Queer Porto | 10ª Edição

de Fio Condutor

A décima edição do Queer Porto, que decorre de 8 a 12 de Outubro, estende a sua programação ao Passos Manuel e apresenta vários programas especiais. Com 20 filmes nas competições e focos em “espaços seguros” e nas vozes de um conjunto de renomadas autoras, o festival interroga-se sobre o lugar que a comunidade ocupa hoje.

A atual situação política global, e as suas consequências sociais e culturais, é um desastre há muito anunciado e um rastilho para um futuro próximo que dificilmente vislumbramos sem um manto de desesperança. A ascensão das extremas-direitas e dos populismos, um sentido de comunidade e entreajuda abalroado pelo individualismo narcísico das redes sociais, crescentes assimetrias sociais e expressões de ódio disparadas em todas as frentes, são alguns dos fenómenos a que temos assistido. Foi a partir do desafiante olhar a este contexto que a equipa de programação do Queer Porto pensou um programa sobre a pertença, uma reflexão sobre que lugares são estes que ocupamos hoje.

Os muitos filmes que habitam esta décima edição de aniversário do Queer Porto propõem-nos um olhar complexo sobre as realidades das pessoas e comunidades LGBTQI+ nas mais diversas geografias, nos seus confrontos externos, mas também internos, no que é que significa ser-se queer, hoje, nas suas múltiplas expressões e desafios. Um cinema que abraça o que está à sua volta, e que pensa e ousa desenhar soluções. Títulos oriundos de várias partes do mundo, histórias decididas a abordar questões sensíveis, mas igualmente orgulhosas em localizar pontos de evasão a tantos problemas à volta. São, ao todo, 55 filmes, 55% assinados por homens cis, 23% por pessoas trans ou não-binárias e 22% por mulheres cis.

Aos títulos e atividades anunciados durante as últimas semanas – o Queer Focus sobre resistência queer em zonas de conflito, os filmes de abertura e encerramento, a sessão especial com As Fado Bicha, e os títulos que integram a Secção Panorama -, juntam-se agora os filmes que compõem as duas competições oficiais do festival, o anúncio de dois programas especiais fora de competição, uma mostra de filmes no Passos Manuel, que se estreia como novo espaço do festival, e, também, uma série de conversas sobre várias questões ligadas aos filmes programados e a divulgação das atividades paralelas.

Lesvia, de Tzeli Hadjidimitriou

O júri da Competição Oficial é formado pela investigadora e produtora Claire Sivier, pela artista e docente Laetitia Morais, pelo produtor da RTP Paulo Silva e pelo artista e performer Tiago Aires Lêdo. Nos oito filmes desta secção encontram-se a ficção, o documentário e as formas híbridas. Alguns destaques: Le Corps du Délit, de Léolo, é uma primeira longa-metragem que parte de experiências reais de violência policial e as cruza com uma ficção de vertigem homoerótica; Desire Lines, de Jules Rosskam, cria uma narrativa em torno de um arquivo LGBTQI+ para propor a reflexão sobre o modo como a masculinidade trans e a identidade gay podem encontrar-se, e resgata o ativismo de Lou Sullivan, primeira pessoa a definir-se como female-to-gay-male; o documentário Lesvia é uma crónica agridoce de quarenta anos de peregrinação lésbica à aldeia de Eressos, em Lesbos, assinada por Tzeli Hadjidimitriou, realizadora ali nascida e criada; e Salão de Baile, de Juru e Vitã, que filma, com certa veia didática, uma festa em que as principais casas de ballroom do Rio de Janeiro competem. Mais quatro títulos completam esta secção, cujo prémio é patrocinado pela RTP, pela aquisição dos direitos de exibição do filme, valorizado em 3.000€.

5 Minutes with Clémentina, de Pedro Hasrouny

A seleção do Prémio Casa Comum volta a demonstrar que o cinema queer português está de parabéns. Falamos de um cinema jovem, fresco e ousado, que transborda limites, renova linguagens e subverte expetativas. Entre as doze propostas a concurso encontramos: À Tona d’Água, o novo filme de Alexander David, apresentado na última edição do Festival de Roterdão; Spillovers, o estimulante ensaio onde Ritó Natálio cruza teoria queer e ecosexualidade, e que complementa a sua performance homónima; o perturbador Convoluted (Artificial Sorry > Church Intelligence), onde David Leal vincula inteligência artificial e abusos na igreja; o irónico 5 Minutes with Clémentina, de Pedro Hasrouny, interpretado pela atriz e ativista Maria João Vaz; e também a divertida animação Clotilde, assinada por Maria João Lourenço. A professora e psicóloga Conceição Nogueira, o produtor cultural Marco Gabriel e o designer de comunicação Paulo Pereira formam o júri responsável por decidir que filme leva o prémio patrocinado pela Reitoria da Universidade do Porto, no valor de 500€.

