Um pequeno projecto elaborado entre os cineastas australianos, James Wan e Leigh Whannell, com o propósito de abrir uma porta para a sétima arte como uma carreira profissional. A história de dois homens aprisionados a uma casa de banho, entre um cadáver estendido no seu próprio sangue, pressionados a obedecer às regras de um jogo mortal para obterem a sua liberdade era um conceito simples, prático e interessante o suficiente para despertar olhares atenciosos. Após viajarem para Hollywood, com uma curta-metragem finalizada para atrair investidores e produtores, Wan e Whannell conseguiram o apoio de Hoffman, Koules e Burg, da Evolution Entertainment que usufruíram esta oportunidade para formar a produtora Twisted Pictures, dedicada apenas ao género de horror. A carregar um orçamento minúsculo de cerca de 1 milhão de dólares que limitou esta produção exaustiva a 18 dias de filmagens, a equipa sentiu-se criativamente pressionada a compensar as suas margens financeiras durante o processo, considerando que simplesmente não existia tempo suficiente para ensaios, múltiplos takes ou concretizar completamente a visão original de um thriller Hitchcockiano. Wan admitiu ser uma experiência profundamente frustrante para a dupla, impelida a utilizar truques de edição para resgatar a película. Eventualmente, Saw expandiu-se além dos seus sonhos, tornando-se numa das maiores franchises de terror, arrecadando cerca de 1 bilião de dólares nas bilheteiras, além de popularizar escape rooms e o termo torture porn.
O arquiteto destes desafios mortíferos somente uma voz denominada como Jigsaw, nesta primeira longa-metragem, que futuramente recebe distinção física nas sequelas (não planeadas) como um dos principais protagonistas, inserido nos seus próprios puzzles. John Kramer, a sua genuína identidade, é um homem diagnosticado com cancro maligno, enraivecido perante um mundo desinteressado na preciosidade da sua existência, que submete as suas vítimas em testes letais para comprovarem que merecem verdadeiramente viver. Uma figura fascinante, medonha, intensa e cruelmente divertida que oferece entretenimento macabro através da sua posição como o pior terapeuta de sempre, acompanhado por maquinaria, cassetes de áudio e um boneco adorável chamado Billy. Este é um homem com delírios de grandeza e capacidades sobre-humanas; um engenheiro que opera um carrossel de torturas como uma feira do inferno, revelando uma teatralidade carnavalesca poética e uma moralidade incrivelmente questionável, motivado por vingança e uma raiva perante o seu destino. Kramer encontrou propósito na morte, permitindo que este continuasse a viver. Existe uma fascinante ilusão existencialista nesta personagem que acredita ser o seu propósito atribuir estas experiências intoleráveis à humanidade.
Apesar das acusações de promover tortura pornográfica, esta nunca foi a intenção dos seus criadores, nem o apelo principal para os seus fanáticos admiradores. Aliás, a sua atração está no equilíbrio entre o grotesco das armadilhas e o seu drama estilo ópera refletido nas suas mecanizações narrativas desnecessariamente complexas e o seu excesso de mitologia extravagante onde aprendizes nascem como coelhos e as suas conclusões revelam sempre surpresas e twists inesperados, alguns genuinamente excelentes. É uma novela protagonizada por um sádico cujo apelo é a absurda narrativa que os seus criadores esforçam-se legitimamente para manter como grandiosa e identicamente importante quanto o sangue derramado. Sempre acompanhada por um subenredo com detectives numa investigação/perseguição – a marca de cada capítulo. Os Jogos mortais não são os protagonistas. Jigsaw é o protagonista.
