Queer Porto 9: uma edição de vidas e vozes contra o apagamento e a indiferença. As problemáticas levantadas pelas questões de discriminação de raça, etnia, identidade sexual e de género, marcam uma edição que aterra no Batalha com expressiva presença feminina.
No movimento de um novo fôlego que o cinema ganha após o período de pandemia, a próxima edição do Queer Porto procura fazer justiça a um olhar queer, não polarizado, um olhar além-fronteiras. Aquela que é a 9ª edição do festival no Porto chega ao renovado Batalha Centro de Cinema, entre os dias 10 e 14 de outubro, com 40 filmes. É uma edição fortemente marcada pelo cinema feito por mulheres: os filmes apresentados são assinados por mulheres cis num 68%, por homens cis num 27%, e por pessoas trans ou não-binárias nos 5% restantes.
O cinema que o festival propõe este ano procura denunciar e subverter um olhar machista e patriarcal, que tem dominado toda a nossa história e a própria criação artística, propondo antes um muito necessário olhar queer a temas que vão da precariedade à criação artística, da gentrificação à violência sexual sobre mulheres, das relações às drogas. São filmes atravessados por questões de território e identidade, que percorrem espaços de performance e subversão política, e outros de ruralidade onde a ausência de referentes torna urgente a criação de novas formas de estar.
Aos títulos e atividades anunciados durante as últimas semanas – a retrospetiva dedicada ao movimento no wave nova-iorquino com foco especial na obra de Vivienne Dick, os filmes de abertura e encerramento, e as sessões especiais-, juntam-se agora os filmes que integram as duas competições oficiais do festival (Competição Oficial e Prémio Casa Comum), o Queer Focus e o anúncio de conversas, júris oficiais, festas e outras atividades paralelas.
O júri da Competição Oficial é formado pela produtora da RTP Isabel Correia, pelo performer e educador Dori Nigro e pela artista e realizadora Tânia Dinis. Esta secção volta a combinar ficção e documentário com o intuito de compreender as realidades dos indivíduos e comunidades queer. “Carvão” é um bom exemplo da complexidade cada vez maior daquelas: a força crítica desta sátira radica em como questiona a manipulação dos poderes políticos e religiosos, a hipocrisia dos estados e a violência que ameaça os nossos corpos. Em registo lésbico e adaptado a um urbano relato de encontros e desencontros na Barcelona atual, “La Amiga de Mi Amiga” vem assinado por uma equipa integralmente queer e navega, com leveza pop, entre o humor intencionado e o involuntário. Foco também para a incansável ativista Kenya Cuevas no documentário que leva o seu nome, “Kenya”: uma viagem às realidades mais perigosas e esquecidas da Cidade do México, num país que, a seguir ao Brasil, é o segundo do mundo que mais transexuais mata. E ainda, “Vicente Ruiz – A Tiempo Real”, sobre o artista que no Chile dos anos 80 respondeu com as suas performances à ditadura de Pinochet, e que estará presente no Porto para apresentar o filme. Mais quatro títulos completam esta secção, cujo prémio é patrocinado pela RTP, pela aquisição dos direitos de difusão do filme, valorizado em 3.000€.
O Prémio Casa Comum permite-nos, mais uma vez, auscultar o panorama do cinema queer nacional em formato de curta-metragem. Alguns títulos em destaque: o híbrido entre o ensaio e a lenda histórica “Dildotectónica”; “Dias de Cama”, que percorre a languidez de um verão passado entre a cidade e o campo; “Mátria”, homenagem a Natália Correia filmado na ilha de São Miguel; e uma obra corajosamente autobiográfica: “A Minha Raiva É Underground”, filme-performance que investiga e mapeia a cidade onde uma mulher, jovem e queer, foi violada. No total, oito filmes compõem uma secção que será avaliada pela psicóloga Rita Aires, pela socióloga Paula Guerra e por Susana Serro, da Unidade de Cultura da Reitoria da Universidade do Porto. Elas serão as responsáveis por decidir qual dos filmes vence o Prémio valorado em 500€ e patrocinado pela Reitoria da Universidade do Porto.
O Queer Focus deste ano na Casa Comum, “Entre Duas Culturas”, reflete sobre o conceito de fronteira, abarcando tanto fronteiras metafóricas como físicas. Em “ALTAR. Cruzando Fronteras, Building Bridges” é-nos dada a ver a tessitura do poder que emana do legado da escritora chicana Gloria Anzaldúa (1942-2004), e onde se examina o espaço conflituoso de se estar entre o Primeiro Mundo e o Terceiro Mundo, e a reprodução de formas de desigualdade entre essas duas realidades. “Ana Mendieta: Fuego de Tierra” é um retrato de vida e obra da artista cubana Ana Mendieta (1948–1985), que marcou a fronteira de pertencimento no uso do seu próprio corpo como suporte na arte, ao utilizar elementos da religião afro-cubana e da natureza para expressar a sua visão poética e política feminista. Por último, “The Hearing” denuncia a objetificação de quatro pessoas requerentes de asilo, rejeitadas por meio de exercícios de representação dos operadores hegemónicos e pela assimilação de símbolos e práxis da branquitude cisgênera no campo das imagens.
