A natureza do luto é algo pessoal e intransmissível. Cada pessoa tem a sua maneira de lidar com o trauma da perda de alguém, ou de algo, que um dia foi especial e parte importante da nossa vida. Por vezes termina com uma noite de choro ininterrupto enquanto outras vezes se cola a nós como uma maldição proferida num sussurro, durante o que parece uma eternidade. O cinema tem sido terreno fértil para explorar as idiossincrasias e as consequências desta viagem sem caminho traçado, onde não existe certo ou errado na maneira de o viver.
Quest é a visão de Antonina Obrador sobre o luto. O argumento centra-se sobre uma dessas viagens pessoais, neste caso de Lluc (Enriq Auquer) um biólogo que viaja para uma ilha remota, de nome Quest, para o estudo da fauna e flora do local. O que à partida parece uma expedição científica normal cedo se percebe ser bem mais pessoal para o protagonista, em pleno processo de luto pela morte da mulher.
Antonina Obrador é originária das ilhas baleares e desde de logo se sente essa escolha quando opta pela língua própria das ilhas – o Balear, um dialecto derivado do catalão, para dar “voz” às suas personagens. A sensação imediatamente criada é de familiaridade, pois soa como um misto de espanhol e português, mas também de que algo não bate certo. Este sentimento transfere-se, lentamente e com o avançar da história, para a investigação de Lluc que parece um aparentemente normal estudo científico sobre plantas e animais, e no qual se introduzem elementos estranhos que deixam o espectador intrigado.
Alguns desses elementos são originários do folclore popular e são um indício de que algo espiritual se esconde nas entrelinhas da ciência, como pedaços de pistas que nos revelam significados escondidos, muitas vezes relacionados com as nossas próprias vivências e realidade. Outros são lendas relativamente às ilhas baleares, transportadas de geração em geração, e que são aqui partilhadas enriquecendo ainda mais a narrativa e colocando mais uma acha na fogueira do que é real ou não nesta ilha. A própria paisagem parece estar de conluio para nos colocar, ainda mais, num estado de assombro perante a teia de mensagens subliminares deixadas por Antonina Obrador.
A meio do filme Lluc recebe uma visita inesperada de uma mulher do seu passado, interpretada por Laia Manzanares, e o que era um processo individual de luto torna-se uma “luta” de ambos para perceber o que realmente se passa nesta ilha. Será esta mulher fruto da imaginação de Lluc ou alguém que busca, também ela, algo na ilha? Laia Manzanares cria uma dinâmica interessante nesta relação e revela facetas do próprio Lluc, invisíveis até então, que colocam o ritmo necessário para acordar o argumento, já adormecido por esta altura. Aliás, esse é o seu único problema, não saber quando parar de acrescentar elementos à narrativa.
O fantasma de Maria (Maria Arnal) é omnipresente, de um modo totalmente incorpóreo e contamina o filme com a sua presença. Seja na investigação que ela própria deixou para trás (livros, anotações, fotografias) e nas mensagens sonoras, que não percebemos se foram criadas por Lluc para dar sentido à sua morte ou escritos por Maria e revelados a espaços no argumento. A verdade é que no final, o seu impacto na narrativa não é esperado e sabe a pouco perante a teia de possíveis caminhos criados.
Lluc, interpretado por Enric Auquer, mostra-nos um ser profundamente triste e obcecado com a demanda de conhecer o porquê do destino fatal da sua mulher. Carrega no olhar, e no modo como se desloca, o peso dessa obstinação cada vez mais árdua na sua psique a cada segundo que passa, apesar de ser talvez necessário um pouco mais de emotividade nos momentos finais.
Quest revela-nos o peso do luto sobre os que ficam, enquanto nos provoca com a sua complexidade e avalanche de ideias, em busca de um sentido para a partida, de entes-queridos, antes de tempo. Nem sempre o ritmo é o ideal para motivar o espectador mas, mesmo assim, apresenta-nos Antonina Obrador como uma realizadora digna de atenção.