Crise de identidade, moda da atualidade
Arriscando passar a falácia de que este filme é coreano, talvez seja útil informar que na verdade este filme é francês mas passa-se inteiramente na Coreia do Sul, sendo uma coprodução entre vários países, o que eleva ainda mais a sua busca pelo tema a que se propõe: a identidade.
Retour à Séoul conta a história de uma jovem francesa de 25 anos que regressa à Coreia do Sul, o seu país de origem, pela primeira vez desde que foi adotada e levada para França. Após a chegada, inicia uma busca pelos seus pais biológicos que se prova mais complicada do que esperado.
Logo de partida tem de se reconhecer que esta é uma obra muito bonita tanto a nível estético como narrativo. É um filme que nos deixa confortáveis, relaxados e intrigados, mantendo-nos cativados através do seu ritmo e da sua apresentação cuidadosa, mas sem nunca nos perturbar demasiado com tensão a mais ou tramas manhosas de algum género. É muito simples na sua entrega, sem querer grandes floreados e dramatismos cliché, nem ambicionar algo mais do que o que sabe que é.
O único aspecto que vem questionar alguns pontos anteriores é a imprevisibilidade que apresenta. Esta é uma história que se vai desenrolando sem que permita que se adivinhe qual o seu próximo passo. Faz curvas narrativas um pouco arrojadas e interessantes, que podem ou não cair bem com o espectador. E a verdade é que esta sensação de encaixar bem ou não para cada um que veja o filme, paira ao longo destas duas horas. Obviamente que ser imprevisível é uma qualidade bem apreciada porque significa que o filme se arrisca a procurar onde menos se espera por respostas ou até mais perguntas sobre o que a protagonista necessita, tornando-se mais fresco e inovador. No entanto, esta imprevisibilidade, apesar de não afetar o conforto que o filme nos faz sentir, acaba por não justificar a sua presença a cem por cento, porque parece que a obra em si se prende na tal apresentação mais cuidadosa e no seu ritmo agradável e relaxado. Fica a ideia de que o argumento tem ambições bem maiores que o resto do filme não permite seguir. Mas não é necessariamente uma coisa má.
Uma razão para esta imprevisibilidade está na sua protagonista, maioritariamente, reacionária. Freddie, interpretada de forma exímia pela novata Park Ji-min, é uma personagem que está muito na ‘crista da onda’; vai por onde as coisas se desenrolarem e improvisa onde tem de o fazer. As únicas ocasiões onde toma alguma decisão são, admitidas pela própria, respostas às leituras que faz do mundo que a rodeia no momento, ou seja, improvisos de primeiro grau. Nunca existe um planeamento a médio/longo prazo e isso tanto responde às desaventuras e falhanços desta pessoa na vida, como traz uma sensação de inveja por talvez querermos viver a vida de forma tão livre como ela. Novamente a sensação de encaixar, ou não, para cada um.
Esta história tem também algumas fragilidades no que toca ao seu desenrolar até aos créditos. Apesar de ser bastante interessante como um todo, há certos dissabores que ficam até ao final. Por exemplo, Freddie procura os seus pais, com variados resultados, mas o filme nunca explora o porquê da mesma obcecar com a sua mãe mais do que com o seu pai, nem sequer deixa ao espectador pistas suficientes para poder tirar as suas próprias conclusões. Juntamente com isso, vem uma sensação de querer saber mais sobre o porquê de algumas das suas decisões ao longo deste filme, tornando-se as mesmas bastante caóticas e quase fora de personagem, o que pode alienar alguns, mas, talvez devido à imprevisibilidade do filme ou ao quão reacionária a personagem é, pode ser uma consistência para outros. E mais uma vez aparece a sensação de encaixar bem ou mal, de espectador para espectador.
No final de contas, este é um filme muito interessante e que dá vontade de rever, da mesma forma como cativa ao primeiro olhar. É uma excelente demonstração da procura pela identidade individual e da denominada ‘crise de um quarto de idade’, com uma personagem bastante relacionável mas que nos deixa a querer saber mais sobre ela, ficando tanto ou mais confusos que ela sobre quem a mesma é. Tenta mostrar a importância das origens, da família, dos amigos e colegas, para quem nós somos, mas não explora tanto o quão importante é a pessoa em si, o que gosta, o que a faz sentir bem, o que a faz sentir mal e o porquê de ser quem é hoje em dia. Mas toda esta confusão de fazer bem uma coisa e menos bem outra; de certas coisas que encaixam para uns e não para outros, sejam uma boa representação do que esta protagonista e este filme exploram: esta crise de identidade que muitos de nós passamos, mais tarde ou mais cedo, e que nos define para o resto da vida, apesar de assustar mais do que qualquer outra coisa.