Psycho Goreman (2020)

de João Iria

Viva o Terror! Viva o género B, pouco apreciado pelas massas, iluminado pela glória de um elenco formado por conhecidos e primos distantes equipados com talento questionável, composto por orçamentos minúsculos equivalentes ao catering de uma produção da Disney, e exibindo orgulhosamente os seus impressionantes efeitos práticos – majestosamente inautênticos – com criatividade embutida no vinil, cozida com remendos e com fita adesiva a suster o peso da paixão por este cinema. Somente uma mente enamorada por esta série de longas-metragens celebradas pelo ridículo conseguiria adicionar uma perspectiva encantadoramente tresloucada ao clássico de Spielberg. Imaginem, então, se o E.T. fosse uma criatura malévola responsável pela destruição de planetas, e se o seu amigo humano, Elliot, fosse uma rapariga maníaca desejosa por poder. Este filme existe e chama-se Psycho Goreman.

Há muitas luas atrás, no planeta Gigax, reinava um demónio de poder imensurável, preparado para aniquilar todo o bem do Universo. Antes de cumprir o seu destino, a raça alienígena denominada Templários uniu-se para derrubar esta criatura, e aprisioná-la num mundo distante do seu. O quintal de uma família americana. Na atualidade, durante um jogo bizarro impossível de descrever – até no próprio filme –, Mimi (Nita-Josée Hanna), e o seu irmão, Luke (Owen Myre), desenterram acidentalmente uma brilhante pedra que desperta este monstro, referido como Arquiduque dos Pesadelos. Rapidamente, as duas crianças descobrem que este objeto permite controlar a medonha entidade, decidindo, então, adotar a besta como uma espécie de amigo/animal de estimação com o nome de Psycho Goreman ou PG como diminutivo.

Kostanski, um artista de prótese e efeitos de caracterização aliado a obras como Crimson Peak (2015), Hannibal (2013-2015) e Suicide Squad (2016), iniciou a sua carreira como realizador há mais de uma década e atinge agora, com esta comédia de horror sci-fi, um novo estatuto de culto. Psycho Goreman é uma viagem ao coração do género de terror B, acompanhado por monstros, sangue, gargalhadas e amor! Um granulado pitoresco de violência absurda com direito a montagens musicais, similares a Pretty Woman (1990), um rap final que resume o enredo inteiro – referenciando as comédias infantis dos anos 90 – e a inclusão de uma besta horrorosa a proclamar agressivamente: “I do not care for hunky boys.” apenas para imediatamente questionar a sua sexualidade.

Ainda que uma porção do seu humor sofra de pobre timing na edição ou, por vezes, sobressaia como uma sitcom cancelada, o seu ambiente facecioso compensa constantemente com uma paixão cativante que nega seriedade. É como reviver os tempos em criança, maravilhado por histórias de destruição e medo, quando se criava as suas próprias narrativas cinemáticas, sozinha no seu quarto, com as suas figuras de ação e efeitos sonoros duvidosos repletos de saliva paraquedista. Este elemento é refletido na forma como Kostanski prioriza efeitos práticos, raramente utilizando CGI; na sua escolha de localizações, que aparentam ser no quintal do produtor executivo, no design construtivo das criaturas, cujos lábios demonstram dificuldades em pronunciar palavras, e na sua direção de atores, que interpretam as suas estranhas personagens com entusiasmo suficiente para o público ignorar os takes suplentes escolhidos na versão final. O orçamento é limitado, todavia, o engenho é milagroso. Não seria uma homenagem genuína ao B-movie e aos cartoons surreais dos anos 80 e 90, de outra maneira.

Nenhuma destas componentes impede esta equipa de adicionar metáforas sobre hipocrisia moral e as duradouras batalhas entre entidades religiosas com o género de terror no argumento. O acordar de PG implica um iminente combate contra a comandante dos Templários, que pretende espalhar a sua mensagem pela galáxia e colonizar os planetas com estátuas glorificando a sua ordem. A mensagem de Psycho Goreman é o oposto de uma mensagem; esta longa-metragem ridiculariza o crescimento emocional das suas personagens e opta por celebrar o entretenimento demoníaco como um túnel para aceitação pessoal do caos humano. Particularmente, o caos juvenil.

Como audiência, existe uma tendência a equivaler tripas e sangue unicamente com narrativas adultas, quando na realidade estas apelam fortemente a jovens e crianças, curiosas com o mórbido e fascinadas pelo obscuro. Através deste desejo pelo cinematicamente proibido assisti ao Saw (2004) com 11 anos, e marquei presença em todas as suas sequelas nas salas de cinema (obrigado, pai!). Semelhante ao modo como E.T. the Extra-Terrestrial (1982) captou a imaginação infantil e o seu interesse por compreender o incompreensível, Psycho Goreman representa a eterna ligação entre o género de terror com a inocência.

4/5
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