Resurrection (2022)

de João Iria

O conceito de obter puro controlo sobre a própria vida vai sempre implicar domínio sobre restantes indivíduos, pois a natureza de livre-arbítrio exerce uma forte influência que apaga esse esforço por comando premeditado. Ainda que este desejo sobressaia devido a uma necessidade por segurança pessoal ou como uma forma de batalhar traumas do passado, o inevitável elemento tóxico propaga-se pelo corpo e retira a humanidade das pessoas. Existe uma lamentável e intrincada separação ínfima entre o carecimento por orientação e proteção, e entre o malévolo prazer de exercer controlo e possuir um ser humano ao transformar este numa criatura submissa. Resurrection explora precisamente essa complexidade e os seus trágicos efeitos cíclicos emocionais.

Essa exigência por controlo está presente em Margaret (Rebecca Hall), uma mulher disciplinada, cujo sucesso empresarial e familiar mantém-se consigo diariamente. Com uma filha, Abbie (Grace Kaufman), prestes a sair de casa para a universidade, Margaret enfrenta a preocupação e medo de libertar a jovem da sua posse para um mundo cruel, e para as possíveis mãos de uma assustadora figura do seu passado, David (Tim Roth), que regressa à sua vida com uma misteriosa notícia que acorda demónios adormecidos.

Realizado por Andrew Semans, Resurrection é uma poderosa e audaz longa-metragem de terror psicológico, despida de receios em relação à reação da audiência e disposta a arriscar com crença total na sua estranha premissa e no seu legítimo valor dramático. Esta narrativa sobre o devastador declínio mental de uma mulher, revela-se intensamente perturbante na sua realização metodicamente contida que coloca o público a caminhar nos passos de Margaret, com a lente a acompanhar a sua destruição física e mental, sempre da sua perspetiva. Esta escolha permite uma acessível abertura de caminho para empatia, proibindo a revelação de informação para além daquela que Margaret detém, para que o espectador sinta profundamente todo o seu desconhecimento e sofrimento.

Os incríveis elementos técnicos demonstram essa perspicaz abordagem na realização, elaborados para criar uma sensação permanente de angústia e ansiedade, que enaltece a história sem distrair da viagem desta protagonista. Desde a impecável banda sonora de Jim Williams até à engenhosa fotografia de Wyatt Garfield, estes componentes são executados subtilmente o suficiente para um único take de 8 minutos passar despercebido durante um close up de Rebecca Hall, onde a atriz é lentamente apagada pelas luzes ao seu redor, restando somente uma figura assolada e desvanecida pelas memórias do seu passado. A partir deste momento, o conforto construído inicialmente pela personagem no primeiro ato revela a sua fragilidade, simultaneamente com a impetuosidade do argumento.

Andrew Semans tece uma obra tenebrosa com compreensão da sua completa dependência no talento da protagonista. Sem retirar o crédito merecedor do realizador e argumentista, este, inteligentemente, cria espaço para Rebecca Hall florescer como Margaret e deslumbrar a audiência com a sua extraordinária performance. A produção está construída em torno da atriz principal e Hall marca uma das melhores atuações deste ano, recordando novamente o louvor da sua técnica e o motivo de ser uma das artistas mais subvalorizadas do palco cinemático. Defrontando o temível David, com Tim Roth a desenvolver um dos antagonistas mais arrepiantes do género de terror, a dupla de atores prende o público nos seus diálogos, e arquitetam uma antecipação bizarra para um terceiro ato absolutamente inesquecível.

Uma existência sempre perto do colapso que rivaliza o conceito de controlo e o representa como auto-destruição fatal, Resurrection atravessa uma jornada arriscada, capaz de afugentar audiências pelas suas decisões narrativas. Contudo, a sua destreza emocional e o seu compromisso íntegro perante a história garantem uma experiência avassaladora, que deixa o público sem controlo das suas emoções.

4/5
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1 comentário

Lin de varga 2 de Junho, 2023 - 15:57

O que subjaz é o impossível de recuperar-se no âmbito do mecanismo cerebral. Traz-se essa possibilidade e só a ficção para fazê-lo. Mas tem-se que argumentar que mesmo o que está nas conexões de sinapses é,igualmente, ficção. Então um exercício diferente, de um resgate( ?) visceral. Um parto, por assim dizer. Interpretações boas de ambos os atores, reconhecidamente competentes.
Tudo se pode escrever; tudo se pode filmar.

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