The Visitor, de Bruce LaBruce

Uma das grandes novidades desta edição do décimo aniversário do Queer Porto, é a extensão da programação do festival ao Passos Manuel. De quarta-feira dia 9 a sexta-feira dia 11, o evento chega ao mítico espaço portuense com as três Noites no Passos que prometem conteúdo ousado e de alto impacto visual. Na primeira noite, poderá ver-se o mais recente trabalho de Bruce LaBruce, The Visitor, um dos seus filmes mais políticos desde The Raspberry Reich, e que vai abordar a crise das migrações no Reino Unido através de uma explícita e sexualizada reescrita do Teorema, de Pasolini. Figura controversa e revolucionária da cultura queer e da música industrial, Genesis P-Orridge (1950-2020) será protagonista da segunda noite graças ao seu derradeiro retrato, o documentário S/He Is Still Her/e: the Official Genesis P-Orridge Documentary, assinado por David Charles Rodrigues. E a fechar estas Noites no Passos, propomos a descoberta de uma novíssima voz do cinema francês, Mathieu Morel, com três curtas-metragens onde uma muito singular linguagem que mistura o terror e o explícito, o gore e o existencial, faz adivinhar um nome a reter para o futuro.

A House Is Not a Disco, de Brian J. Smith

De regresso ao Batalha, e talvez consequência ou mecanismo de defesa a partir do Queer Focus especial do programa deste ano dedicado à Resistência Queer, a equipa de programação desenhou outro programa à volta da ideia de Espaços Seguros. Um programa que é sobre a pertença e microssociedades organizadas, e também uma reflexão sobre que lugares de segurança são os que ocupamos hoje. Além da materialização desses espaços seguros na criação de associações, casas, bares ou até bairros, o desafio e a necessária ambição são aqueles de ocupar e viver lugares que foram vedados a todo o tipo de minorias rejeitadas, não apenas às comunidades queer. Uma compilação de imagens de arquivo da década de 1990 das festas de uma boate em Niterói (Vollúpya), o quotidiano da comunidade queer da icónica Fire Island (A House Is Not a Disco), o dia a dia do complexo funcionamento de uma clínica de género nos Países Baixos (Genderpoli) ou a luta da ativista e cabeleireira Mel Rosário por fazer valer o seu direito constitucional à liberdade religiosa (Toda Noite Estarei Lá), são alguns dos temas e conceitos que expõem e discutem os oito filmes desta secção.

Listening for Something… Adrienne Rich and Dionne Brand in Conversation

Autoras em Diálogo é o título do outro programa especial que este ano alarga a programação do Queer Porto. Neste caso, a proposta é à volta de um conjunto de autoras que, nas suas diferentes áreas científicas, filosóficas ou literárias, são vozes muito singulares: a escritora, guionista e apresentadora brasileira Fernanda Young, a turbulenta filósofa belga Isabelle Stengers, a renomada poeta feminista norte-americana Adrienne Rich, e a escritora e cineasta feminista trinidadiana-canadiana Dionne Brand. Três documentários sobre elas poderão ser vistos no Batalha, onde também irão ter lugar duas conversas: à boleia do filme sobre Stengers, estarão presentes a investigadora Manuela Teles e o professor Samuel Guimarães, enquanto as pesquisadoras Hilda de Paulo e Geanine Escobar irão debater sobre várias questões, mas focando, sobretudo, na noção de pertencimento, a partir do filme sobre Rich e Brand.

Na Casa Comum da Reitoria da Universidade do Porto haverá também lugar para uma conversa sobre “Resistência Queer” entre o político José Soeiro e a médica humanitária e ativista Lokas Cruz. E ainda: uma exposição de fotografia, “Queer Spectrum“, pela mão de Dana Click, que se poderá ver na Livraria aberta até ao dia 31 de outubro, e duas festas para celebrar após as sessões de cinema, de Abertura no Bar of Soap e de Encerramento no Passos Manuel.

O Queer Porto 10 conta, entre outros, com os apoios da Câmara Municipal do Porto / Ágora e do ICA – Instituto do Cinema e do Audiovisual, além de importantes parcerias como as estabelecidas com a Embaixada da Espanha, a Levi’s, a Absolut, a FLAD e a Variações.

Mais informações e programa completo do Queer Porto 10 AQUI

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