Ranked: Tim Burton

de Pedro Ginja

Goste-se ou não de Tim Burton, não há como negar a sua capacidade para criar e incorporar a sua visão pessoal nos seus projectos. É usual associar o termo gótico a tudo o que faz fruto do romanticismo exacerbado das suas personagens e do fascínio pelo macabro. Importante ainda referir a sua capacidade de falar sobre temas desconfortáveis como a morte, suicídio e violência, usando o humor negro como forma de não o levarmos demasiado a sério e sim como parte integrante da vida ou a ironia e a sátira como reflexão e comentário à sociedade em que vivemos. Mas como é que Tim Burton, que todos conhecemos, se tornou no que é hoje? Como desenvolveu o seu estilo artístico tão próprio?

O primeiro escape artístico de Tim Burton, desde muito cedo, foi o desenho. Desde tenra idade pegava no seu caderno e dava azo à sua imaginação. Era algo natural para ele mas não via nos outros, principalmente nos adultos e nas suas expectativas, nenhum tipo de ligação ou motivação para continuar. Por crescer numa zona de subúrbios de Burbank, no estado da Califórnia, tudo lhe parecia extraterrestre e bem diferente do que a sua imaginação conjurava na sua mente. É dessa sensação de exílio nos seus pensamento, durante os anos formativos, que vem muito do que o torna único e tão apreciado por esse mundo fora, especialmente quando trabalha despido das constrições associadas com o que é considerado “normal”. É no desenho que encontra o seu porto de abrigo para explorar e crescer como artista.

Essa afinidade com o desenho logo se transforma numa imensa paixão por animação. Em parte por entrar em contacto com o trabalho de Ray Harryhausen – não o pioneiro, mas o principal impulsionador da animação stop motion – durante as suas constante idas ao cinema durante a infância e a adolescência. O primeiro filme que viu do animador foi Jason and the Argonauts (1963) e desde aí essa sensação de maravilhamento com esse tipo de animação nunca mais desapareceu. Mas Burton não bebeu apenas dessa fonte de inspiração aproveitando também o manancial de filmes dos monstros clássicos da Universal, filmes B de ficção científica, mas também outros que vinham de locais mais distantes, como os clássicos dos Hammer Studios no Reino Unido, os filmes dos estúdios Toho do país do sol nascente ou os grandes mestres do expressionismo alemão dos anos ’20 e ’30. Todo este absorver de conhecimento e de diferentes influências visuais foram essenciais para ganhar vários concursos de arte até aos 15 anos de idade, incluindo um que recorda com especial carinho, em que um dos prémios foi ter um desenho seu a adornar uma camioneta do lixo na sua zona de residência. Quem sabe rir de si próprio só pode ser boa pessoa.

Foi sem surpresa que, após o secundário, ingressou no California Arts Institute (Cal Arts) uma escola fundada por Walt Disney para formar a próxima geração de animadores, e que contou nas suas fileiras com nomes como Glen Keane, Henry Selick, Brenda Chapman ou Rob Minkoff. Foi por isso, sem grandes surpresas, convidado a integrar a equipa de animação dos estúdios Walt Disney como aprendiz de animação, após verem a sua curta de animação Stalk of the Celery Monster (1979), juntando-se a lendas como John Lasseter e Brad Bird sedentos de mostrar o seu talento. Desde logo se apercebeu que o seu estilo não casava com os projectos desse tempo como The Fox and the Hound (1981) e The Black Cauldron (1985), sendo relegado para um lugar menor a fazer concept art. O tempo livre permitiu-lhe, no entanto, passar muito tempo a desenvolver o seu estilo em projectos como Vincent (1982), produzido pela Disney, em que professa a sua admiração por Vincent Price (narrado pelo próprio) e que é claramente inspirado na sua infância, mas que nunca foi distribuído comercialmente ou em festivais. O mesmo aconteceu com Frankenweenie (1984), voltando novamente à infância, mas deste vez em imagem real, com uma história sobre um rapaz que ressuscita o seu cão. Era claro que os estúdios Disney não sabiam bem o que fazer com Burton e acabaram por despedi-lo. As boas notícias não tardaram, no entanto, com um ex-colega na Cal Arts chamado Paul Reubens a gostar do seu trabalho na Disney e a convidá-lo para realizar a sua primeira longa-metragem baseada no alter-ego de Reubens – Pee Wee Herman. E o resto, como costumam dizer é história.