Para millenials, Saw é o nosso Nightmare on Elm Street ou Friday the 13th, uma saga que entregava sequelas consistentemente no espaço de um ano. Inevitavelmente, Halloween implicava Saw e, consequentemente, uma série de filmes acerca de jogos mortais e uma complexa labiríntica narrativa com excessivas peças de puzzle espalhadas através de diversos capítulos conquistou o coração de um jovem apaixonado por terror. Saw é nostálgico e, por esse mesmo motivo, uma franchise pessoal. Esta saga repleta de armadilhas engenhosas, corpos triturados e esquemas dramáticos insanos, atinge presentemente o seu décimo capítulo com Saw X (2023), uma terceira tentativa de reboot para a franchise, que funciona como uma sequela/prequela, cujos resultados demonstram-se surpreendentemente positivos. Uma oportunidade perfeita para elaborar um ranking destas obras com uma lista, potencialmente, controversa, que surge de um individuo consciente dos seus fracassos, contudo persistentemente apaixonado por esta série de filmes, particularmente ao revisitar todos os capítulos.
10. Saw: The Final Chapter (2010), de Kevin Greutert
“Bravo! To be able to sustain such a traumatic experience and, uh, and yet find a positive in that grizzly act. It’s a remarkable feat, indeed. Remarkable… if not a little perverse.”
Não seria propriamente uma franchise de terror sem um filme falsamente intitulado como “O Último Capítulo”. Inicialmente planeado para duas partes, contudo, devido aos resultados desapontantes de Saw VI (2009) nas bilheteiras, a distribuidora insistiu num único filme. Este é uma mixórdia de ideias interessantes como a batalha interna pelo legado de Jigsaw, que marca o regresso de uma das personagens mais icónicas desta saga, Dr. Gordon (Cary Elwes), do primeiro filme, a decorrer em simultâneo com um jogo que envolve um falso sobrevivente a superar as armadilhas que afirma ter superado; um homem a lucrar com o sangue das vítimas.
Saw: The Final Chapter ou Saw: 3D (suspiro) é humilhantemente péssimo e completamente gratuito, encarando a sua própria criação como entretenimento fácil, reles e barato, utilizando desesperadamente fanservice para alcançar a popularidade inicial da franchise e a embaraçosa tecnologia 3D que nega o esforço dos criadores ao longo desta saga. O acting é horrível, a edição parece desinteressada na sua própria história, o design de som ridículo, e a sua estética visual nem combina com os restantes filmes, possivelmente devido ao conhecimento limitado da produção com esta tecnologia. Até os efeitos práticos de gore fracassam sendo diluídos pelos efeitos 3D e por uma iluminação incapaz de disfarçar o sangue cor-de-rosa. Notável pela sua produção desastrosa que reflete-se no produto final. Greutert regressou involuntariamente como realizador, pressionado a utilizar tecnologia 3D e frustrado com a manipulação de contratos da produtora/distribuidora. Tudo mencionado anteriormente como defesa desta franchise está errado neste capítulo final. Saw: The Final Chapter encapsula todas as suas acusações negativas, sendo completamente torture porn, excepto que a audiência é a principal vítima da sua tortura.
9. Jigsaw (2017), de The Spierig Brothers
“I speak for the dead.”
John Kramer está morto. Dez anos depois, cadáveres surgem espalhados pela cidade com uma mensagem a sugerir que o famoso Jigsaw permanece vivo. Uma investigação inicia entre dois detectives e dois médicos patologistas para confirmarem as suas suspeitas e descobrirem o verdadeiro responsável por estes corpos. Entretanto, 5 indivíduos aprisionados a um jogo mortífero, numa quinta isolada, procuram a salvação através da verdade. Jigsaw foi a primeira tentativa de um reboot, surpreendendo com uma qualidade técnica massivamente superior aos capítulos anteriores, criada pela dupla de cineastas, os irmãos Spierig. É uma decisão estranha colocar o filme com os melhores visuais, composição, iluminação, coreografia de ação e aptidão técnica desta saga numa das últimas posições, pois esta dupla soa como uma escolha apropriada teoricamente para um reboot, todavia existe algo errado com Jigsaw.