Dois filmes dessa secção e um documentário das Sessões Especiais serão complementados por conversas. Assim, à exibição de “ALTAR. Cruzando Fronteras, Building Bridges” segue-se uma conversa entre a sua realizadora Paola Zaccaria e a curadora Isabeli Santiago; a projeção de “The Hearing” será acompanhada por uma conversa com a Dra. Isabel Almeida Rodrigues, Secretária de Estado da Igualdade e Migrações; e a escritora e pesquisadora Hannah Bastos participará numa conversa sobre a obra e figura da teórica bell hooks, no seguimento da exibição do documentário sobre a autora de “Tudo do Amor”.
E para celebrar após as sessões de cinema, duas festas: uma de Abertura e outra de Encerramento, no Bar of Soap e no Maus Hábitos, respetivamente.
O Queer Porto 9 conta, entre outros, com os apoios da Câmara Municipal do Porto / Ágora e do ICA – Instituto do Cinema e do Audiovisual, além de importantes parcerias como as estabelecidas com a Secretária de Estado da Igualdade e Migrações, as Embaixada da Irlanda e da Espanha, o Youtube, a Absolut, a FLAD – Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento e a Variações.
PROGRAMA
NOITE DE ABERTURA
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- Tudo o que Você Podia Ser / All that You Could Be, Ricardo Alves Jr. (Brasil, 2023, 83′)
NOITE DE ENCERRAMENTO
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- Commitment to Life, Jeffrey Schwarz (EUA, 2023, 115′)
COMPETIÇÃO OFICIAL
- A Hawk as Big as a Horse, Sasha Kulac (França, 2022, 76′)
- La Amiga de Mi Amiga / Girlfriends and Girlfriends, Zaida Carmona (Espanha, 2022, 89′)
- Carvão / Charcoal, Carolina Markowicz (Brasil, Argentina, 2022, 107′)
- Des garçons de province / Smalltown Boys, Gaël Lépingle (França, 2022, 84′)
- Dos Estaciones, Juan Pablo González (México, França, EUA, 2022, 99′)
- Kenya, Gisela Delgadillo (México, 2022, 90′)
- The Last Year of Darkness, Ben Mullinkosson (China, EUA, 2023, 95′)
- Vicente Ruiz – A Tiempo Real / Vicente Ruiz – In Real Time, Matías Cardone, Julio Jorquera (Chile, 2022, 63′)
PRÉMIO CASA COMUM
- Apontamentos de Curva_Correnteza / In Curve Notes_Stream, Flavia Regaldo (Portugal, 2022, 7′)
- Dias de Cama / Bed Days, Tatiana Ramos (Portugal, 2023, 20′)
- Dildotectónica / Dildotectonics, Tomás Paula Marques (Portugal, 2023, 16′)
- Entre a Luz e o Nada / Between Light and Nowhere, Joana de Sousa (Portugal, 2022, 20′)
- Land Song, Inês Ariana Pereira (Portugal, 2022, 8′)
- Mátria, Catarina Gonçalves (Portugal, 2023, 26′)
- A Minha Raiva É Underground / My Rage Is Underground, Francisca Antunes (Portugal, 2023, 13′)
- Tidy Bed, Danilo Bastos Godoy (Portugal, Alemanha, Brasil, 2023, 15′)
SESSÕES ESPECIAIS
- bell hooks: Cultural Criticism & Transformation, Sut Jhally (EUA, 1997, 66′)
- Feminism WTF, Katharina Mückstein (Áustria, 2023, 90′)
- Music Is My Boyfriend, Robert Kennedy (Canadá, 2022, 40′)
- Un prince / A Prince, Pierre Creton (França, 2023, 82′)
QUEER FOCUS: “Entre Duas Culturas”
- ALTAR. Cruzando Fronteras, Building Bridges, Daniele Basilio, Paola Zaccaria (Itália, 2009, 53′)
- Ana Mendieta: Fuego de Tierra, Kate Horsfield, Nereyda Garcia-Ferraz (EUA, 1987, 49′)
- The Hearing, Lisa Gerig (Suíça, 2023, 81′)
RETROSPETIVA: “No Present. No Future. No Wave.”
- A Skinny Little Man Attacked Daddy, Vivienne Dick (Reino Unido, 1994, 23′)
- Beauty Becomes the Beast, Vivienne Dick (EUA, 1979, 41′)
- Black Box, Beth B, Scott B (EUA, 1979, 20′)
- Empty Suitcases, Bette Gordon (EUA, 1980, 52′)
- Guerillère Talks, Vivienne Dick (EUA, 1978, 25′)
- The Irreducible Difference of the Other, Vivienne Dick (Irlanda, 2013, 27′)
- Liberty’s Booty, Vivienne Dick (EUA, 1980, 48′)
- Like Dawn to Dust, Vivienne Dick (EUA, 1983, 7′)
- Lydia Lunch: the War Is Never Over, Beth B (EUA, 2019, 75′)
- New York Conversations, Vivienne Dick (Reino Unido, 1990, 21′)
- New York Our Time, Vivienne Dick (Irlanda, 2020, 79′)
- Red Moon Rising, Vivienne Dick (Irlanda, 2015, 15′)
- Rome ’78, James Nares (EUA, 1978, 82′)
- She Had Her Gun All Ready, Vivienne Dick (EUA, 1978, 28′)
- Staten Island, Vivienne Dick (EUA, 1978, 6′)
CONVERSAS
- Conversa com Hannah Bastos
- Conversa com Isabel Almeida Rodrigues – SEIM
- Conversa com Paola Zaccaria & Isabeli Santiago
FESTAS
- Festa de Abertura – 10 outubro, Bar of Soap (22h-02h)
- Festa de Encerramento – 14 outubro, Maus Hábitos (00h-06h)