É tempo agora de deixar cada um dos filmes realizados por Tim Burton falar por si, do pior para o melhor. Aproveitem a viagem e, como diria Tim Burton, “não a levem demasiado a sério”.

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19. Planet of the Apes (2001)

“Take your stinking hands off me, you damn dirty human”

A franchise Planet of the Apes e a sua continuação estiveram sempre no pensamento de Hollywood desde o final da saga original nos anos ’70. Na década seguinte houve tentativas para a reanimar mas que não deram em nada. Finalmente a partir de 1988 tudo acelerou mas manteve-se num limbo de indecisão por cerca de 12 anos. Nomes conceituados da indústria como Peter Jackson, Sam Raimi, Oliver Stone, Chris Columbus, Roland Emmerich e mesmo James Cameron estiveram em conversações para participar na produção, até que em Fevereiro de 2000 optaram finalmente por Tim Burton. Antes de começar estava já amaldiçoado. O excelente trabalho de maquilhagem de Rick Baker é evidente, mas submergiu as caras dos actores com grandes quantidades de látex e espuma, o que acabou por ditar uma grande falta de expressividade por quase todo o elenco, com as excepções de um Tim Roth imponente na intensidade vocal e por Paul Giamatti pela sua notável subtileza em revelar as suas emoções. A isto juntou-se um casting desastroso do lado dos humanos, com o seu actor principal, Mark Wahlberg, incapaz de competir mesmo com o controlo total da sua face, e Estella Warren sem um pingo de carisma. O maior erro acaba por ser o facto do argumento priorizar o lado da acção e colocar as preocupações ambientais e sociais em segundo plano, o elemento-chave que diferenciou a “quintologia” de filmes originais. O imperdoável, no entanto, é a diluição da essência de Tim Burton, que surge como um realizador tarefeiro de um blockbuster de acção centrado numa fuga de uma prisão onde os clichês e a testosterona abundam. Não é por isso surpresa ocupar a última posição nesta lista.

 

18. Alice in Wonderland (2010)

“How can I be the wrong Alice when this is my dream?”

A sensação de que algo não bate certo é um sentimento que prevalece desde os primeiros segundos de Alice in Wonderland. Todos os pontos fortes de Tim Burton estão presentes, como uma inspirada banda sonora de Danny Elfman, o excelente trabalho de design de arte, figurinos e maquilhagem, a sua dupla de interpretação de eleição em Johnny Depp e Helena Bonham-Carter, e um apuro visual em que se reconhece a sua influência. Tinha tudo para dar certo mas parece desprovido de um coração a bater por detrás de todo o artifício visual e sonoro. Reconhecemos a mão do realizador, mas este surge sanitizado, quase que engolido pela máquina Disney, sedenta de tornar todo o seu catálogo de animação em filmes de imagem real, e que no processo se esquece do lado emocional e artístico que inspirou todos os seus clássicos de animação. O que resultava no género animado falha nesta adaptação, demasiado dependente do uso excessivo de CGI, para construir este mundo. Isto é particularmente evidente nas personagens mais fantasiosas, como o Chesire Cat e Absolem. Outras surgem grotescas e disformes, quase saídas de um outro mundo que não reconhecemos, como os gémeos Tweedledee e Tweedledum. Um tremendo êxito de bilheteira, mas um fracasso para todos os fãs do original e do livro de Lewis Carroll.

 

17. Pee Wee’s Big Adventure (1985)

“You don’t wanna get mixed up with a guy like me. I’m a loner, Dottie. A rebel.”