Saw é uma casa de banho repugnante; visuais contidos; edição frenética; iluminação exagerada. É uma novela de terror. Jigsaw procura ultrapassar essas feições e encaixar numa visão moderna de terror, com piadas self-referential, um romance desnecessário e diálogos estilo Joss Whedon inapropriados. Esta é uma tentativa de elevar a franchise, com jogos aborrecidos demasiado similares aos capítulos anteriores, personagens irritantemente sem carisma e imbecis – os únicos jogos que eu classificaria como simples de resolver – e uma decisão ofensiva de utilizar CGI para substituir os efeitos práticos sanguíneos que são a medula espinhal da saga. A visão cinemática estilizada dos realizadores retiram o charme desta franchise: o mundo de Jigsaw funciona precisamente devido ao ambiente construído nos capítulos anteriores. A sua ambição é insuficiente para compensar um twist desinteressante (A sério? Outro aprendiz?) que danifica a mitologia da saga inteira, resultando numa obra medíocre que nunca se sente como um verdadeiro Saw. Jigsaw é um impostor.
P.S. Uma vergonha a sua conclusão anticlimática que apaga completamente o poder sonoro dramático da icónica música final, Hello, Zep de Charlie Clouser.
8. Spiral: From the Book of Saw (2021), de Darren Lynn Bousman
“John Kramer was right. The spiral: a symbol of change, evolution, progress.”
Chris Rock é o protagonista do novo Saw. Esta frase é sem dúvida um murro na cara. Rock interpreta Zeke, um detective renegado pelos seus colegas por ter denunciado a corrupção do seu parceiro, que encontra-se no meio de um jogo inspirado pela figura de Jigsaw. A Espiral transforma-se na marca deste misterioso criminoso que procura limpar a imoralidade da polícia. Spiral: From the Book of Saw é a segunda tentativa de um reboot, marcada por um regresso familiar na cadeira de realizador, demonstrando um interesse da produção em capturar os elementos onde Jigsaw fracassou e esquematizar uma ponte entre os dois mundos, nesta transição de direção para uma nova franchise, distante de John Kramer. O comediante e ator é um dos principais criadores desta entrada, sendo um dos produtores executivos e o principal responsável pelo capítulo devido ao seu interesse em participar na franquia.
Superior a Jigsaw pela sua criatividade e esforço em despertar uma nova fase na saga. A adição de Chris Rock e Samuel L. Jackson (que interpreta o pai de Zeke) é uma decisão bizarra digna de respeito e exibe uma estranha ambição na produção. Bousman entrega os efeitos práticos, a edição frenética, a atmosfera pesada e a intensidade dos capítulos anteriores enquanto revela, simultaneamente, a sua vontade de distinguir Spiral como uma história única, dentro do universo, com um ambiente similar a um thriller policial salpicando o enredo com sangue e a tortura habitual da franquia. O seu poder temático é insignificante num argumento genérico cujos disparos estão carregados de pólvora seca, diálogos expositivos constrangedores, uma péssima edição de som (O ADR é a armadilha mais utilizada nesta película), um twist aborrecido numa conclusão anticlimática e o stand-up ocasional (divertido) de Chris Rock. Possivelmente, a pior escolha possível associada a esta longa-metragem foi substituir a voz de Tobin Bell por um computador que soa como um apito humano.
P.S: “John Kramer didn’t target cops.”
A sério? Em todos os filmes a polícia é, literalmente, um dos alvos.
7. Saw IV (2007), de Darren Lynn Bousman
“You think it’s over just because I am dead. It’s not over. The games have just begun.”
Jigsaw morreu. Amanda, a sua sucessora principal, também. E agora?
Saw IV inicia com uma autopsia do corpo de John Kramer, comprovando à sua audiência que a sua morte é definitiva. É um filme que carrega uma responsabilidade complicada de continuar os jogos sem o seu criador. Ironicamente, idêntica experiência ocorria na produção com os criadores originais a abandonarem a saga, após o terceiro capítulo. A franchise é entregue a uma nova equipa, encarregue de expandir uma história cuja atração primordial está num protagonista agora defunto. O Tenente Rigg (Lyriq Bent) é empurrado a um teste mortal para poder salvar os seus dois colegas, o detective Hoffman (Costas Mandylor) e o detective Matthews (Donnie Wahlberg) enquanto dois agentes, Strahm (Scott Patterson) e Perez (Athena Karkanis) investigam um possível segundo assistente de Jigsaw, além de Amanda (Shawnee Smith), questionando os próximos de Kramer como a sua ex-mulher, Jill Tuck (Betsy Russell), que revela o passado desta figura icónica. Eis um dos problemas principais com este quarto capítulo, apenas a descrição provoca caos desorganizado, forçando uma constante exposição para explicar o seu enredo. É necessário um engenheiro para decifrar esta história.
