Mais uma vítima da Covid-19, Raya and the Last Dragon deveria ter chegado às salas de cinema por volta do final de Novembro passado e em vez disso foi despejado na Disney + passados quase 6 meses, tentando seguir a formula de sucesso que acabou por ser a disponibilização de Mulan (2020) no serviço de streaming do Rato.
Felizmente e (MUITO) ao contrário de Mulan, a jornada de Raya pelas terras desoladas de Kumandra na busca do último dragão vivo e última esperança de restabelecer a paz e a coexistência dos povos do reino, deixa a clara sensação que merecia o pagamento do bilhete de IMAX, uma sala cheia a cheirar a suor e um balde de pipocas gigante que não chegam ao fim dos trailers.
Apesar de alguma facilidade narrativa no desenvolver da história e algum humor que, a espaços, se pode tornar algo cansativo – com toda a relatividade que o humor acarreta – o filme co-realizado por Don Hall de Big Hero 6 (2014) e Carlos López Estrada de Blindspotting (2018) é o melhor filme a sair dos Walt Disney Animation Studios nos últimos 5 anos.
A qualidade da animação já é a de esperar, mas não a demos como garantida. A beleza e diversidade dos diferentes cenários mágicos de Kumandra – com uma atenção ao detalhe que vai desde os diferentes designs da sua população e o seu guarda-roupa, ao próprio clima, arquitetura, costumes do reino e explosões de cor que claramente gritam Estrada – apenas é possível devido ao trabalho brilhante da equipa de animação do estúdio com uma ajuda preciosa da banda sonora de James Newton Howard que sabe como poucos dar uma densa textura musical às cenas mais empolgantes de qualquer filme.
Aquilo que falta a Raya and the Last Dragon em termos de criatividade no storytelling compensa com o gesto simples de ter o coração no sítio certo. Mesmo sendo uma história pautada por constantes conflitos culturais que muitas vezes se transformam em literais confrontos físicos de coreografia e fotografia absolutamente fabulosa, é um filme que com as suas personagens imperfeitas carrega uma mensagem tão banal como “mesmo discordando, podemos coexistir” e, num momento destes, uma banalidade como esta tem de ser recebida de braços abertos.
Folgamos também ver que Raya, tecnicamente a nova princesa da Disney, é uma mulher de perfil diferente do habitual no espaço Disney. Sim, há caraterísticas comuns: engenhosa, determinada, corajosa, o costume. Mas é também uma personagem amargurada, a aprender o luto e com pouco encanto pelos demais parceiros. Consegue assim a coisa mais importante de todas: faz-nos sentir próximos. Faz-nos partilhar a jornada. Mostra-nos que, tal como Raya vai descobrindo, há beleza a ser encontrada no nosso amigo mais íntimo ou no estranho que nada mais tem em comum contigo além da espacial e que, acima de tudo, somos sempre, mas sempre, mais fortes unidos. Banal, como disse, mas relevante.
Raya and the Last Dragon está longe do brilhantismo, mas é um filme que dá coisas diferentes a crianças, jovens e adultos. Com a toda a sua riqueza visual, tem também algo belo e sincero no seu âmago. Uma história de fácil empatia, excelente entretenimento e bom humor. Ótimo para ver em família num domingo de confinamento. É esse tipo de filme. E ainda bem.