Rescaldo da 10ª Edição da Comic Con Portugal: As Promessas Cumpridas e as que faltaram cumprir

de Francisca Tinoco

A viagem da décima edição da Comic Con começa em maio de 2023, quando a organização anuncia que o evento voltará à sua primeira casa: a Exponor em Matosinhos. Na altura, o CEO Paulo Rocha Cardoso faz a promessa que este marco dos dez anos irá ser celebrado com a maior e melhor edição da convenção de sempre.

Aos poucos, o evento começa a ganhar forma, à medida que os convidados vão sendo anunciados e a oferta de espaços e atividades revelada. Em antecipação à chegada da convenção, a organização dinamiza iniciativas temáticas com apoio institucional das câmaras de Gaia, Porto, e Matosinhos, como o Batman Day, várias antestreias e passatempos para os mais novos um pouco por toda a zona do Grande Porto. Numa conferência de imprensa a dois dias do começo da décima Comic Con, Paulo Rocha Cardoso propõe um evento mais dinâmico, inclusivo e com maior responsabilidade social. Serão, também, dez palcos diferentes, e recordes de área ocupada com 200 mil metros quadrados de espaço para todos os convidados, visitantes, expositores e comerciantes que passarão pela Exponor entre 21 e 24 de março de 2024.

Avançamos para a manhã de domingo, dia 24, o último dia da Comic Con 2024, em que o CEO, em conferência de imprensa convocada no dia anterior, afirma que sábado, dia 23, registou o maior número de visitantes de sempre na Exponor (não são providenciados números em concreto, nem garantias de datas ou locais para a edição seguinte). Acompanhado de Inês Lopes da Liga dos Super-Hérois, Rocha Cardoso revela, também, em exclusivo, que a marca Comic Con irá expandir-se numa espécie de spin-off direcionado para as crianças: Comic Con Kids Power Camp. Segundo os organizadores, é ainda apenas um conceito, mas o objetivo é lançá-lo a curto prazo, o mais tardar em 2025, e trazê-lo, em formato itinerante, ao máximo de cidades possíveis por todo o país. O futuro evento pretende fomentar a consciência e a confiança no super-herói presente no interior de cada jovem.

Voltando à Comic Con de 2024, é nos possível fazer uma reflexão que põe em evidência o declínio da importância, para os visitantes, dos talentos internacionais, e, em contraste, uma priorização da experiência em comunidade e de espaços como o Cosplay Stage e o Gaming Stage.

Para contexto, esta edição contou com um cartaz de estrelas cujos êxitos se encontram maioritariamente num passado relativamente distante. Evanna Lynch é conhecida pelo seu papel na franquia Harry Potter entre 2007 e 2011, Finn Jones atrai fãs de Game of Thrones e das séries Marvel, Iron Fist e The Defenders, pelas quais passou entre 2011 e 2018, e Ed Westwick continua a surfar a onda do fenómeno Gossip Girl, uma série que estreou em 2007. Em contraste, André Lamoglia (Elite), Anna Shaffer (The Witcher), Raymond Lee (Quantum Leap), e o realizador Juan Carlos Fresnadillo (Damsel) estão ligados a projetos mais recentes, mas também mais pequenos – tanto em escala como em fanbase. O resultado foram auditórios meios cheios ou, em certos casos, com um terço da capacidade total ocupada pelos visitantes da Comic Con – uma diferença muito marcante relativamente aos dois painéis mais populares desta edição. O já recorrente concerto da Lisbon Film Orchestra que toca na Comic Con desde 2017, e a segunda presença consecutiva do elenco de Taskmaster, o game show da RTP, trouxeram o maior número de pessoas até ao Golden Theater da Exponor. Algo que nem uma estrela de Harry Potter conseguiu fazer.

