria carnificina do filme consegue contribuir para extrair mais das personagens e das temáticas em si. O resto do elenco é exímio e conquista a sua presença, com variadas dinâmicas e personalidades que se complementam e trabalham para o mesmo.

Com uma abordagem mais sensível aos problemas psicológicos e uma dose de humor negro e seco que humanizam esta história, Riders of Justice merece a atenção da maioria, pois consegue ser um filme relativamente leve, que proporciona umas horas de entretenimento mas com uma presença que se faz sentir, querendo ser levado a sério, sem se levar demasiado a sério a si próprio, não correndo assim o risco de ser ridicularizado. É um filme que mostra que na Europa também se conseguem fazer cinema de entretenimento com peso e medida, e até demonstrar que nem sempre nestes filmes de “ação” a violência tem de ser a resposta certa.

4/5
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