Numa crítica sobre Simone: le Voyage du Siécle (2021), teci alguns argumentos sobre a produção em massa de biopics e o porquê deste género cinematográfico estar cada vez mais vazio e desgastado. Um destes apontamentos é que, em determinadas obras, a preocupação dos realizadores e produtores está na nostalgia que determinado artista desperta no público e não na construção de um filme com elementos técnicos e narrativos que garantem a sua qualidade, sem muletas emocionais. Infelizmente, é o caso de Pixinguinha, Um Homem Carinhoso, de Denise Saraceni e Allan Fiterman.
Pixinguinha é um dos maiores nomes da música brasileira. O compositor é responsável pelo o que muitos consideram como o hino popular do Brasil (“Carinhoso”, que inspirou o título do filme) e centenas de sucessos que transcendem gerações. A sua história está entrelaçada com a cultura do país no século XX em diversos momentos e até em movimentos sociais, como a luta contra o racismo e o classismo. Era um artista cheio de talento e originalidade, que se inventou e, constantemente, se reinventava.
Uso o termo “infelizmente” pois uma personalidade dessa magnitude seria perfeita para construir um filme interessante, costurando a sua trajetória com a cultura brasileira e as transformações que o país sofreu desde a década de 20 até os tempos da ditadura. O que acontece em Pixinguinha, Um Homem Carinhosoé uma tentativa de colocar a vida inteira desse artista num espaço de uma hora e quarenta, resultando num filme sem conflitos e aprofundamento.
O argumento sobressai mais como um conjunto de pequenas histórias contadas à pressa do que como uma cuidadosa caminhada pela vida do músico. Situações e personagens interessantíssimas vêm e vão, porém, não são bem exploradas. Uma delas é o pai de Pixinguinha (Milton Gonçalves), que não tem o tempo de ecrã que merece. Fica uma impressão que a produção original era uma série de 10 episódios, cada um com cerca de 30 minutos, onde espremeram todo o conteúdo num filme para ser exibido tanto no cinema como na televisão. Esse tipo de estratégia não é rara em projetos produzidos pela Globo Filmes, a lembrar que uma das obras a receber este tratamento foi O Auto da Compadecida (2000), longa-metragem brasileira sempre presente nas listas de melhores filmes da história do cinema.
Dito isso, tenho que constatar que esse problema no argumento não destrói completamente o filme. Há muitas passagens divertidas e dignas de observação, como o segmento em que Pixinguinha (Seu Jorge) sofre uma tentativa de assalto, mas acaba por ficar amigo do seu assaltante (Tadeu Mello), convidando-o para jantar na sua casa, uma cena que evidencia o enorme carisma do músico. O elenco é extremamente competente e traz uma fluidez necessária para a história, pois os diálogos carregam um melodrama excessivo característico de novelas brasileiras. O destaque é para os actores principais: Seu Jorge, Milton Gonçalves, Tadeu Mello e, principalmente, Taís Araújo, que interpreta Beti, a companheira do artista, com uma excelente naturalidade.
A fotografia consegue ter momentos inspirados e outros aborrecidos. Existe um excesso de close ups no rosto das personagens, enquanto elas mantêm uma única expressão durante demasiado tempo, desnecessariamente, recordando os cliffhangers de uma série de televisão. Um recurso usado em novelas brasileiras, mas quando esse melodrama é transportado para o cinema causa um ruído na experiência.
Pixinguinha, Um Homem Carinhoso é um filme simpático, divertido e emocionante em diversos momentos mas o ritmo é demasiado apressado e, por vezes, até raso. Não é uma obra-prima do cinema brasileiro; é entretenimento de domingo à tarde na televisão. O problema de biopics é que se eles não forem feitos com uma visão artística realmente autêntica e uma perspectiva única sobre uma personalidade ou um acontecimento, o filme vai apenas ser esquecível.