Presence (2025)

de Antony Sousa

De Steven Soderbergh já se pode esperar o inesperado, um produto com marca e impressão digital muito próprias. O elemento novidade é uma moeda com duas caras, uma que sorri e outra carrancuda. Presence dificilmente será consensual, mas o filme diz “presente” à chamada no que diz respeito a manter a nossa atenção em cativeiro e só a libertar nos créditos finais.

Uma família em mudanças enfrenta os fantasmas do seu passado mais recente e literalmente um fantasma na sua nova casa. Chloe (Callina Liang) é uma adolescente a tentar lidar com as consequências psicológicas de um evento traumático e sente uma presença no quarto. O mistério sobre as reais intenções da entidade sobrenatural concede-nos uma perspectiva intimista sobre todos os segredos familiares agora instalados no novo lar.

Quando um filme contém um espírito como um dos protagonistas, é inegável existir uma expectativa de que a história nos vá aterrorizar. Não é necessariamente o caso desta presença, pelo menos não da forma mais previsível. Somos conduzidos pelo ponto de vista deste fantasma, flutuando por toda a área da casa de onde nunca saímos, enclausurados nos entraves que impedem todas as pessoas envolvidas na narrativa de seguir em frente, as vivas e a morta. A proposta é imediatamente estranha, porém entranha-se com o tempo, e funciona como um jogo que alguém já jogou e que agora nos é revelado como se desenrolou.

Ilude-nos na ideia de que é interativo, de que de alguma forma poderemos interceder nos acontecimentos. Não podemos, claro, contudo vontade não nos falta. Fazemos parte de uma experiência que esconde um potencial porventura maior do que Presence nos apresenta. Há algo de sedutor no método que nos inclui no espaço de acção, no entanto o conteúdo bem espremido não atingirá exactamente o mesmo patamar de curiosidade… isto até chegarmos aos últimos vinte minutos, que resgatam o nosso interesse com o seu plot twist. Não que esse twist seja improvável, na verdade até recebemos sinais prévios de que ele irá acontecer, ainda assim assistir a esse momento sentindo que estamos presentes torna tudo mais intenso e real.

O elenco é pequeno mas valioso, com Callina Liang à cabeça, que nos brinda com uma performance convincente que certamente a guiará para novas oportunidades num futuro próximo. A sua Chloe está confusa e perturbada, acrescentando a isso o facto de ser adolescente e de já por si numa fase de mudança, viver uma realidade de extrema instabilidade. Chris Sullivan, curiosamente a interpretar Chris, o Pai, projecta o que todos que têm coração gostariam de ser para Chloe, uma voz amiga, um ouvinte e alguém atento a qualquer sinal alarmante. E por falar em voz, não admira que a carreira de Chris Sullivan inclua tantos créditos enquanto voice actor, porque a sonoridade do que diz soa sempre tão bem que até nos apetece escrever-lhe um monólogo só para o podermos ouvir mais um pouco. Lucy Liu tem a difícil tarefa de ser Mãe parcial, inegavelmente priorizando um filho, Tyler (Eddy Maday), em relação ao outro. A sua Rebekah não é a mulher com quem será mais natural criar ligação, todavia convém esperar até ao final para avaliarmos a nossa empatia para com ela. Tyler é o jovem que cresceu a ser incentivado a acreditar ser o melhor espécime da sua geração, o que o torna mais egocêntrico e arrogante. Para a fotografia ficar completa falta mencionar Ryan (West Mulholland), o novo amigo de Tyler que sorrateiramente se vai desinibindo e despindo de filtros até ser quem é, ganhando influência nas reacções do nosso protagonista espírito.

Vale a pena fazer a reflexão de como o conceito foi executado. Soderbergh escolheu uma Sony A7 (uma câmera consideravelmente pequena para o normal numa produção com os nomes envolvidos) e com um estabilizador de tamanho reduzido, orienta não só o nosso olhar como as emoções da personagem. Numa espécie de coreografia experimental utiliza a proximidade e afastamento das restantes personagens, além da vibração da câmera para expressar o que sente este misterioso ser. Todas as cenas são feitas num plano contínuo, sem cortes, sendo a edição feita através de simples cortes para o ecrã preto, usando o tempo na escuridão para nos indicar a extensão do tempo que separa cada cena. Estes meios chegaram ao fim de nos transferir uma sensação voyeurista.

Ver Presence é ser uma mosca dona de uma casa, ver essa casa invadida por estranhos e ter um restrito leque de ferramentas para se adaptar. No final de contas são 85 minutos de uma ghost story que não tem intenção de assustar, apenas de nos abrir os horizontes para novos pontos de vista intrigantes e criativos.

3.5/5
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