Aventura. Perigos. Lutas. Prémios e heroicidades. Eis a vida de um gato de botas munido de uma espada de esgrima (e de muitos outros não gatos). Mas, e a companhia? O amor? O sossego? A amizade? A alegria compartilhada? Deveriam estar também presentes na vida do animal e nas nossas? O filme coloca esta e outras questões ao longo da narrativa.
O Gato das Botas (VO: Antonio Banderas/VP: Paulo Oom) apercebe-se que a sua paixão por peripécias e façanhas lhe custou caro: resta-lhe apenas uma vida (das suas nove vidas de gato). Então, o animal embarca, novamente, numa proeza em busca do derradeiro Último Desejo, uma estrela cadente com um poder especial que lhe pode restaurar as nove vidas, em Puss in Boots: The Last Wish realizado por Joel Crawford. Na sua viagem, o gato é inesperadamente (e felizmente) confrontado com a presença de Perrito (VO: Harvey Guillén/VP: José Lobo), cão irrequieto, ingénuo, dócil e amigável (a personagem mais carismática e melhor construída do filme) que mal conhece o Gato das Botas começa a tratá-lo como amigo. Além disso, a sua velha amiga Kitty Softpaws (VO: Salma Hayek/VP: Raquel Tavares) também dá de caras com o seu congénere, contudo, a sua presença não é tão bem-vinda como para Perrito.
Os dois gatos buscam pelo Último Desejo e lutam para o atingir, tal como Goldilocks (VO: Florence Pugh/VP: Mafalda Luís de Castro) e a sua família de ursos e Jack Horner (VO: John Mulaney/VP: Pedro Bargado). Apenas Perrito acompanha a jornada com o intuito único de fruir a proeza e a companhia do Gato das Botas e da Kitty Softpaws. Contudo, outra figura junta-se à aventura, não à procura do Último Desejo nem a querer juntar-se a Perrito no regozijo pela jornada per si, mas sim com o objetivo de ter para si o Gato das Botas: a Morte, personificada por um lobo (VO: Wagner Moura/VP: Marco Delgado), uma criação brilhante, cujo assobio simboliza-se distintivamente como marca premonitória da sua presença mortífera. Com efeito, o famoso gato – cuja fama se deve à saga Shrek – terá de enfrentar dois desafios: a contenda pelo Último Desejo com inúmeros inimigos, mas também a fuga da Morte.
Ademais, é de notar o character development das personagens que se dá de forma coerente – não precisando de construções redundantes para que seja explícito – e nada abrupta, o que acontece muitas vezes quando queremos mostrar que uma personagem mudou de caráter de forma acentuada que é o caso do Gato das Botas, mas também de forma menos acentuada em Goldilocks. O pacing não é acelerado, nem demasiado lento: é o perfeito para desenrolar qualitativamente uma história do tipo e o voice acting é verdadeiramente insigne, sendo de destacar Florence Pugh como Goldilocks e Wagner Moura como Big Bad Wolf (a Morte).
A nomeação para a cerimónia dos Óscares de 2023 na categoria de Melhor Filme de Animação é merecidíssima: trata-se de uma animação fluída que prende o espectador ao ecrã, dado que todos os momentos merecem um olhar atento, pois podem emocionar, divertir, fazer refletir, tudo em proporção certa e necessária. Aliás, a reflexão está presente ao longo de todo o filme de uma forma leve, mas, concomitantemente, profunda, sem exageros evitáveis: questões éticas são levantadas e, por sua vez, experienciadas pelas personagens ao longo da narrativa, na vivência entre os pólos do egoísmo vs. altruísmo, da bondade vs. maldade, da amizade vs. desafeição, da solidão vs. companhia.
Puss in Boots: The Last Wish é o exemplo exímio de um filme que tem o tempo perfeito, suficiente para nos mostrar e desenvolver o enredo e, mesmo assim, ainda nos possibilita algumas surpresas. Humor, façanhas, introspeção, amizade e amor unem-se para proporcionar, também ao espectador, uma aventura de índole reflexiva.
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