Ranked: Filmes em Competição no Berlinale 2025

de Rafael Félix

A 75ª Edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim (ou Berlinale) teve o seu encerramento no passado dia 23 de Fevereiro. Fizemos uma cobertura exaustiva ao festival durante os seus 10 dias e acompanhámos trabalhos de vários países, várias línguas e vários géneros, a competir em secções diferentes. Com alguns destaques, e uma boa mão de desilusões, apresentamos, por ordem, uma nota e um veredicto sobre os filmes que participaram na Competição Principal. Dos 19 filmes em competição, não constam aqui 5 (por impossibilidade de visionamento): Ari, Timestamp, Living the Land, Girls on Wire e o brasileiro O Último Azul.

14. HOT MILK

HOT MILK, de Rebecca Lenkiewicz

Talvez o pior filme em competição, Hot Milk é mais um filme sobre pessoas de classe média em praias paradisíacas a tentar encontrar-se a si mesmas. Sofia é a cuidadora informal da mãe, Rose, que procura uma terapia pouco ortodoxa numa clínica em Almeria para a sua paralisia nos membros inferiores. Aqui conhece e apaixona-se por Ingrid, uma personagem que parece ter tatuado na testa manic pixie girl, apresentada a cavalo, com um lenço na cabeça e em câmara lenta, a galope na praia, e a partir daí é sempre a somar para baixo. O que quer que Hot Milk tenha para dizer, torna-se secundário devido a personagens a roçar o intragável e uma performance de Vicky Krieps que nos faz questionar se Phantom Thread (2017) foi um acidente. Insuportável e às vezes ofensivo, esta obra sobre laços de mãe e filha e trauma geracional é tão superficial que os seus 90 minutos parecem durar 3 horas.

Nota: 1.5/5

13. LA CACHE

LA CACHE, de Lionel Baier

Comédia francesa baseada no romance de Christophe Boltanski, La Cache, sobre uma família de ativistas e artistas durante os protestos que viraram Paris do avesso em Maio de 68. Salvo alguns sorrisos aqui e ali, La Cache, é uma mão cheia de nada, com reflexões sobre ativismo e resistência apresentadas de forma profundamente desinteressante, mesmo com os seus pontuais embelezamentos narrativos e formais.

Nota: 1.5/5

12. EL MENSAJE

EL MENSAJE, de Iván Fund

Um dos maiores mistérios desta edição da Berlinale foi a atribuição do prémio do Júri a esta nova peça de Iván Fund. Centrada numa menina, com o dom de comunicar com animais domésticos, que se vê transformada num negócio para os seus cuidadores, vagueando pela Argentina, pedindo dinheiro aos donos em troca de saberem o que vai na cabeça dos seus patudos. Com uma premissa interessante, mas que nada de relevo faz com ela. El Mensaje parece totalmente catatónico, implorando à audiência que se invista emocionalmente nesta família, que apesar de vagamente complexa, pouco abre a boca. Nem a linguagem cinemática de Fund, com o seu preto e branco, oferece algo que expresse o mínimo de profundidade. Parece tão apaixonado pelo seu aspeto e pelas suas ideias que se esqueceu de as comunicar ao mundo. Um filme sem nada para dizer e que, efetivamente, pouco ou nada diz.

Nota: 1.5/5

11. YUNAN

YUNAN, de Ameer Fakher Eldin

Munir, um imigrante na Alemanha seriamente deprimido e melancólico, vai para um ilhéu escandinavo remoto à procura de acabar com a vida, até que perde a coragem e começa a desenvolver uma relação com os locais. É mais um exemplo da forma como alguns realizadores confundem a contemplação do slow-cinema com, de facto, querer dizer alguma coisa. Apesar das paisagens lindíssimas e implacáveis destas ilhas inundadas, Yunan perde-se no sentimento de autoimportância e poesia forçada. Transforma um filme que quer refletir sobre o que é estar longe, sem sentimento de pertença e profundamente sozinho – a experiência de muitos imigrantes em território europeu – em algo cínico e pouco natural. A performance de Georges Khabbaz é brilhante, mas é aí que começa e termina os valores de Yunan.

