Misturar documentário com ficção pode ser, à primeira vista, uma ideia bastante interessante. Uma estrutura alternada que permite não só ouvir factos históricos, mas também ter uma ideia visual de como tudo terá acontecido, o que dá ao espectador uma nova forma de conhecer a história. No entanto, quando tudo é demasiado marcado, e a representação se torna quase numa telenovela, a forma torna-se prejudicial. Queen Cleopatra é a nova série documental da Netflix e consegue em apenas quatro episódios espelhar completamente esta ideia. Com o objetivo de cobrir o reinado da última faraó do Egipto, o espectador é levado numa viagem completamente tendenciosa sobre esta mulher.
Ao longo de quatro episódios, cada um com cerca de 45 minutos, podemos acompanhar a infância e a adolescência de Cleópatra (Adele James) até à sua coroação, porém, a história é focada, maioritariamente, nos seus relacionamentos com Júlio César (John Partridge) e Marco António (Craig Russell), bem como na sua política externa, enquanto rainha do Egipto. Este recorte escolhido pela realizadora acaba por revelar uma intencionalidade em romantizar toda a sua vida. Não só a nível das suas relações, mas também na forma como os seus atos eram apensados.
Começando pela estratégia visual desta minissérie, existem questões bastante problemáticas. Em primeiro lugar, a sua direção de fotografia e o design de produção. Conseguimos perceber, claramente, que houve muito pouco dinheiro envolvido pois os cenários são fracos; os planos de contextualização são poucos e repetem-se constantemente e as cenas são maioritariamente gravadas em interiores e com planos fechados na tentativa de captar o menor espaço possível. Em segundo, a sua estrutura visual na edição é também bastante pobre. Apesar da ideia de intercalar ficção e comentário histórico ser interessante, há que usar uma estratégia que não torne tudo igual e aborrecido. Aqui, ao longo de 3 horas, assistimos a um vai-e-vem de realidade/irrealidade que a determinado ponto só faz querer desligar tudo e começar a ver outra coisa.
No início de cada episódio, Jada Pinkett (produtora executiva) narra a vida de Cleópatra sempre glorificando os grandes factos da sua vida. De seguida, vários pesquisadores/historiadores apresentam diversos argumentos para explicar a vida desta rainha do Egipto, no entanto, é sempre tudo muito marcado. O que transparece é que cada um apresentou, à vez, os seus argumentos e que só na montagem as entrevistas foram intercaladas. Não se nota uma troca de ideias, uma “luta” para identificar quem era esta mulher e o que ela representava. Em vez disto, temos só factos mandados para o ar que depois são representados por atores, na tentativa de dar estrutura e realidade ao que é dito.
Mesmo após os quatro episódios, é difícil ter uma ideia concreta sobre Cleópatra. Apenas conseguimos ver dois lados: ou uma mulher sedutora ardilosa que usa os homens para conquistar os seus objetivos, ou uma jovem guerreira, a própria deusa na terra como a definem, que luta para dar o melhor ao povo egípcio. Não existe um esforço de ir ao interior, ao pensamento, ao passado desta mulher. O que é que a faz ser tão importante que é falada até aos dias de hoje. Esta é uma das principais desvantagens da minissérie.
As recreações são completamente exageradas e as entrevistas são aborrecidas e sem qualquer tipo de interesse. O problema com estes momentos é que os historiadores não apresentam argumentos fortes o suficiente que convençam o público, ou pelo menos que nos leve a tentar compreender os seus pontos. Apresentam tudo como um facto sem comprovação, e nós, meros espectadores, apenas temos de aceitar.
Uma das teses apresentadas, que tem criado uma grande polémica envolta da minissérie, está relacionada com a cor de pele de Cleópatra. Mas aqui, tenho de dizer que é das poucas vezes onde não há uma imposição de factos. A ideia é falada, no entanto, é sempre dito que pode ser uma hipótese. Os entrevistados escolhidos chegam a falar de várias teorias. Enquanto uma mulher menciona que imagina Cleópatra negra, como ela, um homem diz que acha que ela tinha pele morena, clara, e cabelos cacheados, assim como ele.
Queen Cleopatra é uma minissérie documental que, desde o início, falha pela sua tentativa de romantizar a história de alguém, uma vez que retira da equação inúmeros factos que poderiam dar mais consistência e interesse à história. A escolha de comentadores também desaponta, pois agem mais como fãs, e menos como pessoas que estudaram efetivamente estas questões, colocados numa posição para apresentar factos históricos. A única opção acertada está na contratação de Adele James para o papel principal. Uma representação forte, coesa, exímia, que permite ao espectador ter uma nova imagem de Cleópatra. Bem diferente das apresentadas anteriormente por Hollywood.