Uma série de acasos determinaram que Paul Reubens, o actor por detrás do seu alter-ego Pee Wee Herman, escolhesse Tim Burton para realizar a sua primeira longa-metragem. E ainda bem que assim aconteceu, apesar do resultado final não ser o mais desejado. Existem bastantes momentos inspirados nesta estreia em longa-metragem de Tim Burton, principalmente o facto de certas sequências nos lembrarem dos tempos áureos da comédia física (Laurel & Hardy, Irmãos Marx, etc.) e as referências visuais de Tim Burton a despontar em todo o seu esplendor. Acaba, no entanto, por parecer apenas um desenrolar de ideias desconexas que juntas não criam um argumento capaz de nos ligar à história e às suas emoções. O que todavia o torna um filme medíocre é a sua estrela/persona Pee Wee, interpretada por Paul Reubens. É muito difícil relacionarmo-nos com uma personagem cuja missão e, arrisco dizer, sentido da vida, é recuperar uma bicicleta roubada. O facto de todos as personagens secundárias, com excepção do igualmente irritante Francis (Mark Holton), parecerem manietados para dar lugar à glorificação de alguém com as prioridades de uma criança petulante não ajuda a torcer por este Pee Wee’s Big Adventure.

 

16. Big Eyes (2014)

“Would you rather sell one $500 painting or a million cheaply reproduced posters? See, folks don’t care if it’s a copy. They just want art that touches them.”

Big Eyes é um caso raro na filmografia de Burton, como um dos poucos em que uma mulher está no centro da história. Uma artista, de nome Margaret Keane (Amy Adams), silenciada e “roubada” da sua identidade artística pela pessoa que a deveria proteger acima de tudo, o seu marido Water Keane (Christopher Waltz). O filme opta por uma progressão linear, académica e competente, mas na qual pouco se vislumbra da persona de Burton. Quase parece uma alegoria da sua carreira nesta altura, entre trabalhos para a Disney, em que parece esbater a sua visão artística, ou mesmo desaparecer no seu trabalho, para fazer brilhar outros, como é aqui dolorosamente evidente. Quem tem essa honra aqui é Christopher Waltz, como um carismático e asqueroso Water Keane, que nos consegue fazer amar e odiar a sua personagem num espaço de meros segundos. Nada de mal por aqui, mas também muito pouco de verdadeiramente memorável. Fica a visão feminista de uma artista, a única em toda a obra de Burton, e uma recriação pristina dos anos ’50, campo de luta inglório para tantas mulheres do passado esquecidas na sombra do marido toda a vida.

 

15. Charlie and the Chocolate Factory (2005)

“Everything in this room is eatable, even I am eatable! But that is called “cannibalism”, my dear children, and is in fact frowned upon in most societies”.

É impossível não reflectir no que esta adaptação do livro de Roald Dahl podia ter alcançado com um pouco mais de coragem e de liberdade criativa total por parte dos envolvidos no projecto, mas continuo a acreditar que este não é um mau filme. A começar pela banda sonora, com um destaque especial para as canções/letras compostas por Danny Elfman que usa o melhor das letras escritas por Roald Dahl no livro e as suas ecléticas inspirações musicais, para criar um conjunto de números musicais excepcionais e em que o brilhante trabalho de cenografia e guarda-roupa têm também uma palavra importante a dizer. O Willy Wonka de Johnny Depp não recolhe grandes simpatias quando comparado com a icónica interpretação de Gene Wilder em Willy Wonka & the Chocolate Factory (1971), assente num equilíbrio sublime entre charme e loucura. Toma, no entanto, a decisão correcta ao ignorar o que veio antes e em focar-se num Wonka onde domina o desconforto e a alienação do mundo que o rodeia. A eterna criança presa num corpo de adulto que lhe valeu comparações com Michael Jackson e o ódio de uma legião de fãs do cantor. Destaque ainda para Deep Roy, pela sua dedicação extrema ao interpretar todas as 165 versões de Oompa-Loompas que surgem no filme. Isto significa que foi responsável por cantar e dançar em todos os grandes momentos musicais. Os problemas, no entanto, existem, como um argumento episódico, onde a atenção se dispersa em demasia por sub-histórias desnecessárias, e um uso exagerado de CGI que torna o filme demasiado plástico e frio. O próprio final é quase idêntico à obra de Roald Dahl, quando as diferenças impostas no argumento pareciam indicar um caminho mais radical, extremo e bem mais amargo.