Nota: 2/5

10. REFLET DANS UN DIAMANT MORT

REFLET DANS UN DIAMANT MORT, de Hélène Cattet, Bruno Forzani

Um exercício de nostalgia pelos filmes europeus dos anos 60, histórias de espionagem, homens em fatos bonitos, com atitudes lamentáveis para com mulheres e hábitos alcoólicos recorrentes. Reflet dans un diamant mort é difícil de descrever, pelo menos narrativamente, podendo-se dizer que mistura a história do cinema, crime e sexo num filme sobre um ex-espião que, já septuagenário, se vê envolvido no desaparecimento da sua vizinha num hotel no sul de França. O que se retira deste filme depende quase exclusivamente do quão investido o espectador está no tipo de cinema que Reflet dans un diamant mort está a homenagear. Pelo meio de sequências quase psicadélicas e edição frenética com timejumps constantes, emergem reflexões sobre a regurgitação constantes de personagens franchisadas e quão precária é a posição de um leading-man neste tipo de franquias. É como se fosse a intro de um dos filmes da saga 007, de era Daniel Craig, estendida durante 90 minutos.

Nota: 3/5

9. MOTHER’S BABY

MOTHER’S BABY, de Johanna Moder

Mais um dos filmes da Berlinale centrados nos lados menos glamorosos da maternidade. Julia chega aos seus 40 e recorre a uma clínica de fertilidade experimental para conseguir engravidar. Durante o parto, algo corre mal e a criança é levada para observação, sendo apenas entregue a Julia e a Georg alguns dias depois. Todavia, o estranho comportamento do bebé faz Julia desconfiar que esta criança não é a sua. Mother’s Baby comporta-se como um thriller. A calma que este bebé apresenta, sem choro, sem gritos, é ensurdecedora e desconcertante, pois vemos a mãe endoidecer com aquilo que seria um sonho para qualquer outra. Estamos perante um caso de polícia e experimentações de ficção-científica na clínica (liderada por um sempre sinistro Claes Bang) ou apenas uma mulher com dificuldades em sentir aquilo que esperava sentir perante o filho – amor incondicional e uma ligação única? O filme de Moder é, no mínimo, enigmático, quase friamente impenetrável, com temas interessantes o suficiente para, por vezes, colmatar alguma pontual falta de substância para sustentar quase 2 horas de filme.

Nota: 3/5

8. LA TOUR DE GLACE

LA TOUR DE GLACE, de Lucile Hadžihalilović

O conto de Hans Christian Andersen, The Snow Queen (a história que deu origem a Frozen, 2013), dá vida também a este La Tour de Glace. Jeanne, de 15 anos, foge do orfanato onde vive e, acidentalmente, refugia-se num set onde está a ser gravado uma adaptação deste conto, protagonizado por Cristina como esta rainha, uma diva que domina o set com as suas birras e caprichos, e cria uma estranha afeção pela jovem. Misturam-se elementos de contos-de-fada nesta história sobre obsessão, abuso e manipulação, apresentados na mais gloriosa película, numa peça com tons levemente Lynchianos. O filme que está a ser gravado mescla-se com os seus interpretes, lenta e subtilmente, esbatendo as fronteiras entre o que é a cruel Rainha e a complexa atriz, ou a pequena ajudante e a criança em perigo. Brilhantemente montado por Lucile Hadžihalilović, mesmo com alguma falta de foco aqui e ali, é um desafio formal interessantíssimo e um deleite para os olhos, com duas performances centrais muito sólidas, e Gaspar Noé em toda a grandeza do seu bigode.