Olhando para o elemento principal da Comic Con – os fãs – é mais que evidente o shift para a cultura asiática. Num evento em que, em 2014, 2015 e 2016, não se podia andar um metro ser ver uma Katniss Everdeen, uma Eleven, uma Daenerys Targaryen, ou um Deadpool, agora só se encontram, praticamente, cosplayers de anime. Estreias recentes de enorme protagonismo na cultura pop ocidental como Dune, Barbie, House of the Dragon, ou até The Witcher mal se viram pelos cantos e corredores da Exponor. Desta década dos novos loucos anos 20, só mesmo os filmes animados do Spider-Verse é que parecem conseguir competir com o fenómeno anime. Até as próprias bancas de artistas e merchandise no Artists’ Alley e Geek Market, reinadas antes pela Marvel, DC, Hunger Games e Game of Thrones, estiveram, este ano e em 2022, dominadas pelas séries japonesas e o mundo do pop sul-coreano. Uma alteração não negativa ou positiva, mas extremamente interessante e surpreendente para quem acompanha a Comic Con Portugal desde o seu nascimento. É clara a dissonância entre os visitantes e os seus interesses e a oferta na programação do evento, ainda altamente centrada no mundo do entretenimento Ocidental (por razões compreensíveis até no que respeita questões logísticas e barreiras de linguagem).

Ainda assim, o público não deixou de se deslocar até ao evento, desfrutando das 220 horas de programação, 35 ativações e a presença de 150 marcas. O objetivo da Comic Con é, afinal, reunir pessoas com os mesmos interesses num ambiente livre de preconceito e marcado pela celebração da cultura geek, sejam quais forem as suas origens. Apesar da variedade de marcas ligadas ao entretenimento com bancas espalhadas pelo recinto, notou-se a ausência de marcos como a HBO (agora Max) e a Netflix, mas os visitantes puderam, mesmo assim, ocupar o seu tempo a jogar jogos de tabuleiro ou jogos de arcada, a ganhar brindes que iam desde a comida à roupa, e, claro a participar em desafios ou oficinas de cosplay, danças TikTok ou danças K-Pop.

Em termos de organização, não seria descabido afirmar que a grande maioria das pessoas que passaram pela Exponor nos últimos dias concordarão que, dos três espaços que a Comic Con Portugal já habitou até hoje, este centro de exposições no Norte de Portugal proporciona as melhores condições. Espaços amplos, muito bem articulados entre si e com infraestruturas como casas de banho e cafés/bares em maior número e mais facilmente acessíveis. O Golden Theater este ano contou, inclusive, com um bar próprio dos Cinemas Nos e dinamizações pelos YouTubers Cara Coroa que mantinham o público entretido entre painéis, utilizando ao máximo as potencialidades daquele que é o palco principal da Comic Con. A Exponor falhou apenas na ventilação dos três principais pavilhões que, na enchente de sábado, se tornaram abafados e até com mau cheiro. O Food Court, cuja oferta se caracterizou pela abundância de fritos e street food, teria beneficiado também de uma maior corrente de ar uma vez que desde o primeiro dia se criou uma nuvem cinzenta de fumo no topo daquele local fechado.

Apesar de um cartaz internacional sem grande influência, todos os convidados, sem exceção, mantiveram uma atitude muito aberta e carinhosa para com os fãs, respondendo de bom grado a todas as suas perguntas. Pode parecer ridículo apontar este feito, uma vez que é o trabalho deles respeitar o seu público enquanto motivadores principais da sua carreira, mas surpreendentemente não é sempre esse o caso.

No geral, num evento que já trouxe a Portugal grandes nomes da cultura Pop como Millie Bobby Brown, Natalie Dormer, Cobie Smulders, ou Zachary Levi, o cartaz deste ano não conseguiu competir. Ainda assim, houve melhorias nas infraestruturas e organização relativamente à edição passada, e mantém-se, graças à enorme afluência de sábado, uma noção clara de que há procura e desejo para uma experiência como a Comic Con em Portugal. Este é um projeto que tem potencial para muito mais e, esperemos, para muitos anos, também.

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