 

14. Dumbo (2019)

“You have something very rare. You have wonder. You have mystique. You have magic.”

Concordo no maravilhamento e na mística desta produção da Disney, mas falta aqui muita da magia apenas possível de ser conjurada com a animação tradicional. De uns eficientes 64 minutos da versão original de 1941, passamos para os 112 desta adaptação o que acaba, inevitavelmente, por expandir o seu universo e, por consequência, complicar o que era simples na primeira versão. A introdução de demasiadas personagens acaba por diluir o tempo de cada uma e poucos têm espaço de ser mais do que meros adereços para a história. Os exemplos maiores são Michael Keaton como o magnata sem filtros V.A Vandevere e Danny DeVito como Max Medici, o mestre-de-cerimónias do circo, que rouba cenas e gargalhadas nos breves instantes em que surge. Mas a maior de todas, como só poderia ser, é Dumbo uma das mais impressionantes criações CGI dos estúdios Disney, pleno de magia e emoção bem espelhados naqueles olhos azul-bebé. É de louvar o argumento por tentar percorrer caminhos diferentes onde o destaque recai sobre o maior espectáculo do mundo, maravilhoso na sua grandiosidade, mas onde não se evita colocar o dedo na ferida de séculos de exploração animal, onde os seus direitos eram ignorados para nosso entretenimento. A elegância e graça deste espectáculo é posto em evidência pela fotografia de Ben Davis, o guarda-roupa deslumbrante de Coleen Atwood e pela banda sonora particularmente emotiva com que Danny Elfman nos brinda. Com o avançar da história acaba por optar por uma abordagem demasiado moralista, sem grandes nuances e termina com um final caótico e desproporcional ao que a simplicidade de Dumbo pedia. Ainda assim, este é entretenimento puro como só a Disney e Tim Burton, ainda, nos podem proporcionar.

 

13. Miss Peregrine’s Home for Peculiar Children (2016)

“We don’t need you to make us feel safe, Jake. Because you made us feel brave. And that’s even better.”

Tim Burton viu em Ransom Riggs, o autor do livro com o mesmo nome sobre o qual este filme se baseia, uma alma gémea. Nele, o autor, conduz a narrativa através da sua interpretação de um conjunto de fotografias antigas (reveladas no livro) e em que a sua imaginação era o limite, sentimento bem familiar para Burton. Os temas basilares da história também lhe eram queridos como a mistura de referências visuais, a eterna luta do bem contra o mal, o apreço pela fantasia e de “monstros” incompreendidos, mas é o respeito pelo material original que guia, e bem, o argumento escorreito de Jane Goldman em Miss Peregrine’s Home for Peculiar Children. Poderá não ser o filme mais inspirado narrativamente dos projectos de Burton (os buracos e caminhos sem saída no argumento são mais que muitos) mas é aquele em que sentimos uma liberdade maior nas escolhas visuais, arrojo nas decisões das personagens (destaque para Barron o vilão criado por Samuel L. Jackson), sem julgamentos ou moralidade, e um respeito maior pelo público a que se destina – as crianças – sem condescendência ou falinhas mansas.

 

12. Dark Shadows (2012)

“Here are my terms: Goest thou to hell, and swiftly please, and there may Azmodaeus himself suckle from your diseased teat!”

O sentimento de que Tim Burton está de volta é uma realidade no início de Dark Shadows. De estarmos numa trágica história de amor entre duas almas gémeas, ancorada num passado distante e vivida nuns “psicadélicos” anos ’60 (tem lava lamps claro), e onde a veia gótica e o humor negro de Burton podem brilhar. A isto junta-se Johnny Depp, como Barnabas Collins, um vampiro sedento de vingança que regressa a um mundo que desconhece e no qual é um peixe fora de água. O humor negro, roçando o violento, perturbador e silly q.b., assenta que nem uma luva neste universo e conquista o espectador desde o início. As decisões, no entanto, começam a piorar à medida que o argumento se desenvolve. Salva-se, no final, apenas Angelique Bouchard (Eva Green), a única personagem que tem o fim que lhe é devido, que aliado ao brilhante trabalho sonoro, criam um momento que, ainda hoje, vive nos meus pesadelos. Pena é o que acontece nas entrelinhas com twists inexplicáveis, diálogos cringe e um plano final de bradar aos céus. WHY?!.