Nota: 3.5/5

7. IF I HAD LEGS I’D KICK YOU

IF I HAD LEGS I’D KICK YOU, de Mary Bronstein

Um ataque de ansiedade de quase duas horas. Claramente da mesma escola de Uncut Gems (2019) – Josh Safdie é um dos produtores -, o novo filme de Mary Bronstein traz (novamente) o lado menos romântico da maternidade, em que uma sobrecarregada Rose Byrne tenta balançar uma carreira, a filha com uma doença misteriosa que exige mil cuidados, um marido ausente e uma casa a inundar. Cada acontecimento em If I Had Legs I’d Kick You tem dimensões apocalípticas para esta mãe. Não encontrar lugar de estacionamento no hospital ou a filha querer um hamster são o suficiente para causar o pânico. Qualquer inconveniência é o fim do mundo, dada a pressão constante do esposo, da filha necessitada, do telefone que não para de tocar e o buraco cada vez maior no teto da casa. Rose Byrne mereceu o prémio de Melhor Atriz neste retrato sobre o peso esmagador das expectativas irrealistas impostas pelo mundo para qualquer pessoa que se vê no azar de ser mãe.

Nota: 3.5/5

6. KONTINENTAL ’25

KONTINENTAL ’25, de Radu Jude

Mais um guião perspicaz e hilariante do realizador romeno, que lhe valeu o prémio de Melhor Argumento no festival. Seguimos uma agente do estado da Roménia, encarregada de despejar ocupantes ilegais em habitações, a lidar com o peso da culpa, depois de um dos sem-abrigo que despejava suicidar-se no local. Gravado num iPhone, Kontinental ’25 vai passando de sketch em sketch enquanto Orsolya procura, sem sucesso, algum conforto e perdão – num padre, no marido, numa amiga – vendo constantemente a situação minimizada por aqueles que deviam estar tão chocados como ela. Uma sátira levemente influenciada por Rossellini sobre a nossa impotência perante a máquina capitalista, que atira pessoas para o frio da rua para poder construir hotéis-boutique, humorosa e profundamente triste.

Nota: 4/5

5. WHAT DOES THAT NATURE SAY TO YOU

WHAT DOES THAT NATURE SAY TO YOU, de Hong Sang-soo

Filmado com aquilo que parece ser uma câmara doméstica roubada a 2002, o novo filme de Hong Sang-soo, como tantos outros daqueles projetados na Berlinale, reflete dinâmicas familiares e o peso das expectativas depositadas em nós. Um jovem poeta é apresentado à família da namorada de longa data e passamos o dia a acompanhar este primeiro encontro. É curioso que este filme tenha sido apresentado no mesmo festival que Kontinental ’25, pois estes partilham um particular interesse sobre “conversa de elevador”. Ambos captam perfeitamente a estranheza que é conhecer alguém pela primeira vez, a necessidade de arranjar tema de conversa com um desconhecido que ao mesmo tempo é tão importante para a tua vida: os pais do nosso cônjuge. Porém, What does that nature say to you nunca é desconfortável, parece, em vez disso, profundamente humano e natural, com risos e lágrimas, conflito e carinho em quase todas as conversas a que assistimos. Orgânica e identificável, um destaque bonito de um dos mestres do cinema sul-coreano.

Nota: 4/5

4. BLUE MOON

BLUE MOON, de Richard Linklater

Minimalista, romântico e preciso. Palavras que se podem utilizar em praticamente qualquer filme da já longa carreira de Linklater, mas em Blue Moon estas parecem aplicar-se de forma particularmente apropriada. Em Março de 1943, um invejoso Lorenz Hart vê-se no meio das celebrações do maior sucesso da carreira do seu antigo colaborador, Richard Rodgers, Oklahoma!. Todo o filme é passado neste bar bem iluminado com Bobby Canavale e restante staff a serem alvos da incessante torrente de desabafos filosóficos, egocêntricos, apaixonados e deliciosos de Ethan Hawke. Apaixonado por mulheres que o rejeitam e obcecado com a elevação da sua arte também rejeitada, Hart é um homem minúsculo que se eleva com as palavras, o seu génio na ponta da língua e a sua desgraça no fundo de um copo de whisky. Blue Moon é melancólico, com a graciosidade e humor que só Linklater consegue produzir, numa das melhores performances da carreira de Hawke.

