Pôr do Sol: O Mistério do Colar de São Cajó (2023)

de Pedro Ginja

Quando surgiu a série Pôr do Sol (2021-2022), em pleno período pandémico, a reacção foi efusiva e com direito a uma imensa legião de fãs. O conceito de criar ficção a partir da sátira das telenovelas e de a combinar com sabedoria popular, cultura pop e nostalgia, resultou num produto capaz de agregar diferentes franjas da sociedade portuguesa. E houve mesmo um fenómeno, que ultrapassou os muros da ficção para a realidade – a banda Jesus Quisto, capaz de encher pavilhões por todo o país, inclusive o Altice Arena e, mais recentemente, a presença no NOS Alive, um dos maiores festivais de verão do país. Um atestado da sua imensa popularidade em Portugal.

Não é, por isso, de estranhar a expansão da série de TV para a sala de cinema. O objectivo é expandir o universo de Pôr do Sol e de explicar um dos seus grandes mistérios – o famoso colar de São Cajó, que está na família Bourbon de Linhaça há mais de 3500 anos. Para isso esta saga regressa a esse momento no tempo em que a sua sorte mudou, quando se tornaram uma das mais influentes famílias portuguesas na… produção de cereja. Acompanha a sua história desde esse momento até aos dias de hoje (sendo hoje, o início da série da RTP). Uma verdadeira epopeia com… 3500 anos de duração.

Este é, de facto, um projecto muito ambicioso, e é quando “visita” o passado que consegue os seus melhores momentos. Para além do que já caracteriza a série, Pôr do Sol: O Mistério do Colar de São Cajó consegue sair do espectro da telenovela e explorar outros géneros como o da fantasia, o épico histórico ou mesmo o terror, brincando com os seus clichês e abrindo um manancial de novo humor. Os próprios efeitos visuais e a cinematografia, nas secções do passado, são uma excelente surpresa e afastam o filme do âmbito televisivo. Relembra o espectador de grandes clássicos da sétima arte, dos quais “rouba” descaradamente, como já o fazia anteriormente na TV, e dá aquele sentimento nostálgico de bons momentos passados no escuro do cinema. Há aqui um claro investimento e cuidado na parte técnica, o que tem de ser referenciado como uma mais-valia da produção, que só se ressente quando o argumento chega ao presente e à famosa Herdade do Pôr do Sol, cenário central da série televisiva.

Outro ponto sem mácula é a qualidade do elenco, que para além de todos os habituais do universo Pôr do Sol, conta ainda com novas personagens interpretadas pelos veteranos José Raposo e Diogo Infante, e os mais recentes João Vicente e João Jesus. Os papéis que representam são melhores guardados no segredo do Nosso Senhor do Coisinho, mas todos deixam a sua marca, tornando-se parte da família Pôr do Sol com facilidade. Nos clientes habituais, refiro o carisma e intensidade de Madalena Almeida nas poucas cenas que tem com o seu papel de Vera; o sempre marcante, na sua idiotice fofinha, Diogo Amaral como Lourenço; e Gabriela Barros, como Matilde Bourbon de Linhaça, a campeã incontestável do exagero dramático e de como cativar o espectador. Termino por destacar Rui Melo, que é um dos poucos a ter a oportunidade de expandir a sua personagem para caminhos bem diferentes e a ter um arco interessante, mesmo que tenha pouca oportunidade de quebrar copos de vidros como tão bem fazia na TV. A redenção chega no fim, felizmente.

E é com esta frase que entro no menos bom, que também existe, e é no local que menos esperava – o humor. No seu ADN televisivo há uma ênfase muito grande nos diálogos ridículos sobre situações inusitadas e a coragem de não deixar nenhum tópico como tabu. Tudo valia e parecia que tudo “deslizava” da ponta da língua dos actores para gargalhadas sonoras dos espectadores que as escutavam. Isto tudo com uma frequência que parecia sobrenatural. Em Pôr do Sol: O Mistério do Colar de São Cajó, essas gargalhadas sonoras raramente surgem e são substituídas por risos tímidos ou meros sorrisos. Tudo é menos intenso e, no final de contas, com muito menos piada. Os riscos continuam a ser tomados na comédia, mas existem mais tiros ao lado do que os que acertam na muche, enquanto os diálogos nonsense, piadas secas e as situações ridículas, características da série, contam-se pelos dedos. Parece haver uma maior busca do clichê, mas aqui surge datado e, por vezes, a roçar o mau gosto.

Aposto na Betclic que este Pôr do Sol: O Mistério do Colar de São Cajó será um sucesso estrondoso e, possivelmente, o filme português mais visto do ano, mas isso não o impede de cometer os erros comuns a tantas outras adaptações de TV para o universo cinematográfico. É inegável a ambição, a qualidade técnica e o elenco desta produção, mas esta não consegue transferir a magia e a alegria de cada episódio de 30 minutos para uma longa-metragem de quase 2 horas, sendo particularmente penosa a última meia hora de filme.

2.5/5
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