 

11. Batman (1989)

“Oh, a little song, a little dance. Batman´s head on a lance”.

Quando este filme começou a ser pensado, e depois transportado para a realidade, não havia nenhuma fórmula para construir um filme de super-heróis bem-sucedido. Tudo mudou graças a Tim Burton e à sua visão de Bruce Wayne AKA Batman, o primeiro do seu género e o percursor que abriu caminho a todos os que viriam depois dele. Durante a noite, Batman, um protector dos mais fracos que combate o crime; durante o dia, um playboy mimado chamado Bruce Wayne. Esta dualidade necessitava de um actor capaz de abraçar o lado negro da violência e, ao mesmo tempo, o lado carismático e cómico da existência despreocupada de um milionário excêntrico. Consegue-o com um inspirado Michael Keaton que abraça a vida dupla de Batman/Wayne como se de uma segunda pele se tratasse. A juntar a isto, temos The Joker, interpretado pelo brilhante Jack Nicholson, que surge totalmente liberto de amarras na sua visão demente e caótica de um vilão; uma brilhante banda-sonora clássica de Danny Elfman e um argumento carregado de twists inesperados (às vezes em exagero) mas que deixam o espectador num estado de ansiedade constante. Nem todos os diálogos ou efeitos especiais envelheceram bem, mas o equilíbrio entre o flair visual de Tim Burton; a cenografia icónica Art Deco criada por Anton Furst para Gotham City e dos inúmeros gadgets de Batman; o sentido de humor camp e anárquico das suas personagens e a criação de uma atmosfera negra de terror mudaram o paradigma do blockbuster de acção de Hollywood para uma nova geração.

 

10. Mars Attacks! (1996)

“Why can’t we work out our diferences? Why can’t we work things out? Little people, why can’t we all just get along?”

Poderá não ser conhecimento de todos, mas Mars Attacks! foi um êxito de bilheteira em toda a Europa enquanto que nos EUA o fracasso foi tão colossal que levou ao cancelamento da versão de Super-homem realizada por Burton e em que Nicolas Cage iria interpretar o papel principal. Se dúvidas houvessem, este resultado é prova óbvia que os americanos têm muita dificuldade em se rirem deles próprios. No que aparenta ser o elenco com maior rácio de estrelas/talento de sempre, esta homenagem aos clássicos B de ficção científica dos anos ’60 opta por não se levar nada a sério e é bem melhor por isso. O sentido de humor sádico e perverso domina e quando parece estar a pisar o risco, é compensado com momentos de pura diversão, diálogos cheesy e sardónicos, onde nada nem ninguém, humano ou marciano, está livre de ser julgado sem piedade. Poderá não ser para todos os gostos, mas os abençoados com sentido de humor serão recompensados com um sorriso rasgado na cara.

 

9. Sleepy Hollow (1999)

 “The Horsemen comes, and tonight he comes for you”

Baseado num romance de Washington Irving, esta é a história ideal para a afinidade indiscutível de Tim Burton para com o ambiente gótico, tanto na cosmopolita Nova Iorque, do virar do Séc. XIX, como na pequena aldeia perdida no meio do nada. É na cenografia, no guarda-roupa marcante e na construção dos elementos definidores de cada localização que Sleepy Hollow brilha mais intensamente, com destaque nos detalhes religiosos/pagãos que servem de base para uma história como há muito não se vê no cinema actual. As sequências de cada ataque do nosso vilão são também de notar, sempre com uma acção apurada, uma pitada de comédia certeira e uma irreverência tão característica do realizador neste seu período inspirado de criação. Onde por vezes a história se desequilibra é nas voltas que dá durante o processo de investigação, nem sempre escolhendo o melhor caminho, e explicando mais do que devia na longa sequência final. Johnny Depp é notável na maneira como reveste a sua personagem de inúmeros tiques, expressões exageradas e reacções inesperadas, muitas delas pouco abonatórias para um herói, sem perder o favor do espectador. A galeria de intérpretes secundários é notável no lado masculino, mas a pouca atenção dada ao lado feminino da história, com Miranda Richardson a sofrer particularmente, acaba por desequilibrar também a conexão e a química entre Depp e Christina Ricci.