Bousman é pressionado a regressar após uma tragédia na vida do realizador original, David Hackl, o designer de produção da franchise, afastar-lhe deste cargo. Sente-se o desinteresse dramático do cineasta através de uma edição com transições incrivelmente divertidas e criativas mas completamente tresloucadas e ilógicas. O impacto emocional da história é apagado por um argumento que é dividido em diversas versões separadas, cada uma dependente da disponibilidade dos atores, confirmando uma profunda insegurança narrativa, uma viagem por fanservice e uma lógica nonsense nas armadilhas. O maior desafio deste capítulo está no desinteresse da equipa, consciente que o jogo atingiu a sua conclusão, contudo coagida a persistir, produzindo uma desconexão emocional entre os numerosos subenredos e uma sensação constante de um filme a tentar justificar a sua existência. É um milagre que Saw IV permanece uma obra interessante, particularmente na maneira como conecta todos os seus elementos perdidos e aprofunda a vida de John Kramer, adicionando camadas fascinantes às suas origens, explorando questões genuinamente intrigantes acerca de moralidade e produzindo uma mitologia extraordinariamente demente.
Pontos Extras pela melhor canção de créditos finais, cortesia dos X Japan, e por revelar o pénis de Jigsaw imediatamente nos créditos iniciais. Freddy Krueger não tem essa coragem.
6. Saw V (2008), de David Hackl
“Today, five people will become one, with the goal of surviving.”
Jigsaw está morto. Agora, a sério. O Detective Hoffman sobressai como um herói após a sua vitória nos desafios anteriores, conseguindo esconder a sua afiliação a John Kramer, do mundo. Ainda assim, as suspeitas do Agente Strahm permanecem e este prossegue na sua investigação, disposto a capturar e revelar a fraude de Hoffman. Entretanto, um jogo ocorre em simultâneo, isento de qualquer relevância para o enredo principal. A controvérsia finalmente alvorece neste ranking pois Saw V é considerado um dos mais fracos da franchise, criticado como aborrecido e completamente desnecessário, sentindo-se como um episódio filler nesta saga; uma história que podia ser condensada ao capítulo anterior. Evidentemente, elementos de Saw IV foram reciclados nesta sequela, um facto extremamente explícito durante o seu progresso narrativo. Os créditos iniciais marcam uma definitiva transformação nesta saga, com um novo ambiente e direção. David Hackl exibe promessa de talento, nos seus diversos planos criativos e sequências aterradoras, contudo, é impossível presenciar este capítulo e ignorar a falta de experiência, engenho e visão de James Wan ou a insanidade e energia de Bousman.
Admito que a sua posição nesta lista é intercambiável com a longa-metragem anterior pois ambas permanecem interessantes pela sua expansão mitológica, momentos divertidamente absurdos e o aprofundamento psicológico de John Kramer, apesar dos seus excessivos defeitos. Todavia, Saw V exibe uma eficácia temática de execução superior a Saw IV, no seu jogo principal desenvolvido com ideias de justiça social punitiva e armadilhas que são notavelmente possíveis de superar, contrariamente a diversos desafios injustos nesta franquia, através da cooperação exigida por Jigsaw. O seu núcleo dramático sobre sacrifício pessoal pelo benefício de outros contra individualismo e a estranha conexão entre Kramer e Hoffman superam uma conclusão e um twist previsível, uma fraca ligação entre os subenredos e uma sensação desnecessária a sangrar pela história, cujo enredo principal foca-se, literalmente e metaforicamente, em limpar as asneiras do capítulo anterior.