Nota: 4/5

3. WAS MARIELLE WEIß

WAS MARIELLE WEIß, de Frédéric Hambalek

A maior surpresa do festival e um filme que tem muito mais a dizer do que parece, Was Marielle weiß arrisca-se a ser a melhor comédia do ano ao mesmo tempo que a mais desconcertante. O novo de Hambalek conta com a premissa mais assustadora para qualquer pai: a tua filha consegue saber tudo o que vês e dizes, independentemente de onde estejas. Este milagre narrativo é introduzido de forma algo rústica, porém pouco interessa. Ver esta família entrar numa espiral apocalíptica, procurando formas de enganar a filha e limitar o que esta sabe, desde falar uma língua diferente ou ter um sexo extraconjugal virado para a parede em vez de para o outro participante, é tão trágico que se torna hilariante. Was Marielle weiß, a partir de uma premissa tão simplória, explora o lado mais complexo das relações familiares. Relações essas que estão constantemente num equilíbrio precário sustentando pelo cumprimento, mesmo que fictício, de certas expectativas impostas socialmente. Nunca seremos os pais que os nossos filhos acham que somos e nunca seremos os pais que gostaríamos de ser para os nossos filhos. É isto que explora Hambalek: quanta desilusão podemos nós suportar?

Nota: 4.5/5

2. DREAMS

DREAMS, de Michel Franco

Provocador como poucos, Michel Franco volta a reunir-se com Jessica Chastain apenas um ano depois de Memory (2023). Desta vez vemo-la como milionária solitária, apaixonada por um dançarino mexicano, com metade da sua idade, que atravessa ilegalmente a fronteira americana para reacender um romance sensual, complexo e, ao que tudo aparenta, perigoso. Divisões de classe, exploração ou paixão, condescendência mascarada de filantropismo. Franco faz de tudo neste thriller erótico que volta a viver nas áreas cinzentas da moralidade que o mexicano tanto gosta. Chastain e Hernandez são fenomenais e o trabalho atrás da câmara é preciso e executado na perfeição, mas é na página escrita por Michel Franco, uma que nos deixa constantemente a adivinhar, que interpela o espectador constantemente e que várias vezes lhe tira o ar, que está o brilhantismo de Dreams. Um filme obrigatório sobre o dilacerante embate do sonho com a realidade e a violência inevitável que lhe está subjacente.

Nota: 4.5/5

1. DRØMMER

DRØMMER, de Dag Johan Haugerud

O vencedor do Urso de Ouro e o melhor filme desta lista, este Drømmer faz parte de uma trilogia temática escrita e realizada por Dag Johan Haugerud. Este terceiro elemento (sendo os anteriores Sex e Love) foca-se numa estudante do ensino secundário perdidamente apaixonada pela sua professora ao ponto de escrever todo um diário sobre o que sente, um tão bom que a mãe e a avó acham que deve ser publicado. Este filme norueguês faz jus ao título. Leve, sonhador, triste e hilariante, Drømmer capta na perfeição o que é estar apaixonado pela primeira vez, o quão desorientador e mágico isso é, enquanto fala sobre o poder curativo e transformador do processo criativo. Pelo caminho vai desafiando convenções sobre consentimento, manipulação e até a forma como exploramos os nossos próprios sentimentos (e alheios) para ganhos menos altruístas. Uma peça belíssima, complexa e maravilhosa de assistir. Uma que acredita tanto no amor como no poder deste para ser profundamente transformador.

Nota: 5/5

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