 

8. Frankenweenie (2012)

“It’s okay, boy. You don’t have to come back. You’ll always be in my heart”

A fase Disney de Tim Burton não é particularmente feliz, mas há um oásis do espírito gótico de Burton nesse deserto de inspiração que foi esse período da sua carreira. Falo, claro, do remake da sua curta-metragem filmada durante o início de carreira na Disney como animador em 1984, agora no formato longa-metragem de animação – Frankenweenie. Pegando em material perto do seu coração e aliando-o ao seu grande amor por animação stop motion, Burton cria uma história simples sobre uma criança e o amor pelo seu cão. Um amor sem limites que transcende o limiar entre a vida e a morte. A progressão narrativa é simples, mas os temas discutidos estão longe de o ser. Há uma reverência para com o passado do terror, bem evidente na belíssima fotografia a preto e branco, e nas constantes piscadelas de olho aos seus principais intervenientes, os monstros, mas sem nunca cair na repetição de ideias ou conceitos. O que o torna especial, no entanto, é o cunho pessoal dado pelo realizador, em que revisita os sentimentos de solidão, aceitação e amor, sempre presentes na sua obra, de uma perspectiva assente na inocência do macabro. Será difícil conter as lágrimas nesta montanha russa de emoções, mas a verdadeira alegria é ver novamente Burton conectado consigo próprio.

 

7. Corpse Bride (2005)

“Tell me, my dear, can a heart still break once it’s stopped beating?”

Foram precisos mais de 10 anos para o regresso de Tim Burton ao stop motion, depois da sua participação como produtor e criador do design das personagens e história em Nightmare Before Christmas (1993) de Henry Selick. O stop motion é um nicho da indústria da animação apreciado por tantos, mas que implica um investimento de tempo gigantesco de produção, que neste caso resultam em 77 minutos de filme, mas que compensam de sobremaneira a obra. Co-realizado com o auxílio de Mike Johnson, Corpse Bride marca o regresso de Tim Burton ao universo que lhe sai mais natural, a animação, e conjura um filme delicioso sobre o poder do amor. Em primeiro plano, os ostracizados da sociedade, que neste caso são os mortos, e onde se revela o seu sentimento de revolta, perante os que ainda vivem, sobre o monopólio do amor. Exato, leram bem: os mortos também têm direito a amar, segundo Tim Burton. Os corpos longos e esguios, tão característicos do design de Burton, onde se vislumbram impressões digitais e pequenas imperfeições, estão meticulosamente construídos e animados criando uma aura de fascínio só possível com esta arte, sempre anunciada como quase extinta, mas que continua a florescer graças a paladinos que não a deixam morrer. A própria irreverência de Burton, em que questiona o que é considerado normal em sociedade, é aqui particularmente evidente, como o que é considerado belo, o que merece ser amado ou o desejo comum a todos de querer ser visto pelo outro. Por detrás da fantasia, do terror e mesmo da morte, estão as respostas que precisamos para a nossa realidade. Uma belíssima e deliciosamente macabra fábula sobre o amor.