5. Saw VI (2009), de Kevin Greutert
“These politicians, they say the same thing over and over and over again; “Healthcare decisions should be made by doctors and their patients, not by the government.” Well, now I know they’re not made by doctors and their patients or by the government. They’re made by the fucking insurance companies.”
Saw VI merece melhor. Merece mais do que a quinta posição neste ranking; mais do que os seus números dececionantes nas bilheteiras, e mais respeito do seu público. Nesta segunda fase da saga Saw (A primeira trilogia/Após a morte/Reboots), o sexto capítulo destaca-se infinitamente como superior, combatendo a sua natureza desnecessariamente complicada com uma narrativa verdadeiramente provocante e dramaticamente estimulante. Ainda inserido numa estrutura dividida entre flashbacks, que revelam o crescimento de Jigsaw e as suas ligações emocionais, e a típica investigação sobre os seus casos e possíveis sucessores, com Hoffman a roubar o espetáculo na sua ridícula ineptidão em esconder a sua identidade, esta sequela recebe um revestimento político com Jigsaw a capturar as sanguessugas da sociedade nos seus jogos, aprisionando o empresário corrupto de uma seguradora. O comentário social é elevado com a deliciosa ironia de observar um homem a enfrentar as próprias regras que estabeleceu no seu emprego, no ambiente macabro que inevitavelmente construiu e influenciou com as suas decisões – curiosamente, uma das personagens mais cativantes.
A intensidade da franchise regressa com Greutert, o editor das películas anteriores, a marcar a sua estreia na realização com uma compreensão distinta do que distingue esta série cinemática de outras semelhantes: o drama de novela aparelhado com os cadáveres; as armadilhas salientadas pela sua metáfora, e a filosofia de Jigsaw testada (neste caso, na sua ligação com Jill, Amanda e Hoffman). Inevitável a persistente impressão de uma sequela desesperada por cobrir erros passados, e um contínuo desequilíbrio nos subenredos – Hoffman é, hilariantemente, o pior detective de sempre – no entanto, este capítulo contém alguns dos melhores twists na saga, ainda que um deles inadvertidamente desvalorize o impacto emocional da terceira longa-metragem, e aproxima-se da qualidade das obras iniciais. É com tristeza que coloco Saw VI nesta posição, pois é um filme que merece muito mais.
4. Saw (2004), de James Wan
“He doesn’t want us to cut through our chains. He wants us to cut through our feet!”
A escolha realmente controversa deste ranking. Saw é considerado o melhor filme da franchise e, provavelmente, o único “decente” para um público geral. Admito que é praticamente impossível de discordar com essa perspectiva. Saw é tenebroso, medonho, misterioso, repleto de suspense e genuinamente arrepiante. Uma das obras mais icónicas no género de terror – a casa de banho partilha um estatuto grandioso iconográfico. O seu estilo visual criativo, que sucedeu principalmente devido a um orçamento minúsculo, transformou-se na identidade da saga e catapultou as carreiras da equipa criativa além dos seus horizontes. Os seus diálogos balançam o burlesco com a intensidade do enredo, enfatizando o seu elemento memorável; as performances ocasionalmente amadoras (devido às filmagens apressadas) realçam o seu ambiente desconfortável. No final, as suas falhas enaltecem a experiência. Ao rever a obra existe, também, um factor atraente na sua simplicidade, antes desta saga tornar-se demasiado complexa para o seu ínfimo espaço.
Porquê nesta quarta posição? A qualidade de Saw é, paralelamente, arrastada pelas suas sequelas como erguida. Este primeiro capítulo é prejudicado e elevado pela expansão mitológica das seguintes longas-metragens que retiram o seu aspecto aterrador, contudo acrescentam emoção e lógica em certas decisões que, à segunda vista, são inteiramente incoerentes – o seu twist final é primeiramente brilhante e segundamente estúpido. Saw nasceu como um conceito básico para os seus criadores, um filme singular de descobrir numa sexta-feira à noite, e transformou-se numa história labiríntica similar a uma teia de aranha eventualmente expandindo-se para uma saga colossal de horror. Cada capítulo adiciona uma nova camada enigmática e dramática à pele da franchise. Como uma obra individual permanece uma eficiente longa-metragem de terror mas com as suas sequelas, Saw ganhou vida além da casa de banho.
