Revelations (2025)

de Antony Sousa

A Netflix tem fé nesta nova produção sul-coreana, mas o que nos é revelado pode não ter consistência suficiente para integrar os mais recentes sucessos de streaming. Corre o sério risco de nos fazer precipitar para uma sugestão ao amigo mais próximo, só pela primeira metade do filme, e de nos fazer confessar, no fim, que talvez existam outras opções disponíveis para ver primeiro, que afinal não há necessidade de ir ver Revelations com tanta urgência. Pode ser que se esqueçam do nosso entusiasmo inicial e, desse modo, quando o virem ainda conseguimos passar despercebidos com um “sim, também não é nada de especial, foi como eu sempre te disse, é só se não tiveres mais nada para ver”.

Um prior, uma detective e um criminoso entrelaçam os seus caminhos até esbarrarem com a obrigatoriedade de decisões que podem alterar o rumo das suas vidas e de terceiros para sempre. Esta é a premissa que cola religião, justiça e trauma na mesma peça de cerâmica partida em vários cacos pela violência do passado.

Qualquer boa história tem em comum um conflito, dilema, e algum obstáculo que as personagens tenham que ultrapassar (ou não), está nos livros mais antigos de como escrever um argumento. Ora, Kyu-Seok Choi e Yeon Sang-ho, autores do argumento do filme (sendo que Yeon Sang-ho assina também o seu nome na realização), colocam em prática essa máxima nas primeiras páginas do guião. Somos confrontados de imediato com um comportamento de uma das personagens que nos deixa muito desconfortáveis e com um inevitável julgamento antecipado para com essa pessoa. As revelações introdutórias da história são tão impactantes que poderiam funcionar perfeitamente como revelações finais, o que resulta lindamente para nos prender a atenção, até um certo ponto. O problema que isso arrasta consigo é que o espaço de manobra para um clímax satisfatório reduz significativamente, pois os trunfos são usados quase todos uns atrás dos outros até não restar nenhum e havendo ainda bastante jogo pela frente. É nítida a intenção a meio do filme de acrescentar elementos que possam mexer com o enredo, sem nunca nos convencer verdadeiramente se esses elementos de facto acrescentam ou se só servem para alimentar o conflito até ao epilogo, que se pedia surpreendente. Ao invés disso, o nosso pedido é negado e recebemos um epílogo previsível e anticlimático.

Todo o elenco defende bem as suas personagens. Vários actores, com um tempo limitado de intervenção, têm cenas desafiantes e intensas. No entanto, há três interpretações que sustentam o filme: Shin Hyeon-bin, interpretando a detective Yeon-hee, balança entre o seu profissionalismo e a culpa que a corrói por dentro, respeitando sempre esse monólogo interno constante e cumprindo o exigido com mérito; Shin Min-jae, com a tarefa de dar vida a um criminoso da pior estirpe, Kwon Yang-rae, conjuga o abismo no olhar de quem vendeu a alma ao diabo, com a raiva de um passado tormentoso do qual nunca se conseguiu livrar, e fá-lo navegando numa linha perigosa que ameaça cruzar até chegar ao overacting, mas não o fazendo em momento algum; Ryu Jun-yeol, que tem a performance mais complexa e o arco de personagem mais vincado com o seu Min-chan, incorpora um homem de fé profunda que gradualmente perde o sentido da realidade, procurando justificação divina para todos os males que enfrenta e executa, distanciando-se mais e mais da pessoa que conhecemos no começo do filme, à medida que os minutos vão passando e a sua trajectória vai ganhando contornos de uma descida íngreme. Há momentos absolutamente magnéticos de Ryu Jun-yeol que elevam a matéria-prima de Revelations. O nível de dificuldade da sua actuação está só ao alcance de actores com capacidade para se embrenharem no papel que desenvolvem, e em total sintonia com as suas emoções e noção de vulnerabilidade sem sentenças para com as acções do indivíduo que encarnam.

Revelations acaba por ser um batido com sabores fortes, porém mal misturados e não inteiramente compatíveis entre si, proporcionando uma sensação interessante num primeiro trago, mas deixando um último rasto agridoce que não desaparece.

3/5
0 comentário
1

Related News

Deixa Um Comentário