 

6. Batman Returns (1992)

“You’re just jealous because i’m a genuine freak and you have to wear a mask”

Outro raro caso de uma sequela melhor do que o filme que lhe deu origem. Três anos depois de Batman (1989), Tim Burton regressa ao universo da DC e melhora em quase todos os departamentos. Muito em parte porque em vez de um vilão memorável, temos dois. Por um lado Penguin, interpretado por Danny DeVito, levando a expressão “actor do método” a novos níveis de intensidade, perversão e realismo. Do outro, a Catwoman de Michelle Pfeiffer a mudar o paradigma do que é possível de fazer com uma vilã, sedutora e assustadora em igual medida mas com uma vulnerabilidade tocante a surgir amiúde. E ter ainda espaço para Christopher Walken brilhar num papel de um político playboy odioso, é obra. Quem acaba por sair prejudicado é Michael Keaton, secundário num filme com o seu nome, tal o amor dedicado aos misfits adorados de Burton. Poderá ser o perfeito filme natalício para quem vê a festa da família como um poço sombrio, cheio de dor e vazio de esperança, mas onde há sempre espaço para a sobremesa, demasiado doce e enjoativa como convém. E envelheceu bem melhor que o seu antecessor.

 

5. Beetlejuice (1988)

“Uhhh, Breakfast… Orange… Orange Beetle… Uh, Beetle Fruit… Beetle Breakfast… Uhhh, Beetle Drink… Uh Beetle, uhh, uhh, uhhh… Beetle Juice?”

Na sua segunda longa-metragem temos, pela primeira vez, Tim Burton livre de quaisquer amarras. A sua criatividade, carinho pelo macabro e por “pôr as mãos na massa” estão patentes em todo o seu esplendor. Certos efeitos especiais poderão parecer antiquados ou mesmo amadores, mas transpiram um charme ao qual é impossível resistir. É certo que nem todas as piadas e diálogos de Beetlejuice são relevantes nos dias de hoje, mas é inegável o carinho dado a cada uma destas personagens. Michael Keaton, como Betelgeuse, é a estrela, equilibrando charme, horror, comédia, repulsão e uma pitada de mau gosto para criar uma das personagens mais reconhecíveis do universo de Tim Burton (não é por acaso que terá uma sequela em breve). Depois ainda ter Winona Ryder, Geena Davis e Alec Baldwyn em pleno caminho para o estrelato e uma galeria notável de personagens secundárias com destaque para a expressividade intoxicante de Catherine O’Hara e Sylvia Sidney, recuperada por Burton, num papel curto mas delicioso. E a cena à mesa de jantar ao som de Day-O (The Banana Boat Song) de Harry Belafonte, vive eternamente, sem pagar renda, nos recantos da minha mente. Se pudéssemos encapsular Burton apenas numa cena, este seria o inevitável resultado final.

 

4. Big Fish (2003)

“I’ve been nothin’ but myself since the day I was born, and if you can’t see that it’s your failin’, not mine”.

Devido às constantes desilusões com tantos filmes que outrora considerava especiais, alguns deles do próprio Burton, o medo de perder mais um momento icónico numa sala de cinema, como a primeira vez que vi Big Fish, era real. A mente lógica e analítica que parece iniciar, sem pedido, na mente de um crítico, encontra, desde logo, imensos desequilíbrios na narrativa, como histórias paralelas sem sentido ou continuação, caindo no vazio; diálogos repetitivos e demasiado perfeitos ou personagens mais perto da ficção do que da realidade. Isto até a memória emocional activar e as pequenas peças soltas do puzzle, aparentemente sem sentido, encaixarem na perfeição como num abraço sentido de quem nos quer bem. Burton conjura aqui uma bonita homenagem ao amor paternal e lembra-nos que aquelas longas histórias, repetidas até à exaustão, outrora irritantes, são, com a idade, os momentos que lembramos com maior carinho. Parece seguro terminar com a frase “I’m not crying, you’re crying.

 

3. Ed Wood (1994)

“Why spend your life making someone else’s dreams?”