P.S. A track final do compositor Charlie Clouser, Hello, Zep, é brilhante. Simplesmente, brilhante.
3. Saw X (2023), de Kevin Greutert
“This is not retribution. It’s a reawakening.”
À décima é de vez. Após diversas tentativas anestesiadas em faturar com o nome desta franchise e empurrar o seu falecido corpo em reboots decompostos numa morgue de propriedades intelectuais, os produtores e criadores conseguem finalmente capturar o elemento principal que bombeia o sangue pelos fragmentos destes puzzles carnívoros. Saw X retorna ao passado, entre os eventos de Saw e Saw II, para um John Kramer – ainda vivo – a defrontar o seu cancro e a sua inevitável morte. A esperança surge num procedimento médico experimental incentivado pela doutora Cecilia Pederson (Synnøve Macody Lund) e essa esperança é assassinada pela revelação da sua fraude. Acompanhado pela sua aprendiz, Amanda Young, Jigsaw inicia um novo jogo com estes indivíduos que lucram com o desespero humano.
O décimo capítulo regressa ao seu engenho criativo, sede sangrenta por drama e horror e reencontra o seu coração (literal e metafórico), permitindo que Tobin Bell seja, novamente, o protagonista desta franquia. As aprendizagens atrás das filmagens são refletidas, também, no ambiente desta longa-metragem que rejeita o humor forçado self-referential dos reboots, proporcionando momentos negros divertidos que proveem naturalmente da sua seriedade e da relação entre espectadores com a própria saga. Este retorno às origens – ou as sequelas das origens – aproxima-se da evolução que esta série cinemática procurou nos capítulos anteriores, adotando, presentemente, os avanços técnicos essenciais para sustentar um possível futuro criativo contínuo, sem remover o seu apelo primordial. Saw X contém uma história comovente na destruição emocional de John Kramer e na sua ligação parental com a sua aprendiz e colega, Amanda, sobressaindo como uma das melhoras obras da franchise. Para superar o original é essencial adicionar o sal das lágrimas ao sangue.
2. Saw II (2005), de Darren Lynn Bousman
“I want to play a game.”
Durante aproximadamente 2 décadas, Saw II manteve-se como o meu capítulo favorito. A primeira longa-metragem originou uma franchise, contudo, a sequela encontrou a sua identidade. Surpreendentemente, Jigsaw é imediatamente capturado pelo Detective Eric Mathews (Donnie Wahlberg), excepto que esta captura desperta um novo jogo elaborado por Kramer, um homem à beira da morte, que apenas suplica ao detective que aguarde pacientemente até a conclusão deste desafio. Sentimentos turbulentos e rancorosos afectam este homem colérico quando descobre que o seu filho, Daniel (Erik Knudsen), está envolvido noutra competição paralela, acompanhado por 7 pessoas ex-presidiárias, vítimas da sua corrupção, uma delas sendo Amanda, no seu segundo teste. É a narrativa que representa os pontos fundamentalmente cativantes desta série cinemática: a principal presença de John Kramer na história (aqui com um raro sentido de humor diabolicamente espirituoso) – aliás a decisão mais inteligente da saga foi atribuir o protagonismo a Tobin Bell; o nascer da sua relação com Amanda; o elemento torture porn inexistente no contido filme anterior surge esporadicamente nesta sequela com gore fértil, repulsivamente pitoresco e efeitos práticos extraordinários; o combate de filosofias entre ideologias opostas, todavia, comuns (neste caso, um homem macabro e um detective corrupto); as brincadeiras com timelines na estrutura do argumento; metáforas deliciosas além das armadilhas com o conceito de prisão a assombrar este co-protagonista imoral, e ainda uma das melhores conclusões e twists da franchise, manipulando a percepção da audiência e influenciando completamente a composição dos restantes capítulos.
