“She’s alone, her guts hanging out. There are three of us and we are armed. What are you afraid of?”
Coralie Fargeat, a realizadora francesa da mais recente sensação de terror The Substance (2024), estreou nos festivais internacionais em 2017 a sua primeira longa-metragem Revenge, sendo este título uma declaração intencional do que costuma faltar nos filmes que caem na categorização de “rape revenge”, pelo que o filme se revela como uma abordagem diferente do género.
É-nos introduzida Jen (Matilda Lutz), pronta para desfrutar de uma escapadela romântica numa zona deserta com o seu namorado Richard (Kevin Janssens), um homem rico, e casado. Contudo, Stan (Vincent Colombe) e Dimitri (Guillaume Bouchède), dois parceiros de caça de Richard, chegam sem aviso. Assim que se encontram sozinhos com Jen, Stan aproveita a oportunidade para a violar, enquanto Dimitri casualmente ignora o seu pedido por socorro. Quando Richard descobre o sucedido, a situação piora ainda mais, com a intenção de deixar a amante para morrer. As coisas escalam de perigosas para mortais numa questão de horas e assistimos a consequências brutais e extremamente sangrentas. Ao longo do filme, Jen deixa de ser apenas uma mulher a tentar sobreviver, passando a ter como objetivo vingar-se, dando-se início a uma caça, passando os caçadores a ser os caçados (no pun intended).
Apesar da sua temática perversa e violenta e de se revelar um pouco over-the-top, tendo em conta os litros de sangue utilizados – tenho certas dificuldades em acreditar que quatro pessoas contenham tanto dentro de si -, Revenge sobressai na sua beleza imagética e qualidade cinematográfica. É evidente que cada cena foi meticulosamente planeada, com o uso de uma paleta de cores brilhante e vibrante contra a paisagem desértica (é impossível deixar passar despercebidos os brincos rosa-choque de Jen sobre os tons terrosos do ambiente), que contribui para uma experiência sensorial mais surreal e alucinante. A par deste aspeto, alguns cortes, ângulos e close-ups dão uma conotação mais metafórica, ou simplesmente diferente do habitual a certas situações, como o simbolismo atribuído aos animais ao longo da obra e a evidência constante de uma maçã, o fruto proibido, tornando-o deveras singular, não só comparativamente com outros filmes do género, mas no geral.
O subgénero de terror de rape revenge, é normalmente feito de um modo bastante misógino, retratando este tipo de abuso como um espetáculo voyeurístico para satisfazer uma determinada audiência, acabando por confundir exploração com empoderamento numa tentativa de ser feminista. No entanto, Revenge revela-se como uma agradável surpresa dentro da trope, pelo que não sujeita os espectadores a cenas explícitas de abuso sexual desnecessárias, mas sim focando-se naquilo que se pretende realmente ver com este subgénero: a vingança da vítima.
Outro aspeto que eleva este filme e, portanto, um dos ingredientes que torna a receita de Coralie Fargeat (ou seja a narrativa nas suas películas) inigualável e saborosa é, sem dúvida, a perspetiva feminina, sendo Revenge um pequeno peixe no mar de filmes com esta temática realizados por homens. Outro destaque é Matilda Lutz, que oferece uma atuação cativante, tendo em consideração o facto de não ter qualquer fala depois do marco de vinte e seis minutos de filme, ou seja, usando apenas o poder das suas emoções e movimentos corporais para entregar a sua performance.
A chave desta longa-metragem é o facto de não se ver on screen a cena de abuso, mas sim a personagem Dimitri a fechar a porta, a aumentar o volume da televisão da sala e a ignorar o que está a acontecer, em vez de ajudar Jen. Enquanto sociedade, não precisamos de assistir a esses atos e que eles sejam explicitamente mostrados neste tipo de filmes, mas devemos ser constantemente relembrados de quantas vezes se deixa passar situações como esta e como se vira as costas às vítimas que precisam de ajuda e que alguém acredite nas suas histórias, e lhes dê oportunidade para confrontarem os abusadores. Assim, o resultado é bastante fascinante porque passa a mensagem de que o verdadeiro terror está nas pessoas que permitem (ou apenas ignoram) os atos de violência e culpam a vítima.
Revenge é um ótimo filme para quem pretende assistir a uma reinvenção do rape revenge em cinema e tem estômago suficiente para as quantidades absurdas de sangue mostradas em tela. Em teoria, não apresenta nada que já não se tenha visto antes em termos de narrativa, mas, as escolhas inesperadas de Coralie Fargeat como realizadora, fazem com que a audiência sinta como se fosse a primeira vez.