E se após o sucesso crítico e comercial de Edward Scissorhands (1990) e Batman Returns (1992), Tim Burton decidisse fazer um biopic sobre o proclamado pior realizador do mundo – Ed Wood? Parece ser a opção mais inusitada possível, explorar o fracasso após o sucesso incontestável, mas foi este o caminho escolhido pelo realizador. Quem já viu Ed Wood, cedo percebe o fascínio de Tim Burton por este homem, um amante confesso do cinema, sedento de mostrar a sua visão da 7ª Arte ao mundo. O fascínio por outsiders é a sua maior imagem de marca e esta comédia dramática sobre Ed Wood é a sua sentida homenagem ao poder do cinema, como arte, mesmo quando o produto final é duramente criticado – ao qual o próprio Tim Burton nunca esteve imune. Johnny Depp é o coração do filme ao interpretar o ingénuo Ed Wood como um idealista crente na igualdade de cada ser humano, numa altura em que ser diferente era uma sentença de morte. Não é por isso supresa este ser um dos realizadores mais amados da comunidade LGBTQIA+, e é pena que essa fama, que ansiava em vida, apenas tenha chegado após a sua morte. Com uma cinematografia a preto e branco reminiscente da Idade de Ouro de Hollywood e uma das últimas brilhantes interpretações de Martin Landau, como Bela Lugosi (justo vencedor do Óscar de Melhor Actor Secundário), são algumas das muitas razões para explorar um dos mais sentidos filmes de Tim Burton, cuja presença no top 3 só pode surpreender quem não percebeu o seu propósito – de superação e de nunca desistirmos dos nossos sonhos – mesmo quando somos os únicos que acreditamos neles.

 

2. Sweeney Todd: The Demon Barber of Fleet Street (2007)

“At last! My arm is complete again.”

Este é o filme que encerra o período de ouro de Tim Burton e da sua parceria com Johnny Depp. Foi de longe a melhor surpresa, pela positiva, nesta segunda passagem completa pela obra do realizador. A personagem de Sweeney Todd tem uma longa história que remonta já ao Século XIX com a publicação de uma série de livros. Seguiram-se peças de teatro e, nos anos ’80, um musical de enorme sucesso, criado por Stephen Sondheim e Hugh Wheeler, e que até aos dias de hoje continua a reaparecer na Broadway e no West End. É desta versão, inspirada no musical, que Tim Burton decide adaptar a história ao cinema ,e a paixão pelo barbeiro de Fleet Street é mais do que evidente. Os louros e elogios para esta excelente adaptação são de partilhar em inúmeras áreas, desde o elenco onde Depp e Helena Bonham-Carter reinam supremos, ao trabalho de cenografia sumptuoso aproveitando a sua intuição para o gótico e o equilíbrio perfeito, sempre difícil de manter num musical, de não deixar os números musicais sobreporem-se aos sentimentos e sensações que se querem transmitir. O que vemos é pura poesia do macabro nas letras de Sondheim regado a sangue suficientemente viscoso para deixar um impacto indelével no espectador, de êxtase, repulsa e deslumbramento. Um dos melhores filmes de Tim Burton e um dos mais injustamente ignorados da sua filmografia.

 

1. Edward Scissorhands (1990)

“Before he came down here, it never snowed. And afterwards, it did. I don’t think it would be snowing now if he weren’t still up there. Sometimes you can still catch me dancing in it.”

Os paralelos entre a história de Edward e a infância de Tim Burton são mais do que evidentes. Desde o sentimento de incompreensão no seu processo criativo, até à constante sensação de ser julgado pelos que os rodeiam ou a percepção inabalável de ser um outsider. São estas “dores” de crescimento os alicerces que estiveram na base da concepção deste projecto tão pessoal para Burton. Foi fundamental a colaboração com Caroline Thompson, que assina o argumento, para conter a avalanche de ideias do realizador e pela sua habilidade em “despir” a história do supérfluo mantendo sempre o foco no lado humano e sentimental de Edward. A ironia de a criatura mais humana neste filme ser alguém construído de raiz, um autómato, só lhe dá uma modernidade ainda pertinente nos dias de hoje. A personagem é tão mais notável, graças à interpretação complexa de Johnny Depp, nem sempre reconhecida. Tem ainda Winona Ryder, nunca tão angelical, e uma pletora de actores secundários de enorme talento que elevam este conto de fadas intemporal também ao panteão dos melhores filmes de Natal de todos os tempos. Poderá soar como clichê repetir o seu nome novamente, mas esta banda sonora de Danny Elfman é mágica e melancolicamente bela. E ver, pela última vez, Vincent Price a agraciar o grande ecrã, é uma benção impossível de ignorar para qualquer fã de cinema.

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