Saw II é uma excelente obra de terror intensificada pelo cineasta Darren Lynn Bousman, um realizador familiar com vídeos musicais, que insere esse estilo frenético coordenado nesta franquia, juntamente com os intensos filtros amarelados e esverdeados, e uma realização que combina locais divergentes num único espaço emocional. Prestes a iniciar o seu trabalho em Dead Silence (2007), quando uma sequela foi anunciada pela Lionsgate, Wan e Whannell regressaram somente como produtores executivos e para rescrever o script de Bousman, The Desperate, uma criação completamente distante desta saga. Para os produtores, Hoffman, Burg e Koules, assemelhava-se o suficiente para adaptar o argumento a este universo. Bousman fornece a sua impressão digital a Saw, criando um vídeo musical horrendo e imaginativamente doentio que encapsula Beethoven em formato Heavy Metal. Saw II cria uma promessa para o público, citada por Jigsaw: “Oh Yes. There will be Blood.” Um compromisso que a franchise sempre entregou. Obrigado pelo sangue.
1. Saw III (2006), de Darren Lynn Bousman
“Game Over.”
Pesquisando por rankings desta franchise, que colocam predominantemente este terceiro capítulo distante do topo das listas, o consenso, até por fanáticos, confirma a conclusão da primeira trilogia como meramente decente. Inesperadamente, Saw III envelheceu sensacionalmente, sendo uma das entradas mais magnéticas e singulares desta saga, infectando o seu ambiente com uma intensidade emocional – um equilíbrio entre drama e horror que apenas retornou à serie cinemática com o seu décimo capítulo – e um suspense canibalesco. Lógico, pois esta equipa criativa, formada por Wan, Whannell e Bousman, estava determinada a avançar nas suas carreiras até o abrupto falecimento de um dos produtores responsáveis por Saw, Hoffman, impulsionando os artistas a regressarem para finalizar a saga e imbuírem esta com uma inédita epiderme dramática. Perante a sua iminente morte, Kramer introduz dois jogos paralelos: Jeff (Angus Macfayden), um homem dominado pela vingança, irrompe numa jornada de luto, enfrentando as pessoas responsáveis pela morte do seu filho, com o objetivo de perdoar e salvar, enquanto uma médica psicologicamente anestesiada no seu emprego e na sua vida, Lynn (Bahar Soomekh), é coagida a manter Kramer estável até Jeff concluir o seu desafio.
Bousman abranda o seu estilo frenético e acompanha as personagens na sua viagem atmosfericamente pesada com um toque tematicamente estrondoso – um dos adversários de Jeff está literalmente numa posição semelhante a Cristo no crucifixo – espelhado visualmente na combinação dos diversos mundos das personagens num único edifício e representado na aprofundada relação entre Kramer e Amanda, agora com uma componente parental na sua ligação, particularmente na conceção de um legado. Este trajeto formado desafia a ideologia de Jigsaw, demonstrando as suas falácias como professor e figura filosófica nos seus próximos. Amanda exibe dificuldades na sua recuperação, na sua segunda vida. A dor não salva ninguém e a moralidade não é medida pelos seus métodos. São estes os componentes que salientam este terceiro capítulo como o melhor da saga.
Saw III é uma história niilista sobre perdão, aceitação e a procura por um motivo para continuar a existir, mesmo sendo afogueado pela claridade do Inferno. Iluminação é um atributo de uma franchise que inicia a sua primeira trilogia com uma luz na escuridão; com a esperança de uma chave, lâmpada ou uma lanterna. Os twists são irrelevantes, Whannell e Wan admitiram precisamente este facto, pois a peça integrante deste puzzle reside no impacto emocional do seu desenlace; o seu fragmento crucial consiste na sua construção. Afinal, o que é uma Ópera sem uma conclusão trágica?